Batman Arkham: o legado da saga

Nas asas da noite, a saga Arkham nos ensinou a voar… e a cair junto com o Batman.

em 09/08/2025
          




Em 2009, Batman: Arkham Asylum aterrissou como um soco seco na indústria, mostrando que a fidelidade a um personagem não estava apenas na aparência ou na voz, mas na sensação de ser ele. A noite começa com a captura do Coringa, escoltado por Batman até as entranhas do Asilo Arkham. Mas desde a primeira caminhada lenta pelos corredores iluminados por luzes frias, há algo errado: o Coringa não resiste, não provoca fuga imediata… ele espera. E nós, mesmo sem querer, esperamos com ele.


Quando as portas se fecham, Arkham se torna uma armadilha viva. Cada ala reflete um fragmento da mente perturbada de seus habitantes, enquanto cada cela carrega uma marca deixada por seus vilões. Um dos maiores charmes da saga Arkham é a atenção aos detalhes que os desenvolvedores tiveram com toda história do homem morcego e aqui é possível observar esse carinho. Arkham Asylum ainda possui um detalhe a mais, muitos jogadores já relataram a sensação de medo durante a gameplay, como se fosse um game de terror. Somos cativados tanto fisicamente quanto psicologicamente.

O sistema de combate Free-Flow, com sua cadência quase coreográfica, redefine o padrão para o gênero, enquanto o modo Predador nos coloca na pele de um Batman estrategista. Oscilamos entre o predador silencioso e o justiceiro direto, escolhendo sempre como abordar cada ameaça.




E há um detalhe que torna a experiência inesquecível: a integração perfeita entre narrativa e gameplay, sem quebras abruptas. O ataque do Espantalho é o exemplo mais marcante - seja ao explorar os traumas de Bruce e distorcer sua percepção da realidade, seja ao simular uma falha no console e reiniciar a cena como se estivéssemos no início do jogo. Mais do que um truque, é um lembrete de que Arkham controla não apenas o herói, mas também o jogador. A perseguição do Crocodilo nos esgotos nos coloca na pele da presa, enquanto os confrontos com Bane nos transformam em lutadores, explorando todo o treinamento de Bruce para se tornar o Batman.

No fim, ao derrotar o Coringa, deformado pela fórmula Titan e ainda assim com um sorriso no rosto, não sentimos apenas alívio, sentimos que algo permanece preso ali dentro, que aquela noite foi apenas um capítulo em uma guerra interminável. E talvez por isso, quando as portas se abrem e a sirene de Gotham volta a soar, já não sejamos mais o mesmo Batman que entrou.




A cidade aberta e o peso do manto

Dois anos depois de nos trancar no claustro sufocante do Asilo, Arkham City abriu seus portões, mas não para nos libertar. Pelo contrário: jogou-nos para dentro de uma prisão a céu aberto no coração de Gotham, um experimento perverso concebido por Hugo Strange. Dentro de seus muros improvisados, criminosos, psicopatas e velhos inimigos vagavam como predadores soltos, e nós, mais uma vez com o Batman, éramos apenas mais uma sombra entre tantas.

A primeira vez que se sobrevoa aquele conjunto de ruas decadentes é quase um choque sensorial. O vento carrega sirenes, gritos e o riso distante do Coringa. Há liberdade, sim, porém, é uma liberdade que cobra seu preço: cada esquina pode ser uma emboscada, cada beco, um túmulo. A cidade não é apenas cenário; ela é personagem.




Mecanicamente, Arkham City refina tudo o que Asylum havia introduzido: o combate Free-Flow agora é mais fluido e responsivo, a movimentação entre os telhados é quase uma dança aérea, e a presença de personagens como a Mulher-Gato oferece novas perspectivas, não apenas de jogabilidade, mas de narrativa. E há também o peso emocional dos encontros: o embate com Mr. Freeze, talvez um dos melhores chefes da história dos games, nos força a repensar cada golpe; o destino de Talia al Ghul nos lembra que até heróis perdem; e o inevitável confronto com o Coringa culmina em um final agridoce.

Quando a última cena mostra Batman carregando o corpo sem vida do seu maior inimigo, enquanto todos acreditam que Bruce quebrou sua maior regra, não há comemoração, apenas silêncio. É nesse silêncio que sentimos o peso do manto. Não é só sobre vencer, é sobre carregar, para sempre, o que se perdeu no processo.



O inverno antes da lenda

Lançado em 2013, Batman: Arkham Origins não veio para avançar a história, e sim para voltar ao seu início, para a noite em que o manto ainda pesava mais do que a reputação. Gotham estava coberta pela neve de um Natal silencioso, contudo, a tranquilidade era uma mentira: Máscara Negra colocou um preço pela cabeça do Batman, atraindo os assassinos mais perigosos do mundo para a cidade. Era uma caçada e o alvo éramos nós.

