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Análise: Loop Hero (PC) é uma criativa aventura cíclica que combina diferentes gêneros

Controle heróis indiretamente e restaure o mundo neste curioso RPG indie.


Loop Hero tem um conceito bem inventivo. Neste título indie desenvolvido pelo estúdio russo Four Quarters, guiamos indiretamente um herói preso em um ciclo sem fim em um misto de RPG, roguelike e construtor de baralhos. O resultado é uma aventura estratégica única e repleta de possibilidades, que envolve também com sua atmosfera sombria e retrô. No entanto, o jogo é comprometido com mecânicas obscuras e uma grande necessidade de grind.

Preso em um ciclo eterno

Uma criatura sombria conhecida como Lich tomou para si a essência do mundo e o prendeu em um ciclo de trevas e esquecimento, fazendo desaparecer cidades, animais e boa parte da humanidade. Depois de eras, a esperança surgiu na forma de um simples guerreiro com amnésia: ele começou a lembrar de elementos do passado e, como consequência, pessoas e locais magicamente voltaram a existir. Logo ele descobriu que, para restaurar o mundo e acabar com o ciclo atemporal criado pelo Lich, seria necessário recuperar suas memórias. A tarefa, porém, não será fácil, pois os seguidores do ser das sombras farão de tudo para impedir o guerreiro e seus aliados.


A aventura de Loop Hero é focada em expedições. Nelas, o nosso herói caminha continuamente por uma estrada circular (o “loop” ou laço, do título). Pelo caminho, aparecem monstros que, quando derrotados, dão cartas ou equipamentos como recompensa. Os cartões são utilizados para modificar o mapa: um bosque faz surgir lobos em suas cercanias uma vez por dia, vilas recuperam a vida ao serem visitadas e criam missões paralelas, faróis diminuem a quantidade de inimigos em uma área, um campo de batalha gera tesouros, e assim por diante.

Nestes trechos de exploração, o herói avança e batalha automaticamente, ficando a cargo do jogador influenciar o andamento indiretamente. A qualquer momento podemos pausar a ação para alterar o equipamento do personagem ou criar novos elementos no mapa por meio das cartas, e a intenção é fortalecer o protagonista aos poucos ao colocar novos obstáculos pelo caminho.


Perigos mais complicados geram recompensas melhores, o que aumenta a chance de sobrevivência, mas é importante pensar com cuidado os passos, pois a força dos monstros aumenta a cada ciclo completado. Depois de restaurar boa parte do cenário com as cartas, o chefe do capítulo aparece. Logo, para avançar, somos forçados a aumentar a dificuldade continuamente. É importante também saber quando desistir: boa parte dos recursos coletados são perdidos ao morrer e só é possível fugir com todos eles quando estamos próximos da fogueira.

Após uma expedição, voltamos ao acampamento, que é a base dos heróis. Lá, podemos utilizar os recursos obtidos nas missões para criar novas estruturas que liberam bônus de atributos, cartas, itens, equipamentos, mecânicas e até mesmo novas classes. Expandir o local é essencial para ter sucesso, pois suas várias vantagens aumentam consideravelmente a chance de sobrevivência.
 


Uma curiosa e envolvente jornada de reconstrução

Pode parecer estranho um RPG que não controlamos diretamente o personagem, porém este é justamente o charme de Loop Hero. É bem interessante montar o mundo com cartas, escolhendo aos poucos o tipo de desafio que aparecerá a seguir. Há um bom aspecto estratégico nas decisões e encontrar o equilíbrio é complicado — monstros demais podem resultar em morte, já evitar perigos pode deixar o herói sem equipamentos decentes. Além disso, é crucial utilizar o espaço com sabedoria, pois ele é limitado.

Um aspecto marcante no jogo é a interação entre os diferentes elementos. Muitas cartas se influenciam, criando situações novas. Colocar uma mansão de vampiros perto de uma vila a transforma em uma “vila sitiada”, que conta com inimigos poderosos inéditos; rochas aumentam a vida máxima do herói, e quando criamos um bloco com oito delas surge um pico de montanha, que provê muitos itens, mas gera também uma gárgula agressiva; um imenso carvalho ataca inimigos próximos, porém só pode ser colocado ao lado de bosques. Me diverti bastante em busca de combinações únicas dos elementos enquanto tentava sobreviver.


A ideia de repetir atividades está presente também no ciclo geral de Loop Hero. O elemento de construção de base incentiva fazer várias expedições em busca de recursos para liberar várias opções, como produção de itens ou mecânicas que auxiliam nas aventuras. Fiquei impressionado em como o jogo evolui aos poucos com a introdução de conceitos: mesmo com o escopo reduzido das missões, há elementos que trazem complexidade, como missões paralelas e habilidades obtidas ao subir de nível.

Há também um elemento de montagem de baralhos: aos poucos novas cartas são desbloqueadas e podemos construir diferentes conjuntos, que possibilitam diferentes estratégias. Algumas vezes, inclusive, consegui superar desafios ao mudar a minha seleção de cartões. A presença destes elementos faz com que haja sensação de progresso mesmo ao ser derrotado. O jogo conta com três classes (cavaleiro, ladino e necromante) com mecânicas distintas a serem dominadas, o que traz mais opções estratégicas.


