Metal Gear Solid V: The Phantom Pain: dez anos da dor que nunca passou

Uma década depois, ainda sentimos a ausência de um jogo que prometeu tudo e terminou sem se despedir.

em 26/07/2025
       


Em 1º de setembro de 2015, Metal Gear Solid V: The Phantom Pain foi lançado como o culminar da saga de Hideo Kojima, após o prólogo Ground Zeroes, lançado em março de 2014, como uma prévia expandida para o que viria a seguir. Kojima declarou que considerava The Phantom Pain como "o último Metal Gear", fechando a sua visão pessoal da franquia. Mais do que um capítulo final, era o ponto de encontro entre tecnologia de ponta, visão autoral e desejo de liberdade criativa. Uma promessa de revolução.

Dez anos depois, o sentimento que o cerca é tão grande quanto o jogo em si: uma mistura de admiração… e uma ausência difícil de nomear. Um vazio que não vem do que foi feito, mas do que nunca chegou a ser. Porque há algo de eternamente inacabado em The Phantom Pain. Uma dor fantasma

Essa é talvez a metáfora mais precisa, e irônica, para um jogo que carrega tal nome. Metal Gear Solid V é uma obra-prima interrompida. Um projeto que carrega as marcas do conflito entre arte e indústria. Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, ele permanece vivo: nos fóruns, nos vídeos, nas teorias, nas lembranças. Não como um produto datado, mas como uma cicatriz aberta na memória coletiva dos jogadores. Um lembrete constante de até onde um jogo pode ir e até onde ele foi impedido de continuar.

                     


O jogo que libertou Snake e o jogador

Logo de cara, Metal Gear Solid V rompe com tudo o que a série havia estabelecido até então. Em vez de corredores guiados por scripts e longas cutscenes que funcionavam quase como novelas interativas, The Phantom Pain abandona as rédeas e entrega ao jogador um mundo aberto tático, meticulosamente construído. Cada missão funciona como uma caixa de areia militar.

A partir do momento que Big Boss era deixado no mapa, suas opções de infiltração eram ilimitadas, você podia optar por invadir uma base a qualquer horário, durante o turnos dos guardas ou a troca deles. Metal Gear Solid V foi um dos primeiros a trazer o conceito de clima dinâmico para o mundo dos games; tempestades de areias podiam ocorrer no Afeganistão, retirando a visão do jogador mas também dos inimigos. Era possível optar pela total furtividade, derrubando geradores para desativar luzes, ou o tiroteio, requisitando apoio aéreo e acionando os alarmes.

E o mundo responde, a inteligência artificial não é apenas reativa, ela é adaptativa. Se você abusa de headshots, os inimigos passam a usar capacetes. Se prefere atacar à noite, eles vêm equipados com lanternas, refletores e miras noturnas. Se sequestra muitos soldados, as tropas entram em alerta e reforçam defesas. O jogo se adapta a você e te devolve sua própria ousadia com resistência calculada.

É por isso que cada incursão é única. Há um senso de autoria em cada conquista, como se o jogo dissesse: "Foi você quem escolheu assim." Em vez de carregar o jogador pelas mãos, ele lhe oferece um campo minado de possibilidades para que você preencha com escolhas, erros, soluções e histórias que não estão escritas no roteiro, mas, sim, nas entrelinhas da jogabilidade.

    

Das cinzas da MSF: os ecos de Peace Walker

Outro coração pulsante de The Phantom Pain é a Mother Base não apenas como central de operações, mas como metáfora viva de tudo o que Big Boss representa naquele ponto da saga. Uma estrutura que começa como ruína e vai se erguendo, peça por peça, conforme você extrai soldados, coleta recursos e impõe sua presença no mundo.

Herança direta de Peace Walker, aqui a construção não é abstrata, ela é tátil. Você vê o aço subir, os helipontos se multiplicarem, as plataformas ganharem complexidade. E mais do que isso: você caminha por ela. Sente seu tamanho, observa seus soldados treinando, alimentando-se, vivendo. A base não é só um menu, é um lugar. E isso muda tudo. Era legal poder observar tudo na tela do PSP em Peace Walker, ver seu império militar crescer, mas poder caminhar por ele acrescentava uma camada a mais, aumentava seu vínculo com aquela que era agora sua casa.

