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Análise: Granblue Fantasy: Relink (Multi) expande seus horizontes em um competentíssimo RPG

Novo título derivado da popular IP mobile é uma grata surpresa e se destaca em um mês carregado de outros representantes mais pesados no gênero.



Granblue Fantasy: Relink (Multi) traz consigo um histórico de produção bem curioso. O desenvolvimento do título se arrasta desde, pelo menos, 2016, quando foi anunciado como um RPG de ação com o intuito de expandir ainda mais a marca, já consolidada no mobile, para outras plataformas e, por consequência, públicos.


Nesse meio tempo, a PlatinumGames foi confirmada como desenvolvedora do jogo, foi dispensada, o game ficou no limbo até finalmente ter seu marketing retomado e, enfim, lançado. Agora, com ele em mãos, já é possível dizer logo de cara: trata-se de um dos RPGs de ação mais surpreendentemente gratificantes dos últimos anos, mesmo com toda a sua concepção atribulada.



Com qual frequência você pensa no império romano?

Um meme relativamente recente (perto do que se pode dizer a respeito da história dos memes) traz à tona uma indagação sobre o quão frequente os homens pensam no império romano de maneira aleatória. Pois bem, o meu império romano, no que diz respeito às minhas análises de jogos, é o Babylon’s Fall da PlatinumGames em parceria com a Square Enix.

Trago mais uma vez essa minha fixação para a roda porque eu tive a oportunidade anterior de testar o Granblue Fantasy: Relink na BGS do ano passado. Ao me deparar com uma missão com tempo, protagonizada por quatro heróis que compõem a minha party e com a ação rolando em tempo real, os flashbacks do Vietnã logo vieram à minha mente. Embora a jogabilidade tenha se mostrado sólida o suficiente na demo, essa estrutura voltada para uma experiência primariamente multiplayer em um jogo de serviço me ativou alguns gatilhos.




Dessa forma, bate um alívio imediato quando o novo título da Cygames começa a rodar no console e percebemos que ele se trata de um RPG mais tradicional do que parece. Sim, ele conta com um mecanismo de vida útil que conversa com a ideia de “jogo como serviço”, no sentido de introduzir um modo online para completar as missões disponíveis. Apesar disso, o modo história, ainda assim, mostra-se bem enxuto e conservador.

Nisso, vamos contextualizar, tá? Babylon’s Fall seguia uma estrutura puramente baseada em um jogo como serviço em que o jogador criava seu avatar e ia avançando por uma história sem sal e de difícil assimilação (por conta de uma exposição bem ruim através de cutscenes estaticamente morosas) dividida em várias fases curtas que até podiam ser completadas em modo individual, mas o desequilíbrio dos chefões fazia com que fosse necessário jogá-las no modo multiplayer online.




Assim, era necessário ir avançando de missão em missão e torcer para que outros jogadores quisessem se aventurar pelas mesmas fases que você, dando continuidade ao título. A execução prática era bem chata por conta da ausência de combos variados e carência de diversidade no estilo de gameplay, já que cada usuário poderia escolher entre, no máximo, três ou quatro modelos distintos de arquétipos de jogabilidade.

Isso sem falar de todos os aspectos predatórios naturais de qualquer jogo-serviço, como navegação complicada pelos menus, janelas constantes lembrando o jogador a respeito do passe de temporada pago, excesso de microtransações, etc.




Tendo tudo isso em vista, meu medo com Granblue Fantasy: Relink era que, jogando a versão de demonstração em que era necessário completar uma missão com outros quatro jogadores online, o título tivesse a mesma estrutura de progressão continuada através de missões online. Caso fosse, então, um título voltado para essa experiência multiplayer, ele, infelizmente, carregaria consigo todos os vícios da indústria de jogos moderna, no que diz respeito a esse formato de negócios assumido por um produto.

De tal maneira, Relink realmente apresenta alguns aspectos que lembram o que foi feito com a jogabilidade de Babylon’s Fall — o que até denuncia um pouco o envolvimento da PlatinumGames durante o início da produção —, mas, por sorte, foram executados de uma maneira bem mais competente e, principalmente, prazerosa.




Na prática, a jogabilidade é realmente muito parecida, uma vez que, embora consiga se sustentar como um RPG, ele ainda traz um sistema de combates em tempo real em ambientes abertos. A party é composta por até quatro personagens distintos que atuam simultaneamente com o jogador principal. Quando alguém morre, ele fica temporariamente incapacitado e dois contadores surgem na tela: um relacionado ao tempo de recuperação do boneco e outro referente ao tempo cumulativo que toda party pode permanecer nesse estado ao longo da tarefa. 

Se esse segundo contador chegar a zero, a missão falha. Ou seja, não há vidas preestabelecidas. Alguém pode ter seu HP zerado e se recuperar (agilmente, se outro jogador for ajudá-lo) enquanto o segundo contador ainda tiver bala na agulha. Essa mecânica age exatamente da mesma forma no modo single player e evidencia mais uma comparação com o sistema grosseiro de Babylon’s Fall em que o jogador, caso morra, tem que esperar um tempão até finalmente se levantar, mesmo em uma missão completamente solo. 




