Lançado originalmente para o PlayStation em junho de 2000 no Japão e em dezembro do mesmo ano no Ocidente, Persona 2: Eternal Punishment é a segunda metade da duologia que compõe o segundo título da série derivada de Shin Megami Tensei, criada pela Atlus.
Apesar de ser tecnicamente uma continuação direta de Persona 2: Innocent Sin, Eternal Punishment foi o único dos dois jogos a receber lançamento internacional na época, o que fez dele, por muitos anos, o primeiro contato do público ocidental com essa ótima narrativa dividida em dois atos.
O misterioso Joker e os boatos que moldam a realidade
A história de Persona 2: Eternal Punishment se passa pouco tempo após os eventos de Innocent Sin, em uma espécie de linha do tempo alternativa. Desta vez, acompanhamos Maya Amano, uma jornalista da revista Coolest, que inicia uma investigação para escrever uma matéria sobre um fenômeno misterioso envolvendo uma figura conhecida como Joker.
De acordo com os boatos que circulam na cidade de Sumaru, onde o jogo se passa, qualquer pessoa que ligue para o seu próprio número de telefone após a meia-noite e deseje a morte de alguém será atendida por essa entidade sombria.
Nesse contexto, a apuração inicial acaba levando Maya a uma escola de prestígio onde, ao lado da amiga Ulala Serizawa e do detetive Katsuya Suou, ela é atacada pelo próprio Joker. Durante o confronto, o trio desperta a habilidade de invocar Personas, que, grosso modo, são manifestações que refletem as profundezas da psique de cada indivíduo.
A partir desse ponto, a procura pelo Joker e o enredo como um todo assumem proporções cada vez maiores, englobando entidades sobrenaturais e uma ameaça latente que parece estar diretamente conectada ao passado — não apenas da cidade de Sumaru, mas também dos próprios protagonistas.
É importante destacar que uma das ideias mais fascinantes de Eternal Punishment é o papel central dos boatos. No universo do jogo, quando um número suficiente de pessoas acredita em um rumor, ele pode acabar se tornando realidade.
Esse conceito não apenas adiciona uma camada crítica sobre o poder das narrativas coletivas, como também impacta diretamente a jogabilidade. Isso porque o jogador é capaz de interagir com agências de notícias para escolher quais boatos serão espalhados pela cidade, o que pode levar ao desbloqueio de eventos, à alteração do comportamento de personagens secundários e até à modificação da disponibilidade de lojas e equipamentos.
Um Persona singular e maduro
Um dos aspectos que tornam Eternal Punishment especialmente único dentro da franquia é o fato de seu elenco principal ser composto principalmente por personagens adultos, com vidas profissionais, cicatrizes emocionais e dilemas bem diferentes dos enfrentados pelos tradicionais protagonistas colegiais da série.
Aqui, Maya, Ulala, Katsuya, Baofu e os demais indivíduos não estão mais lidando com descobertas juvenis, pois eles já passaram por essas fases e agora enfrentam frustrações de carreira, desilusões amorosas, ressentimentos familiares e traumas mal resolvidos.
Outro ponto que merece elogios é que, apesar de não contar com os Social Links — mecânica de construção de laços interpessoais que se tornaria marca registrada da série a partir de Persona 3 —, os vínculos entre os personagens são desenvolvidos de forma palpável, orgânica e constante.
Neste jogo, as relações emergem por meio de diálogos bem escritos, eventos opcionais e cenas da campanha principal que revelam camadas profundas das personalidades e conflitos dos personagens. Sem barras de afinidade ou sistemas visíveis, o título aposta na sutileza da narrativa para fazer o jogador se importar com o grupo — e, na maior parte do tempo, consegue.
Exploração simples, mas funcional
No que diz respeito à estrutura de exploração, Persona 2: Eternal Punishment (assim como seu irmão mais velho, Innocent Sin) representa uma mudança significativa em relação ao primeiro título da série. A navegação em primeira pessoa foi completamente substituída por uma perspectiva isométrica, que combina personagens em sprites 2D com ambientes tridimensionais.
A progressão aqui se dá por meio de uma representação exterior e aérea do mapa da cidade de Sumaru, onde novos locais são desbloqueados conforme a história avança. Nesse sentido, a variedade de ambientes internos é significativa, incluindo escolas, edifícios corporativos, hospitais e outros pontos urbanos, todos com identidade visual e atmosfera distinta.
No entanto, apesar da boa ambientação visual, a exploração das masmorras em Persona 2: Eternal Punishment acaba sendo bastante convencional e, por vezes, repetitiva. Aqui, quase todas as áreas seguem um padrão semelhante: longos corredores, encontros aleatórios, baús com recompensas modestas e um chefe ao final. Sendo assim, a falta de desafios mais complexos ou variações no design acaba gerando uma certa monotonia ao longo da aventura.