Com o crescimento da Mother Base, vem também o avanço tecnológico e, junto dele, a sensação constante de progresso. Você desenvolve armas, uniformes, gadgets absurdos e até armas não letais. É a guerra sendo industrializada por suas próprias mãos. E, mais do que isso, você não está sozinho: D-Horse te acompanha nos primeiros passos. Depois vem D-Dog, que você literalmente cria desde filhote. E por fim Quiet, uma parceira tão letal quanto enigmática. Cada companion não é apenas um recurso, mas uma extensão emocional daquele lar. São vínculos que crescem com a base e com o jogador.

                



Em Peace Walker, já era fascinante acompanhar o crescimento da sua força militar na tela do PSP. Aquela sensação de construir um império nas sombras, recrutar soldados, gerenciar recursos, tudo aquilo já trazia um senso de autoria e propósito. Mas poder andar fisicamente por esse império, ver os corredores, os contêineres, os hangares, o mar ao redor, acrescentava uma camada emocional que nenhum menu jamais ofereceria. A base deixava de ser só uma estrutura estratégica e se tornava uma extensão do próprio Big Boss

Ao caminhar pela Mother Base, cada plataforma conquistada, cada soldado extraído, cada melhoria instalada te aproximava da ilusão de controle, mas também da percepção de que essa estrutura crescia ao seu redor.

Aqueles soldados que você extrai com o Fulton, inicialmente só estatísticas e especialidades, passam a ter nomes, vozes, gestos. Alguns te cumprimentam com entusiasmo, outros te reverenciam com respeito quase cerimonial. Quando Snake passa pelas passarelas metálicas e ouve "Boss!" ecoando entre os módulos, não é apenas fanservice, é reconhecimento. E também é cobrança. Porque por trás de cada "Boss!" há uma expectativa. Você os tirou do campo, prometeu algo maior. E agora tem que entregar.

A Mother Base também é o lugar onde as ausências mais doem. Você a visita, mas nunca realmente a habita. É sua, mas nunca é um lar, não como antes... há um silêncio entre as estruturas metálicas, um eco que remete ao passado destruído da MSF em Peace Walker. A base cresce, mas o vazio também, parecia que antes tudo era reconfortante. Éramos apenas um soldado com ideais quebrados, negando o novo título, tentando manter vivo o sonho de nossa mestra. Não éramos líderes, ainda éramos discípulos de uma fantasma…




Construímos uma família, revoltamo-nos contra o país que nos traiu, e naquele calor improvisado da antiga base sentimos algo: pertencimento. Tudo ali tinha um coração. Hoje, até o Love Deterrence silenciou. A música que uma vez nos lembrava do porquê lutávamos virou apenas ruído distante no vento marítimo, como se até ela tivesse desistido de acreditar.

E nisso reside a genialidade de Kojima: transformar uma mecânica de gerenciamento em uma experiência existencial. A base representa o que Snake constrói e o que lentamente o consome. Um lugar onde a guerra se organiza, mas a paz jamais chega. No fim, a Mother Base não é só a sede da Diamond Dogs. É o espelho da alma do jogo: funcional, poderosa, imponente… mas solitária.

“Peace Day never came… Our wishes do not come true. We just cling on to our dreams, our phantoms.” (“O Dia da Paz nunca chegou… Nossos desejos não se realizaram. Nós apenas nos agarramos aos nossos sonhos, aos nossos fantasmas.”) Essas palavras de Paz, ecoadas nos corredores da base, lembram que o ideal de paz, tão caro à MSF, era apenas uma ilusão.
      

A história que existe nos vazios

Se há algo que define a narrativa de The Phantom Pain, é a maneira como ela se recusa a se entregar por completo. O jogo começa com uma explosão, literalmente, e logo mergulha o jogador em um hospital em chamas, com um protagonista debilitado, confuso, em fuga. Big Boss desperta de um coma de nove anos para descobrir que seu exército foi destruído, sua identidade, apagada e sua missão... incerta. A partir daí, o jogo parece prometer uma jornada de vingança e reconstrução, mas o que entrega é algo mais fragmentado, mais silencioso e, talvez, mais cruel.

Como já dito, Metal Gear Solid V abdica de longas cutscenes e diálogos densos. Em vez disso, aposta no não dito, nos espaços entre os acontecimentos, nas fitas de áudio espalhadas pelo jogo. A história esconde detalhes, e só aparece em sua totalidade para quem escava. Venom Snake, ao contrário de seus antecessores, fala pouco. Ele observa, obedece, lidera, mas quase nunca se revela. É como se a própria narrativa estivesse sofrendo de amnésia, buscando entender quem é esse homem, e se ele de fato é quem dizem ser.