Uma atmosfera soturna torna envolvente a experiência de Loop Hero. O visual em pixel art mistura elementos simples com artes elaboradas e a música é repleta de composições em chiptune tensas — o resultado é um universo simultaneamente retrô e moderno. O tom sombrio da aventura é reforçado pela paleta sóbria e repleta de tons escuros. O texto, inclusive, é curioso: o herói faz comentários sobre as suas descobertas, inclusive inimigos, sempre avaliando se é uma adição boa ou não à restauração do mundo. Os diálogos, que estão em português, são simples, mas é interessante a abordagem constante de que todos estão perdidos e confusos em um ciclo eterno de escuridão.
 


Limitações e repetição em um universo fraturado

Apreciei bastante as ideias inventivas de Loop Hero, principalmente a influência indireta do jogador na aventura. No entanto, várias escolhas duvidosas de design atrapalham muito o andamento da aventura.

Para começar, as expedições se revelam repetitivas rapidamente. É interessante usar cartas para influenciar o ambiente, mas isso se torna um problema quando você faz exatamente as mesmas coisas em todas as missões. O motivo disso é que mesmo com geração procedural os mapas são praticamente idênticos (basicamente uma estrada na forma de um círculo) e não há objetivos ou mecânicas diferentes. Para piorar, o ritmo é lento, e as missões se arrastam mesmo duplicando a velocidade da ação. Classes com diferentes mecânicas e cartas com efeitos diferentes tentam amenizar isso, mas não são suficientes para trazer grande variedade.


Talvez o maior problema seja a grande dependência de repetir inúmeras vezes as missões em busca de recursos, também conhecido como o temível grind. Durante uma missão, você pode encontrar o melhor equipamento possível, mas mesmo assim não vai conseguir derrotar o chefe por ainda não ter os atributos necessários. Sendo assim, para avançar, é necessário coletar recursos para melhorar o acampamento e, por consequência, fortalecer o personagem. E a única maneira de fazer isso é repetindo as mesmas missões inúmeras vezes. A jornada se torna cansativa, pois elas são idênticas e de ritmo arrastado.

O jogo conta com mecânicas e conceitos mal explicados e obtusos. Durante as partidas, ouvi várias vezes sons que indicavam eventos, mas não há indicação clara do que eles significavam. Também liberei itens no acampamento cujo uso não é explicitado. Durante o combate, às vezes aparecem animações diferentes, mas não é possível saber o que elas significam. É interessante ter vários conceitos pelas mecânicas do título, mas um pouco de clareza não faria mal algum — uma simples lista de eventos durante as expedições já ajudaria bastante.


O que mais me irritou e decepcionou no jogo foi o fato de o progresso estar fortemente atrelado às melhorias permanentes. Em uma tentativa com a classe ladino, consegui equipamentos poderosos focados em ataque crítico e esquiva. Com isso, derrotava com facilidade grupos de inimigos e pensei que a vitória estava garantida. Ledo engano: quando o chefe apareceu, ele destruiu meu personagem em questão de segundos. Só consegui completar o capítulo depois de obter várias melhorias com os recursos.

No fim, eu fiquei com sentimentos conflitantes em relação a Loop Hero. Eu gosto do conceito principal de influenciar indiretamente o herói, principalmente por lembrar aqueles idle games de browser com seu contínuo ciclo envolvente de gastar recursos para obter mais recursos. Também aprecio a parte de melhorar o acampamento e liberar novas opções — sim, a experiência é repetitiva, mas há algo de viciante e hipnotizante em fazer várias vezes as mesmas tarefas. Porém, é fato que muitos ajustes deixariam a experiência mais prazerosa e menos frustrante, como maior velocidade nas missões para deixar o grind mais ágil e um pouco mais de clareza em certas mecânicas.
 


Um ciclo viciante de criatividade e grind

Loop Hero oferece uma experiência envolvente com sua mescla única de conceitos. É divertido influenciar indiretamente a jornada de um herói por um mundo sombrio em uma aventura que combina RPG, montagem de baralhos e roguelike. Interações entre cartas e diferentes tipos de inimigos criam partidas estratégicas, e há várias nuances para aprender. O ciclo de jogo, que se concentra em melhorar constantemente a base com recursos, é viciante, mas uma grande necessidade de grind, ritmo lento e a pequena variedade de situações entre as partidas deixam as coisas meio repetitivas. No mais, Loop Hero é um título único, só é importante estar disposto a encarar o grind para aproveitá-lo completamente.

Prós

  • Mistura curiosa entre RPG controlado indiretamente, cartas e posicionamento de elementos;
  • Grande quantidade de interações interessantes entre elementos para descobrir;
  • Ambientação bem trabalhada com visual em pixel art e música em chiptune.

Contras

  • Partidas muito parecidas entre si e de ritmo lento;
  • Grande necessidade de grind para avançar na aventura;
  • Mecânicas e elementos obscuros ou mal explicados atrapalham as partidas.
Loop Hero — PC — Nota: 8.0
Revisão: José Carlos Alves
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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