Ainda assim, Eternal Punishment consegue, em momentos bem pontuais, quebrar a repetição ao introduzir variações interessantes. Um exemplo marcante é uma sequência em que o grupo precisa resgatar crianças presas em um prédio em chamas, uma situação que impõe senso de urgência e altera com competência o ritmo habitual da exploração.
No geral, mesmo com suas limitações técnicas e um estilo clássico ainda em processo de refinamento, a navegação em Persona 2: Eternal Punishment cumpre bem seu papel. Neste jogo, os momentos de exploração funcionam como uma base sólida que nos transporta aos verdadeiros destaques da experiência: os personagens cativantes, a narrativa envolvente e o sistema de combate agradável.
Sistema de batalha divertido e consideráveis nuances de negociação
O sistema de combate de Persona 2: Eternal Punishment segue o modelo tradicional por turnos. Durante as batalhas, os personagens podem executar ataques físicos, utilizar itens de regeneração, lançar magias ao canalizar o poder de suas Personas ou interagir com os inimigos por meio de um sistema de negociação — uma mecânica herdada diretamente da série-mãe Shin Megami Tensei.
Cada personagem possui uma Persona ativa, que lhe concede habilidades, resistências e fraquezas específicas. Como não poderia ser diferente, o uso dessas maestrias consome uma barra que funciona como o tradicional MP e é essencial para explorar as fraquezas dos inimigos. Ao contrário dos títulos modernos da franquia, Eternal Punishment não utiliza um sistema de turnos extras, o que resulta em um ritmo de combate mais contido, embora ainda exija um bom nível de estratégia e planejamento por parte do jogador.
Vale destacar que novas Personas podem ser obtidas por meio de invocações na Velvet Room, utilizando cartas de tarô adquiridas em negociações com demônios. O jogo conta com mais de uma centena de criaturas, cada uma com seus próprios atributos e características.
Como mencionado, durante os combates, o jogador pode optar por conversar com os inimigos em vez de enfrentá-los diretamente. Nesse sentido, cada membro do grupo possui um estilo único de abordagem — como intimidação, charme, sarcasmo ou empatia — que influencia a reação dos oponentes. Para exemplificar, Maya recorre ao seu lado jornalístico para realizar verdadeiras entrevistas com os demônios.
Além disso, o jogador pode escolher até três personagens para realizar a interação, com a combinação selecionada afetando diretamente as opções de diálogo disponíveis. Certas alternativas só surgem com duplas ou trios específicos, o que incentiva a experimentação para descobrir a melhor forma de convencer ou manipular cada tipo de monstro.
Quando a negociação é bem-sucedida, os demônios podem recompensar o grupo com cartas de tarô, itens, dinheiro ou até formar pactos, o que garante vantagens em encontros futuros, como a facilitação de fuga ou a concessão de bônus especiais. Vale mencionar ainda que determinadas abordagens e combinações de personagens provocam reações emocionais nos demônios que influenciam diretamente o desfecho da interação, como medo, raiva ou alegria.
A versão de PSP e o curioso caso da localização dividida
Como mencionamos, Persona 2 foi originalmente dividido em dois jogos no PlayStation: Innocent Sin (1999), lançado apenas no Japão, e Eternal Punishment (2000), que chegou ao Ocidente. Por conta disso, durante anos os jogadores fora do Japão tiveram acesso apenas à segunda metade da história, o que dificultava a compreensão total da narrativa, já que os enredos são fortemente interligados.
Esse cenário começou a mudar em 2011, com o lançamento de uma versão atualizada de Innocent Sin para PSP, que enfim recebeu uma localização oficial em inglês. No entanto, a esperança de ter a duologia completa no portátil foi frustrada no ano seguinte, pois, embora Eternal Punishment também tenha sido relançado no PSP em 2012, essa versão permaneceu exclusiva do Japão.
A decisão da Atlus de não traduzir Eternal Punishment para o inglês no PSP criou um impasse curioso: para vivenciar os dois capítulos com tradução oficial, o jogador ocidental precisa recorrer à versão original de um dos jogos e ao remake do outro, resultando em uma experiência fragmentada que, para os mais exigentes, pode comprometer a consistência entre os aspectos visuais, mecânicos e narrativos das obras.
Para finalizar, vale destacar que o relançamento de Eternal Punishment trouxe algumas adições interessantes, como a opção de ajustar a velocidade das batalhas, um novo cenário narrativo e um reequilíbrio no nível de dificuldade — algo que pode ser visto de forma negativa por jogadores que apreciavam o desafio mais elevado do título original.
Um capítulo ousado e marcante
Persona 2: Eternal Punishment é uma das experiências mais ousadas e singulares da série. Mesmo com algumas limitações e sem o dinamismo das batalhas dos títulos mais recentes, o jogo apresenta um sistema de combate e de negociação envolvente, uma narrativa corajosa, um elenco adulto marcante e temas psicológicos e sociais que permanecem incrivelmente relevantes até hoje.
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut















