Análise: Time Flies: uma criativa reflexão sobre a brevidade da vida nas asas de uma mosca

Com duas horas de duração, parece que o jogo passa voando, mas vale a diversão tranquila, os risos inesperados e a reflexão sobre tempo, vida e morte.

em 11/08/2025

Esta análise de Time Flies tem duas partes. Na primeira, descrevo-o enquanto jogo, como esperado de uma review comum. Na segunda, porém, deixo-me levar pelos temas e pelas reflexões existenciais que esta obra de arte evocou em meu breve e divertido tempo com ela.

O tempo passa

Criado por duas pessoas, Time Flies é uma abordagem filosófica para uma gameplay de exploração e interações simples. Aqui, controlamos uma mosca, andando e voando por aí de forma intuitiva, uma vez que o único comando é o de movimento. Um botão, porém, exibe uma lista de tarefas, que devem ser interpretadas para descobrir como devem ser cumpridas.

Cada um dos quatro locais tem dez tarefas diferentes, muitas interações interessantes e também muitos perigos mortais, como cola, água, chamas, lâmpadas e até uma planta carnívora. Ou seja, o jogo quer que experimentemos as possibilidades do ambiente.



Mas tem uma pegadinha: o tempo de vida de uma mosca é curto, portanto, cada inseto só viverá algo entre 60 a 85 segundos por vez, de acordo com a expectativa de vida do país em que estamos. O Brasil, por exemplo, tem esperança de 72 anos (o jogo usa números da OMS), o que rende 72,4 segundos para cada mosca no jogo. Se você precisar de mais tempo, pode optar pelos 81,2 anos/segundos da Dinamarca, ou os 84,5 do Japão, que presumo ser o maior prazo de todos.

É tempo suficiente para vasculhar os ambientes com curiosidade e satisfazer os objetivos, um por vez. Quando entendemos todas as tarefas, o desafio é concluir as dez em um mesmo curto ciclo de vida, o que nos leva ao próximo local.

Admito que o primeiro local, uma casa, pareceu muito contido, mantendo-se dentro de um contexto cotidiano comum. A partir do segundo, porém, a coisa ficou mais interessante ao explorar uma galeria de arte um tanto subversiva. A experiência, que antes tinha sido apenas agradável, passou a ser divertida e inusitada, atraindo e mantendo minha atenção até o final.



Meus filhos também adoraram as pequenas interações e as situações absurdas que Time Flies oferece. Tentaram deduzir tarefas, sugeriram interações e riram muito. A mais nova até o escolheu para sua dose de jogatina de hoje, enquanto escrevo esta análise, e ela e o irmão do meio gargalharam muito.

Completando as listas de tarefas dos quatro locais, o jogo acaba e permite a seleção de fases, algo que eu gostaria que ficasse disponível à medida que avançássemos por elas. Afora isso, podemos considerar que há uma quinta lista de tarefas que abrange as quatro fases como um todo, na forma de troféus/conquistas.

No todo, passei cerca de duas horas jogando Time Flies, divididas em duas sessões de jogo. Ao final desse tempo, ficou a sensação de quero mais, que é consequência tanto da diversão proporcionada quanto da brevidade da experiência.



Mesmo que a arte seja minimalista, o projeto levou bastante tempo para ser realizado (o anúncio oficial foi há três anos, no Day of the Devs da Summer Game Fest 2022), então não é simples nem fácil expandir o escopo de uma obra. Mesmo assim, acho que a experiência poderia ser aprofundada com mais alguns poucos locais, desenvolvendo melhor o potencial de interações criativas e divertidas que podemos executar nas asas de moscas efêmeras.

Outro ponto que deixou a desejar foi a falta de músicas. Há uma trilha musical, mas ela é toda diegética e só existe enquanto um gramofone toca um jazz ou sintonizamos o rádio de um carro. A maior parte do tempo é imersa no silêncio sem melodias, apenas efeitos sonoros e o zumbido constante da mosca (felizmente, há opção de volume específico para o zumbido e pude baixá-lo até a metade).

Como gameplay, Time Flies é agradável. É quando une a jogabilidade ao tema que suas muitas camadas surgem.



O tempo voa

O título Time Flies é um trocadilho: em inglês, pode significar tanto “o tempo voa”, em referência à brevidade subjetiva da vida, quanto “moscas do tempo”, algo que pode ser interpretado com mais camadas.

Meu modo de ver é que as moscas são atraídas por coisas mortas, enquanto o tempo é em si mesmo um produtor da morte. As moscas têm vida curta, menos de um mês, mas, umas após a outra, elas sempre estão onde outras vidas mais longas se perderam. O tempo é como uma mosca que sobrevoa a finitude da existência, um lembrete de que tudo tem um prazo.