Este não era o Batman perfeito de Asylum ou City. Era um vigilante jovem, ainda bruto, impetuoso, e às vezes, falho. Sua relação com o Comissário Gordon ainda era marcada pela desconfiança; sua presença nas ruas, mais temor do que mito. E essa inexperiência transparece na narrativa:a preocupação em mostrar um herói invencível é menor, focando mais em construir as fundações de quem ele viria a ser.

Mecanicamente, Origins preserva muito do que a Rocksteady criou, o combate Free-Flow, o modo Predator, a exploração com gadgets. Ao mesmo tempo, adiciona pequenas variações, como as cenas de investigação mais interativas, que colocam o jogador para reconstruir crimes em tempo real. Ainda assim, por ser desenvolvido por outro estúdio (WB Montréal), muitos o sentiram como um “passo lateral”, sólido, porém sem o mesmo peso artístico e coesão dos anteriores. Destaque para a luta contra o Exterminador quando Slade questiona se Bruce é mesmo humano!




Apesar disso, o que Origins tem de mais precioso está nos silêncios. Nos encontros com vilões que ainda não são arqui-inimigos, nas primeiras faíscas de rivalidade com Bane, e, principalmente, na presença inicial, e fugaz, do Coringa, que já demonstra compreender o Batman de forma mais profunda do que qualquer outro. Há algo quase íntimo na forma como eles se reconhecem como opostos e iguais simultaneamente.

No final daquela noite, Gotham não está salva de forma definitiva. Os vilões não estão derrotados para sempre. No entanto, algo muda. Não apenas na cidade, como no próprio Batman: o vigilante solitário começa a entender que, para sustentar o símbolo que está criando, precisará sacrificar mais do que noites, precisará sacrificar a si mesmo. Arkham Origins é o inverno antes da lenda. Frio, silencioso… mas cheio de prenúncios.



O eco da lenda renascida em VR

Arkham Shadow surge como uma mescla de um nova respiração com elementos fantasmagoricamente familiares. Lançado em outubro de 2024, exclusivamente para o Meta Quest 3 e 3S, este capítulo em realidade virtual devolve o manto do morcego ao jogador de uma forma magistral.

Seis meses após os eventos de Arkham Origins, Batman encara o Rei Rato, um líder de culto cuja ameaça se alastra pela cidade em um caos prestes a explodir na noite do 4 de julho. A ação se concentra dentro das muralhas frias de Blackgate, um espaço tão confinado quanto as celas do Asilo Arkham, mas agora nosso voo é em primeira pessoa.

É o confronto entre o que éramos e o que nos tornamos. O combate Free‑Flow retorna, mas agora é seu corpo que golpeia, seu escudo que desvia, sua visão que escaneia, suas mãos que lançam batarangue. A distinção entre público e Batman desaparece entre um golpe e outro, afinal, você não está apertando um botão. Você está sendo o herói.

E o mundo percebeu. A imersão foi celebrada com prêmios importantes: Melhor Jogo VR/AR em The Game Awards 2024 e Immersive Reality Game of the Year no D.I.C.E. 2025. Não é apenas uma produção de realidade virtual: é a prova de que o mito vive, mesmo quando vestimos o capuz com um fone de cabeça.



O último voo sobre Gotham

Em 2015, Batman: Arkham Knight chegou como a promessa de encerramento definitivo. Não apenas da trilogia da Rocksteady, mas de toda a jornada que nos fez vestir o manto ao longo de anos. Gotham, desta vez, estava mais aberta e viva do que nunca, e mais ameaçada. O Espantalho, agora no centro do palco, envenenava a cidade com um terror que ia muito além de sua toxina.

Desde o início, havia um clima de despedida. A cidade, vazia de civis e tomada por criminosos, era uma arena para o último ato de um mito. A introdução do Batmóvel, com seu peso metálico e motor rugindo nas ruas, parecia simbolizar um Batman mais agressivo, mais bélico. Contudo, também dividiu opiniões: para alguns, ele era um prolongamento natural do herói; para outros, um ruído na cadência quase perfeita da série.

E então surgiu o Cavaleiro de Arkham. Uma figura armada, precisa, que conhecia cada movimento e fraqueza do Batman. Seu ódio não era apenas profissional, era pessoal. A revelação de sua identidade não surpreendeu a todos, mas doeu como só as verdades óbvias doem: não era um inimigo qualquer, se tratava de um reflexo distorcido das escolhas que Bruce fez, um eco das vidas que ele não salvou.

