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Análise: Star Ocean: The Second Story R (Multi) é exemplo de como fazer um merecido retorno às estrelas

Um remake pé-no-chão que entende que, para melhorar o que já era bom, é preciso respeito, boa vontade e atenção aos detalhes.


Sendo o remake de um jogo de 25 anos de idade, temos que considerar que Star Ocean: The Second Story R é pensado tanto para os saudosistas que conheceram sua versão original quanto para um novo público que entrará em contato com a obra pela primeira vez.

Já vimos no artigo de prévia uma introdução ao histórico do título, assim como algumas de suas valiosas melhorias de qualidade de vida. Esta análise dará continuidade para atender aos dois lados, apresentando o principal do jogo e das mudanças que a renovação trouxe.



Remake muito merecido

Vamos parar para lembrar alguns dos jogos das antigas que a Square Enix relançou nos últimos anos em forma remasterizada. Vêm à mente Final Fantasy VII, VIII e IX, Valkyrie Profile: Lenneth, Legend of Mana, Tactics Ogre: Reborn, Chrono Cross, SaGa Frontier, Romancing SaGa 2 e 3, entre outros.

Com essa tendência mais discreta, foi uma surpresa vermos um meio-remake, como Crisis Core: Final Fantasy VII — Reunion e remakes inesperados, como em Trials of Mana e Live A Live, jogos dos tempos dos 16 bits. Em 2023, chegou novo espanto: remake de Star Ocean: The Second Story, o jogo mais celebrado em uma franquia que está longe dos carros-chefe de Final Fantasy, Dragon Quest e Kingdom Hearts e cuja tentativa de crescimento acabou mais a atrapalhando do que fortalecendo.

O fato de ser um remake completo, não um simples remaster, é a parte mais inusitada do retorno, considerando como nomes muito maiores não tiveram o mesmo tratamento. Céus, nem o amado Chrono Trigger recebeu sua merecida dose de atenção até hoje e cá estamos em mãos com um remake competente, bonito, honesto, esforçado e melhorado do segundo Star Ocean!




Nota-se claramente nos detalhes a intenção de criar a melhor versão do clássico. As muitas ilustrações de itens e equipamentos foram recriadas, o menu foi recheado de botões de atalho e automatizações importantes, o salvamento automático foi implementado coerentemente e a dublagem japonesa permite escolher entre as vozes da versão do PSP e as vozes refeitas pelos atores originais do PS1 — ah, essa escolha é feita por dublador, podendo misturar o elenco ao gosto do jogador!

Os visuais em geral estão muito bons e a cada nova cidade fiquei admirando a forma como os ambientes foram melhorados. Mesmo que seja tudo tridimensional, a câmera se move por um caminho predeterminado, sendo uma perfeita solução moderna para a um só tempo transmitir sensação de familiaridade com os ângulos dinâmicos da transição entre os cenários pré-renderizados de 25 anos atrás, e também melhorá-los completamente.




Os sprites de personagens continuam sendo pixelizados. A princípio senti estranhamento, mas logo me acostumei e vi que a combinação funciona adequadamente, especialmente pela iluminação que lança sombras e dá sensação de volume, como vemos na imagem acima.

No entanto, não se afastou de mim o pensamento de que seria melhor ter modelos mais detalhados e, no caso dos chefões, maiores, algo na linha do que foi feito em Octopath Traveler. A maioria dos chefões de Star Ocean: The Second Story R não impressiona visualmente e poderia se passar por inimigos comuns de dungeons.

No saldo final, ainda é uma produção de perfil médio, sem os rios de dinheiro que os AAA da companhia recebem, mas só posso imaginar como seria se aqueles outros jogos que listei acima tivessem o mesmo tipo de melhorias cuidadosas que este remake recebeu.



A viagem rápida salvará o mundo

Fora do aspecto visual, a melhoria que mais merece atenção é a viagem rápida. É tão precisa, que podemos escolher até para qual loja de cada cidade queremos ir, assim como os pontos de salvamento das dungeons. É muito, mas muito útil nesse jogo tão marcado por encontros opcionais e missões secundárias que nos levam a retornar aos locais já visitados para conferir se há alguma novidade com a presença de novos personagens no grupo.

Melhor ainda: as Private Actions e interações disponíveis são marcadas no menu de viagem rápida, tirando toda a camada de descobertas às cegas por meio de tentativa e erro, um método que, originalmente, custava muito tempo de vai e vem e desestimulava as incursões paralelas baseadas puramente em palpite.




Agora, está tudo ali, organizado no menu de viagem rápida, que ainda pode ser completamente ignorado pelos que preferem o modo antigo (eu mesmo não prestei atenção na explicação da viagem rápida e só percebi o recurso após algumas horas de jogo…).

A boa e velha jornada épica e muito mais

No geral, a história permaneceu intocada, como podemos ver pelas dublagens antigas que foram reutilizadas aqui. No entanto, outros diálogos foram adicionados apenas em texto, são breves, geralmente pequenos comentários sobre os eventos da história, mas que ajudam a concretizar as personalidades daqueles personagens e firmar suas presenças no mundo e no grupo.



No início de tudo, é preciso escolher entre protagonistas. Temos Claude, filho do casal principal do primeiro Star Ocean. Ele faz parte da tripulação da nave espacial do pai e, durante uma missão, é teleportado por acidente para um planeta desconhecido. Lá ele encontra Rena, uma garota local atacada por um monstro. Ao ser salva pela arma tecnológica do rapaz, ela julga que ele é o Hero of Light que, segundo a lenda, salvará o mundo em tempos de necessidade.