Posso estar vendo significados demais em Time Flies, mas creio que promover reflexões pessoais a partir de conceitos e imagens é um dos propósitos do jogo, o que despertou em mim afinidade e interesse pela proposta.



Talvez a ideia constante de brevidade pareça pessimista, mas não é isso que Time Flies evoca. Penso na expressão “iazul”, de um conto de Malba Tahan, que quer dizer: “tudo passa”, ou, melhor explicando, “a roda do Destino é incerta; a vida é cheia de mudanças”. Essa palavra tem o poder de lembrar às pessoas que o tempo é inexorável e, fluindo por meio dele, a vida começa e muda inúmeras vezes antes de seu inevitável fim.

A mudança é o símbolo maior do tempo, e o tempo ocupa o mesmo posto em relação à morte, que é a mudança final. Diante dessa verdade — memento mori —, nossa única saída é viver, explorar, experimentar e contemplar como se cada segundo contasse. Na verdade, cada ano, cada dia, cada minuto conta. Não temos um cronômetro na vida real, mas ele existe e não pode ficar parado, sempre escoando por entre os recantos da mente. Precisamos aprender a seguir o fluxo, pois é nele que acontece tudo que nos é possível.



A forma gamificada para isso é a lista de tarefas da mosca: ela tem poucos segundos de vida e muitas atividades diferentes. O objetivo é concretizar todos aqueles planos. O final de tudo ainda será a morte, é claro, que sempre é a tarefa final de cada lista, mas uma morte que dá sentido à curta vida que brilhou em chamas por um momento antes de ser apagada (literalmente, em algumas das mortes possíveis para a mosca).

Assim, a brevidade do game design e da reflexão trabalham juntas para se mostrar uma forma de sentir a vida visceralmente conforme sentimos o tempo a cada passo mais próximo da morte.

Quando digo “cada minuto conta”, não me refiro à visão contemporânea de produtividade e aceleração incessante. Prefiro a visão de Ailton Krenak: “[...] a vida não tem utilidade nenhuma. A vida é tão maravilhosa que a nossa mente tenta dar uma utilidade a ela, mas isso é uma besteira. A vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária.” O que conta é o significado.



As moscas de Time Flies fazem música nas cordas de um violão, veem uma flor brotar de um cadáver, criam arte, fazem pessoas rirem, ajudam semelhantes, brincam com as estrelas, viajam pelo mundo em faz de conta, mergulham na comida, jogam videogame, leem livros e muito mais. Tudo à maneira de moscas metafóricas, é claro — mas essencialmente humanas como todos nós, seres mortais que fluem no tempo.

Onde o referencial humano fica mais claro é no tempo de vida das moscas baseado na expectativa de vida dos diferentes países. Na superfície, inserir mais de cem limites temporais diferentes é uma mecânica completamente desnecessária, pois bastariam algumas poucas variações para resultar em modos de dificuldade mais fáceis ou mais difíceis.

A tabela, portanto, está ali pelo único motivo de estabelecer uma ponte mental direta entre as moscas e as pessoas: se ter dez segundos a menos no jogo faz muita diferença, imagine ter dez anos a menos. É claro que a mosca pode encontrar a morte antes entre os muitos perigos e, assim como algumas pessoas vivem mais, também há uma maneira de esticar os preciosos segundos (não direi qual é), mas a escolha inicial de país evidencia que, nas muitas vivências humanas, cada fração de tempo realmente conta.



Mosca tem vida curta, mas se diverte

Time Flies é um exercício filosófico existencialista e bem-humorado que nos faz voar como moscas tentando aproveitar ao máximo suas vidas curtas. A cada tentativa, temos pouco mais de um minuto para explorar os cenários, descobrir interações e decifrar tarefas simples e criativas, até conseguirmos cumprir todas elas em uma única corrida efêmera contra o relógio. É um jogo que eu gostaria que vivesse por mais tempo, refletindo a agridoce verdade da jornada de cada um: ela pode ser boa, mas também é breve.



Prós

  • As interações inusitadas e engraçadas incentivam a explorar e experimentar ações;
  • A gameplay baseada em tempo e as imagens filosóficas proporcionam reflexões descontraídas sobre assuntos essencialmente humanos.

Contras

  • As músicas diegéticas não são o bastante para preencher o vazio musical;
  • A seleção de capítulos só fica disponível ao final do quarto e último;
  • Mesmo que seja coerente com a reflexão sobre a brevidade e o fim, as duas horas de jogo deixam a sensação de que acaba antes de completar seu potencial.
Time Flies — PC/PS5/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Panic
OpenCritic
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Victor Vitório
Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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