Esse sistema de missões, inclusive, funciona igual ao do jogo da Square Enix, mas aqui ele com certeza será uma das principais pilastras no que diz respeito à manutenção da vida do jogo para o futuro. A despeito disso, ele é quase opcional quanto à progressão da campanha de um jeito objetivo, já que o título da Cygames não renega o single player em sua estrutura.

Além disso, nota-se que a jogabilidade de Granblue Fantasy: Relink não só é diversificada como se mostra extremamente prazerosa. Em vez de reduzir os arquétipos de gameplay a poucos estilos e deixar o sistema de personalização de compra de roupinha tomar conta na justificativa de fazer o jogador fazer o próprio estilo, a variedade do RPG da Cygames está no robusto elenco de personagens disponíveis, cada um com características, combos, ataques especiais e formas de manejo próprios.




É muito curioso como dois títulos de estruturas bastante similares sejam tão distintos em sua execução prática. Relink é colorido, lúdico e bem estimulante. O jogador se sente compelido a descobrir mais sobre aquele mundo e realizar missões para evoluir cada um dos personagens desbloqueáveis (que a narrativa justifica como novos membros da tripulação da nave Grandcypher) — e, se o título conseguir se sustentar em um serviço continuado, ainda tem espaço para receber novos bonecos e missões ao longo do tempo em atualizações recorrentes.

Lembrando que todo esse progresso online que envolve a evolução dos bonecos, das armas e as missões que podem ser completadas em conjunto com outros jogadores (que podem escolher seus personagens dentre os disponíveis no elenco do game) acaba ficando em segundo plano se levarmos em consideração o bruto da história do título.



Todos a bordo da Grandcypher!

Na história da campanha principal, somos apresentados a Gran, o capitão da nave voadora Grandcypher, e sua tripulação, com quem ele aparentemente já compartilhou várias outras aventuras em busca de um lugar lendário chamado Estalúcia e onde o protagonista acredita que vai encontrar ao menos mais informações sobre o seu pai desaparecido.

Durante uma de suas viagens, contudo, a nave é atacada pela Igreja de Alvia. Lyria, uma jovem com poderes de controlar entidades ancestrais e com quem Gran estabeleceu um vínculo vital após quase morrer em uma ocasião passada, acaba sendo sequestrada. Cabe, então, à tripulação da Grandcypher partir em busca da companheira desaparecida.




Para tal, Gran e o resto de sua tripulação — todos personagens jogáveis de imediato, como a soldada Katalina, a maga Io, os pistoleiros Rackam e Eugene, e a misteriosa Rosetta — se aventuram por uma gama variada de ambientes distintos, de montanhas vulcânicas a cavernas geladas, onde enfrentam inimigos poderosos e vão fazendo aliados enquanto tentam colocar um fim nas ações malignas da Igreja de Alvia.

Como todo bom RPGzão, essa gama variada de ecossistemas serve para introduzir inimigos temáticos que podem ser mais ou menos suscetíveis a determinados ataques elementais, uma das características do jogo. No caso, cada um dos personagens desbloqueáveis (em um total de vinte) conta com uma afinidade elemental própria em seus ataques. Assim, durante a progressão, o rodízio de membros na party vai se tornando algo plenamente natural e acaba estimulando vários testes entre os bonecos disponíveis.




Nota-se que cada um conta com evolução própria, com níveis individuais, armas que podem ser aprimoradas e melhorias de atributos e técnicas que podem ser desbloqueadas em árvores de habilidades com foco no jogo ofensivo e defensivo.

Assim, a possibilidade de escolha garantida ao jogador, permitindo que ele progrida na história da forma que desejar, com o personagem que ele quiser, é um dos aspectos mais agradáveis de Granblue Fantasy: Relink, uma vez que não existe uma espécie de obrigação para se adequar a uma única forma de gameplay, pelo contrário, é o teste contínuo que vai apresentar os personagens mais divertidos para cada um, dentro de suas limitações.




Além disso, não encontrei nenhum boneco com um manejo mais ou menos complicado do que outro, correspondendo apenas a formas diferentes de jogo, como a execução de combos dentro de um certo ritmo; variações estilo rekka que mudam o caminho do combo dependendo da direção e do botão utilizado; golpes carregados ou mesmo transformações.

Nesse aspecto, só fez um pouco de falta a possibilidade de testar algum personagem antes de recrutá-lo como o novo integrante da tripulação da Grandcypher. É possível avaliar a lista de combos e ter um vislumbre visual de seu estilo de jogo, mas o teste prático só ocorre depois que ele é adquirido.




Durante as explorações, também foi sentida a ausência de um minimapa no canto da tela. Embora tais sequências tenham como objetivo deliberado trazer um pingo de desorientação para o jogador, há outros momentos, como os de calmaria nas cidades, em que a navegação se torna desnecessariamente complicada e cansativa. Esse revés poderia ser parcialmente solucionado com um menu de viagem rápida para os estabelecimentos úteis como o ferreiro ou o balcão de missões (que só é liberado depois do fim da campanha), mas o máximo que conseguimos é aquele navegador no estilo bússola na extremidade superior da tela.

Nota-se que boa parte da navegação pelos mapas é conduzida por Vyrn, um dragãozinho que assume uma função bastante parecida com a Navi, de The Legend of Zelda: Ocarina of Time, ou Fi, de The Legend of Zelda: Skyward Princess. O mascotinho de Granblue Fantasy, entretanto, não deixa de ser tão insuportável quanto os exemplos em questão. 




Apesar de banal, linear e até mesmo previsível, a história ainda é suficiente para segurar a atenção do jogador, principalmente pela forma com que ela alterna as situações e cenários ao longo das cerca de vinte horas de jogo da história principal. 

Ao fim da campanha, a própria narrativa acaba direcionando o jogador para a modalidade de gameplay voltada para a realização das missões disponíveis, sejam elas online ou não. A escolha depende inteiramente da preferência do jogador, inserindo-o nesse novo ciclo de jogo com bastante naturalidade e solidificando o fator replay de Granblue Fantasy: Relink, já que há um estímulo para evoluir as armas e os personagens ao máximo, além de lutar por resultados cada vez melhores nas missões.




Graficamente, o estilo se assemelha um pouco com Tales of Arise, mas de um jeito meio capado na entrega. Esse downgrade, entretanto, é compreensível porque o título da Cygames entrega lutas em tempo real em mapas mais complexos do que os do RPG da Bandai Namco.

O calcanhar de Aquiles, a meu ver, está um pouco no design dos personagens. Isso é bem curioso, uma vez que Relink é originário de um gacha de sucesso, um gênero que se sustenta justamente na quantidade e qualidade dos bonecos que são aos poucos disponibilizados para os jogadores tentarem a sorte até conseguirem adicioná-los em suas coleções.




Embora apresentem jogabilidades notavelmente distintas, a maior parte dos membros recrutáveis para a tripulação da Grandcypher são bem sem graça, até genéricos, eu diria. Sob outra perspectiva, eles parecem bem mais carismáticos em Granblue Fantasy: Versus do que aqui. No caso, isso é porque não se vê aquela diversidade esperada de um elenco característico de um jogo de anime, com cabelos e roupas bem extravagantes, evidenciando uma escola própria de design de personagem.

Em tal aspecto, o carisma dos personagens consegue se expressar basicamente através da competentíssima jogabilidade. O título até tenta trazer algumas missões focadas que contam mais a respeito da história de cada um, mas o fato de boa parte delas consistir apenas em blocos de texto com fundo estático em vez de cutscenes mais elaboradas, engajantes ou simplesmente interativas faz com que esse esforço seja em vão. 




Nesse mesmo critério do carisma, em contrapartida, de uma forma bem incomum para o gênero, os inimigos, mesmo os comuns, são bastante marcantes e aparecem em uma variedade considerável ao longo da trama. O destaque fica para as Bestas Primordiais, que normalmente aparecem como chefões e trocam de forma durante os combates. Cada uma se mostra mais elaborada do que outra, o que faz com que agradeçamos a existência da galeria em que é possível observar tais modelos em detalhe.

A trilha sonora também não faz feio. Com dedo do mestre Nobuo Uematsu, a música de Granblue Fantasy: Relink evoca uma sensação muito positiva dos títulos mais clássicos do gênero, conseguindo fazer com que um jogador já habituado se sinta em casa e imerso nesse mundo.

Ah, a inclusão de um glossário enciclopédico (aqui chamado de Diário da Lyria) é um acerto cirúrgico, imprescindível na condição de Relink como um produto que serve como porta de entrada para a franquia. Mesmo quem não tem qualquer familiaridade com o universo, vai conseguir se situar através dos registros do índice, uma vez que tais verbetes conseguem dissecar o universo através de textos simples, diretos e objetivos. 



Garantindo seu espaço no cânone

Após um desenvolvimento aparentemente atribulado, Granblue Fantasy: Relink se revela como uma grata surpresa. Embora jogue seguro até demais em certos aspectos, ele consegue fazer a marca se esgueirar com sucesso no meio de outros colossos de seu gênero. Isso é alcançado ao imprimir uma qualidade única, mesclando uma campanha de caráter individual com um estilo próprio de RPG multiplayer. Assim, o jogo faz uma transição suave, apresentando-se como um convite humilde a um jogador mais tradicional ao mostrar que essa modalidade pode ser bem divertida. 

Prós

  • Transição suave e exemplar da campanha single player para o pós-game multiplayer;
  • Altíssimo fator replay e com espaço para atualizações de sustentação;
  • Jogabilidade simplificada compensada pela ampla diversidade de personagens únicos;
  • Embora a história seja clichê, ela é bem executada;
  • Sucesso na execução de um produto planejado para ser uma porta de entrada para a IP.

Contras

  • Ausência de um minimapa;
  • Personagens com pouco carisma a nível narrativo;
  • Vyrn, o dragãozinho navegador, é simplesmente insuportável;
  • Impossibilidade de testar um personagem antes de efetivamente recrutá-lo.
Granblue Fantasy: Relink — PS4/PS5/PC — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise feita com cópia digital cedida pela Nuuvem

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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