De fato, os tempos são de grave necessidade. Desde que um meteorito caiu, meses atrás, vários terremotos têm acontecido. Os animais selvagens se tornaram agressivos e até se transformam em monstros. Com a desconfiança de que há uma relação de causa e efeito entre esses eventos, a dupla parte para investigar o meteorito, chamado de Sorcery Globe.

Além disso, Rena possui poderes mágicos de cura cuja origem até os feiticeiros e estudiosos de simbologia desconhecem. Assim, ela espera que a viagem possa trazer explicações sobre seu passado nebuloso.


Como em JRPGs clássicos, os heróis passarão por várias cidades e continentes, conhecendo novos companheiros durante a jornada. A campanha tem bastante espaço para histórias secundárias, oferecendo uma construção de mundo que, ainda que simples, é coesa e agradável. Não entrarei em mais detalhes, mas ressalto que há reviravoltas muito relevantes que destacam Star Ocean: The Second Story R de outros enredos do tipo “jornada épica para salvar o mundo”.

Ainda que a trama seja uma só, ela terá o ponto de vista do seu escolhido, o que leva a algumas mudanças menores e valoriza o fator replay do RPG, ainda mais acentuado pela forma dinâmica com que formamos os grupos de personagens. São 13 no total, mas há um máximo de oito por campanha e condições específicas para conhecer alguns deles (pretendo publicar um guia sobre isso na próxima semana).




Todo o elenco de aventureiros se envolve em atividades cotidianas e interage entre si, especialmente por meio do interessante sistema de Private Actions. Quando estiver em uma cidade, basta apertar um botão para o grupo se espalhar pelos cantos, criando oportunidades para diálogos que permitem que nós os conheçamos melhor e que o grau de amizade entre eles aumente.

É esse medidor que vai definir a relação entre os personagens no final do jogo. Ou melhor, aos mais de 80 finais, algo possível graças à grande variedade de combinações de personagens possíveis.

Nem tudo que reluz é estrela

O combate foi melhorado, mas ainda carrega os problemas antigos. Sendo um RPG em que a maior parte da ação ocorre em tempo real, todos agem ao mesmo tempo, gerando uma confusão de luzes e gritos que atrapalham a consciência situacional do que está ocorrendo. A câmera segue o personagem que você controla, então, nem o posicionamento exato dos seus companheiros você mantém com clareza. De repente, um deles cai em batalha e só assim você descobre que um dos inimigos o havia encurralado. É confiar na IA e torcer pelo melhor.



O comportamento dos personagens pode ser ajustado no menu até certo ponto, mas não espere algo muito preciso. No fim das contas, a maior parte da estratégia é investir em números e estatísticas para atacar os inimigos com tudo enquanto Rena mantém a cura acontecendo. Enquanto o caos acontece, você usará itens de recuperação e gerenciará ataques especiais ao invocar personagens que não estão na luta.

Essa novidade se chama Assault Actions e de fato traz vantagens para a forma como tudo acontece no calor do momento. Você pode configurar quatro personagens inativos para os botões direcionais (no canto esquerdo inferior da tela, está vendo?), cada um com um ataque especial ou magia escolhida previamente. Esses recursos são baseados em tempo, então basta esperar os medidores individuais recarregarem para poder utilizá-los novamente.



O principal astro da constelação

Penso que esse formato caiu como uma luva para jogos do gênero vindos dos obscuros anos 90. Não quero dizer copiar o estilo, como aconteceu com Octopath Traveler e sua leva de primos que o seguiram na bela estética HD-2D. O ponto aqui é que Star Ocean: The Second Story R encontrou um eixo de equilíbrio entre se manter próximo do original e receber uma grande camada de modernização sem precisar arrombar os cofres da produtora nem correr o risco de tentar encaixar um bom jogo antigo em uma fôrma nova e não conseguir.

O espetacular remake de Final Fantasy VII é um caso à parte que dificilmente poderia ser seguido naquele nível de produção por qualquer outro JRPG, até outros grandes clássicos contemporâneos. Pouquíssimos jogos têm nome grande o bastante para arriscar investir tanto dinheiro e trabalho em uma recriação plena.

Espero que vejamos mais jogos na linha de remake cuidadoso, atento aos detalhes e renovador como aconteceu com Star Ocean: The Second Story R. Mesmo sem se igualar ao patamar visual dos AAA mais recentes, as escolhas de recriação acertaram em cheio as maneiras de valorizar tudo o que o original já tinha de bom e ajustar os problemas, ainda que não faça milagres com o combate caótico.



Prós

  • A história é envolvente e bem feita, com reviravoltas e muitos detalhes opcionais para enriquecer a trama e o desenvolvimento dos personagens;
  • Com a escolha de acompanhar a história entre dois protagonistas, os diferentes personagens e as dezenas de finais, o jogo é convidativo a ser revisitado no futuro;
  • Gráficos bonitos totalmente refeitos e ainda combinando com a proposta original;
  • Há várias melhorias de qualidade de vida, especialmente o muito generoso sistema de viagem rápida;
  • As novas mecânicas de combate tornam as batalhas mais interessantes e ativas;
  • Opções de dublagens entre uma versão em língua inglesa e duas japonesas.

Contras

  • O combate frenético continua com problemas de balanceamento, gerenciamento e ângulos de visão, dificultando entender o que está acontecendo no campo de batalha como um todo;
  • Partes dos cenários, principalmente as muitas plantas e sombras dinâmicas, têm aparência serrilhada;
  • A simplicidade dos sprites de personagens, em contraste com os cenários tridimensionais mais refinados, pode causar estranhamento e levar um tempo a se acostumar, especialmente nas batalhas, em que os sprites poderiam ser mais detalhados;
  • Sem localização para português brasileiro.
Star Ocean: The Second Story R — PC/PS5/PS4/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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