O verdadeiro veneno, no entanto, não estava na toxina do Espantalho ou nas balas do Cavaleiro, estava na lenta desconstrução do próprio Batman, o plano final de Jonathan Crane. Ao longo do game, a mente de Bruce é corroída pela presença do Coringa, morto, e ao mesmo tempo mais vivo do que nunca dentro de sua cabeça através do envenenamento causado pelo sangue dele nas veias de Bruce. As alucinações transformam combates, diálogos e até a própria cidade em arenas psicológicas. E é nesse embate interno que o jogo alcança sua força: mais do que derrotar vilões, é sobre impedir que eles definam quem você é.




Quando a identidade de Batman é revelada publicamente e Bruce Wayne desaparece no Protocolo Knightfall, não há vitória clara. A cidade é salva, porém o herói se dissolve na lenda. E nós, jogadores, ficamos diante de um vazio: queríamos o triunfo, mas recebemos um adeus. O último plano não foi derrotar inimigos, mas encerrar uma era.

No silêncio após os créditos, Gotham continua. O manto, talvez, continue também. Mas não há mais como voltar à primeira vez em que vestimos essa capa. Arkham Knight não fecha apenas uma história, ele nos devolve ao mundo sabendo que parte de nós ficou para sempre sobrevoando aquela cidade, naquela última noite.

E foi assim que aconteceu.
Foi assim que o Batman morreu.



Suicide Squad: Kill the Justice League (e o universo Arkham)

Suicide Squad: Kill the Justice League chega como um epílogo audacioso, e conturbado, da saga Arkham criada pela Rocksteady. Cinco anós após os eventos de Arkham Knight, nos vemos transportados para Metropolis, agora sitiada por Brainiac, que tomou o controle da mente dos heróis da Liga da Justiça, incluindo o próprio Batman. Com Amanda Waller orquestrando nos bastidores, somos forçados a vestir o papel de Arlequina, Pistoleiro, Capitão Bumerangue e Tubarão Rei, formando uma versão antagônica do herói, que precisa, paradoxalmente, salvar o mundo.

A proposta é arriscada: um jogo de tiro em terceira pessoa com mundo aberto, combinando narrativa cinematográfica com mecânicas de live service, como progressão via árvore de habilidades, temporadas e modos cooperativos. Em teoria, é a rebeldia reinventando o universo Arkham, na prática, muitos críticos e a própria comunidade, sentiram que a profundidade emocional foi sacrificada por missões repetitivas, estrutura online e uma pulsão pelo “replay loops” que rompeu muito com a familiar qualidade de design da série.

E não foi apenas isso, o título se tornou um símbolo de dissonância entre expectativa e legado. Críticos notaram que, quando o gameplay se aproxima da essência de Arkham, com confrontos diretos e momentos carregados de narrativa, a obra brilha. Mas essas fagulhas são envoltas por um mundo que muitas vezes parece genérico, repleto de tiroteios superficiais e conteúdo programado.




Além disso, o lançamento foi marcado por falhas técnicas, atrasos e frustrações do público; não alcançou as metas de vendas da Warner Bros., gerando perdas financeiras significativas e resultando em cortes na equipe da Rocksteady. Em janeiro de 2025, o suporte oficial ao título foi encerrado, como se Arkham, por mais que tentasse renascer sob novas formas, não conseguisse mais capturar o coração de quem o vestia.

Por fim, a narrativa tenta resgatar um peso emocional, revelando que os heróis mortos eram na verdade clones, libertando os verdadeiros em um final que busca redenção. Contudo, até esse desfecho soa como um eco pálido de algo maior: um esforço de reconciliação com um universo que já parecia partir para longe.

Suicide Squad: Kill the Justice League ambiciona ampliar o palco Arkham, transformando os vilões em protagonistas salvação. Entretanto, ao adotar uma linguagem de live service, perde parte do que tornou Arkham especial: a intimidade, a carga narrativa e o peso existencial. É uma produção que quer quebrar moldes... só que acaba preso em seus próprios quebra-cabeças.



O espelho do herói

Entre VRs e spin-offs, a saga deixou um legado que ainda ecoa. O que a Rocksteady construiu foi mais do que uma série de jogos; foi uma experiência de habitar um mito. E, como todo mito, o Batman do universo Arkham pertence tanto a seus criadores quanto a nós.

Fomos nós que planamos sobre os becos, que interrogamos, que enfrentamos o medo.

Mas também fomos nós que sentimos o peso do fracasso, que carregamos corpos, que guardamos segredos. Vivemos a glória e o silêncio, a vitória e o sacrifício. É por isso que a sensação de ausência é tão forte, porque parte desse Batman ficou conosco, e parte de nós ficou em Gotham.

Revisão: Thomaz Farias
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Vincenzo Augusto Zandoná
Apaixonado por games desde que nasci, gosto de passar horas tagarelando sobre, principalmente Metal Gear! Ah e também faço café...
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