Cyberpunk 2077 pode ter muitos defeitos e não ter alcançado o hype de todos, mas acompanhar a jornada de V é um de seus pontos altos. Como protagonista, grande parte de sua história vem das decisões dos jogadores, desde sua origem até seu desfecho. Entretanto, V ainda é essencialmente uma mercenária movida por grande ambição e por um desafio quase permanente contra a morte. Aqui, pretendo analisar seus aspectos mais íntimos e mostrar como V conquistou seu legado.
Possíveis spoilers à frente.
Quem é “V”
V é mais do que apenas a protagonista de Cyberpunk 2077: ela é um reflexo do jogador. A personagem pode ser moldada em aparência, voz, gênero e até mesmo em suas atitudes. Em Night City, onde identidade é fluida e reputação é tudo, V se apresenta como uma tela em branco prestes a ser pintada com escolhas difíceis, alianças perigosas e ambições que beiram o impossível.
Sua história começa de três maneiras diferentes, dependendo da origem escolhida pelo jogador: nômade, corporativa ou marginal. Cada caminho oferece uma perspectiva única do mundo e da própria V. Como nômade, ela vem dos desertos em torno da cidade, buscando um novo começo. No caminho corporativo, ela já está imersa no mundo podre das megacorporações, jogando o jogo sujo do poder. Já como marginal, V cresceu nas ruas, entre gangues e sobrevivência diária, conhecendo Night City desde suas fundações mais decadentes.
Independente da origem, todos os caminhos acabam se cruzando em um momento crucial: o encontro com Jackie Welles. Jackie não é apenas um parceiro de crime, mas o primeiro elo emocional real de V no jogo. Juntos, eles começam a subir os degraus do submundo de Night City, aceitando contratos arriscados e sonhando alto — porque, naquela cidade, ou você vira lenda, ou morre tentando.
É nesse ponto que V começa a se consolidar como uma mercenária. Com um pé no mundo dos cyberimplantes e outro na ruína constante da cidade, ela passa a construir sua reputação. Cada missão aceita, cada decisão tomada, cada relação construída — tudo contribui para o que V se tornará. E é aqui que começa sua verdadeira jornada rumo ao topo ou ao abismo.
Jornada pela salvação
A vida de V dá uma guinada irreversível quando um plano ousado vai por água abaixo e um biochip experimental é fixo à força em sua cabeça por um tiro. Dentro dele está a consciência digital de Johnny Silverhand — lenda do rock, terror das corporações e um homem morto há décadas. A partir daí, V deixa de lutar apenas por dinheiro ou fama. Ela agora corre contra o tempo para salvar o que resta de si mesma.
O problema é que Johnny não é só uma voz incômoda em sua mente. Ele está lentamente tomando o controle do seu corpo, e a cada dia que passa, V sente mais sua presença. O conflito entre os dois começa com desconfiança e hostilidade: V não quer perder a própria identidade, e Johnny não se importa em tomar o lugar dela. É um embate de vontades, mas também de visões de mundo. Ele quer derrubar o sistema e ela só quer sobreviver.
Mas Cyberpunk 2077 não se resume à ação ou aos implantes brilhantes. É sobre conexões. E, com o tempo, essa relação forçada entre V e Johnny pode mudar. Eles começam a se entender, a se abrir. O antigo rockeiro revela suas falhas, seus traumas, sua raiva mal curada. A mercenária, por sua vez, aprende a ver além do ícone rebelde e enxerga o ser humano que restou por trás da lenda. Em algumas rotas, eles viram aliados. Em outras, quase amigos.
O final dessa jornada não é fixo — e é aí que está a força da narrativa. V pode encontrar diversos desfechos, desde buscar uma cura definitiva, aceitar o destino, até ceder o corpo a Johnny ou simplesmente desaparecer. Não há vitória fácil, nem solução perfeita. O que existe é uma história marcada pela urgência, pela humanidade e por uma conexão improvável que se torna, talvez, a mais real que V já teve.
Lutando contra Night City
Sobreviver em Night City não é para qualquer um — e V aprende isso rápido. A cidade é uma selva de neon onde cada esquina esconde um perigo e a única forma de sobreviver é evoluir. V não é só mais uma mercenária armada: ela é uma força moldável, capaz de enfrentar seus inimigos de inúmeras formas. Do combate corpo a corpo até a guerra digital, V se adapta e, muitas vezes, domina.
O sistema de movimentação e combate de Cyberpunk 2077 oferece liberdade brutal. V pode invadir um esconderijo pelas sombras com precisão cirúrgica ou invadir de peito aberto com tiros, granadas e braços reforçados. A cidade não dita as regras — o jogador sim. Hackear câmeras, causar curto-circuito em cérebros ou transformar equipamentos em armadilhas mortais é apenas o começo para quem escolhe o caminho do Netrunner.
Evoluir significa mais do que subir de nível. Cada escolha em perks, árvores de habilidade e implantes molda um estilo único. Quer ser um ninja invisível? Vira. Um tanque que se regenera no meio do tiroteio? Também é possível. O arsenal de armas — de pistolas inteligentes a katanas flamejantes — e os upgrades cibernéticos, os famosos cromos, tornam V uma mistura letal de carne, aço e dados.
Mas lutar contra Night City não é só enfrentar gangues, mechas e seguranças corporativos. É resistir ao caos da cidade, à corrupção das megacorporações e ao desespero que consome os fracos. Cada missão, cada invasão e cada combate é uma batalha para manter-se vivo — ou, mais do que isso, relevante. Em Night City, o combate é mais do que ação: é a linguagem da sobrevivência.
V é uma lenda?
No fim das contas, a grande pergunta é: V se tornou uma lenda? A resposta depende das escolhas feitas ao longo do caminho — e, mais do que isso, das conexões que ela construiu em Night City. V pode ser lembrada como uma mercenária impiedosa, como uma amiga leal ou como alguém que tentou fazer a coisa certa num mundo sem redenção. Pode amar, trair, perder. Judy, Panam, Kerry ou River podem marcar sua história com amor verdadeiro ou despedidas amargas.
Ao lado de aliados como Jackie, Panam, Takemura ou até mesmo Johnny, V encontra momentos de humanidade que contrastam com a brutalidade da cidade. Da mesma forma, enfrenta inimigos que personificam o pior do mundo corporativo — Arasaka, Adam Smasher, ou mesmo figuras menores que tentam esmagá-la pelo caminho. Cada um deles testa não só sua força, mas também quem V escolhe ser.
Os finais de Cyberpunk 2077 não oferecem respostas fáceis. Em alguns, V vive — mas carrega as marcas profundas do que teve que deixar para trás. Em outros, desaparece, deixa saudade, ou abre mão de si por alguém que talvez entenda melhor o que é ser lenda. Há também o caminho onde Johnny segue em seu lugar, e V se torna apenas uma memória, viva ou morta, dentro da cabeça de outra pessoa. Todos eles, no entanto, carregam um sentimento em comum: sacrifício.
Então sim — V pode se tornar uma lenda. Mas em Night City, ser lenda não significa glória eterna ou um final feliz. Significa ter vivido o suficiente para deixar uma marca. Seja como for, entre chips, balas, amores e perdas, V conquista algo que poucos conseguem: ser lembrada.
Revisão: Johnnie Brian