Ao longo da campanha, temas como identidade, manipulação, guerra infinita e o poder da linguagem (literalmente usada como arma biológica no jogo) são explorados com sofisticação. Mas sempre por caminhos indiretos. Não há clímax explosivo (Missão 51, por exemplo). Em seu lugar, um desconforto crescente, uma sensação de que algo essencial está faltando, mas que talvez tenha sido essa a intenção desde o início: mostrar que, numa guerra feita de mentiras, nem o protagonista é quem você pensa que é.




A grande reviravolta da história, a revelação de que Venom Snake não é o verdadeiro Big Boss, funciona como um golpe seco, não por ser surpreendente em si, mas por ressignificar toda a experiência do jogador. Você não era o herói. Era o mito encarnado por conveniência. Essa inversão subverte a narrativa tradicional da franquia e força o jogador a sentir, na prática, que a lenda de Big Boss é produto de suas ações. Talvez por isso a aparência de Venom antes de a cirurgia ser completamente customizável.

Você é o Big Boss. Ele é você. Snake e você construíram essa lenda juntos. No diálogo final, quando Venom escuta a voz do verdadeiro Big Boss e recebe a missão Operation Intrude N313, o que se desenha não é apenas um plano tático, mas um legado entregue e uma lenda passada adiante. Ao virar a fita, a mise-en-scène muda de plataforma aérea para os corredores de Outer Heaven, e ali, diante do espelho, a troca de papéis se consuma. Aquela carta final não é só a voz de Big Boss. É a de Kojima. Uma despedida disfarçada de transmissão:

“Essa história, essa lenda… é nossa. Nós podemos mudar o mundo e, com ele, o futuro. Eu sou você, e você sou eu. Leve isso contigo onde for. Obrigado… meu amigo. De agora em diante, você é Big Boss…”

     


Kojima x Konami: quando a arte enfrenta a indústria

Após o primeiro capítulo, o Capítulo 2 surge como um eco: missões repetidas, pontas soltas, um clímax que não vem. Muito se especulou, e se confirmou sobre o famoso Episódio 51, cortado antes do lançamento, que revelaria o desfecho de personagens centrais e amarraria arcos narrativos deixados no limbo. Era o capítulo final de uma saga… que foi amputado.

Nos bastidores, a tensão entre Hideo Kojima e a Konami já fervia. Em 2015, o nome de Kojima foi apagado dos materiais promocionais. Sua equipe foi isolada. O estúdio foi dissolvido antes mesmo do lançamento do jogo.

Durante o The Game Awards daquele ano, Kojima foi impedido contratualmente de receber os prêmios por Metal Gear Solid V, um dos episódios mais tristes e públicos de desrespeito a um criador na história dos games.

Essa ferida está presente em Metal Gear Solid V. Há algo melancólico no silêncio de Snake, na escassez de falas, na ausência do Codec. Há uma frieza no ar, como se todos soubessem que aquela era uma despedida forçada. E de fato era.

Incompleto, mas ainda assim “a Hideo Kojima game”

“Why we’re still here? Just to suffer?” (Porque ainda estamos aqui ? Apenas para sofrer?) Metal Gear Solid V: The Phantom Pain não é lembrado apenas pelo que faltou. Ele é reverenciado pelo que entregou: um sistema de gameplay que permanece inigualado, uma inteligência artificial impressionante, uma estética sonora e visual impecáveis, além de uma proposta corajosa de reinventar uma série consagrada.

Ele influenciou jogos de ação furtiva e de mundo aberto por toda a década. Ele é estudado em universidades e citado em artigos acadêmicos. Ele é jogado até hoje. E talvez mais importante: ele ainda faz pensar. O que teria sido The Phantom Pain com mais tempo? Com seu capítulo final? Com Kojima em paz?

Essa dúvida nunca será respondida. Mas talvez esse seja o ponto. A verdadeira dor fantasma é essa.

Revisão: Vitor Tibério
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Vincenzo Augusto Zandoná
Apaixonado por games desde que nasci, gosto de passar horas tagarelando sobre, principalmente Metal Gear! Ah e também faço café...
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