Eu já havia ouvido falar de Somber Echoes porque foi lançado para PC em janeiro de 2025, mas os comentários não costumavam ser lisonjeiros, taxando-o de mediano. Mesmo assim, fiquei interessado quando foi anunciada a chegada ao PS5 e Xbox Series em julho e quis tirar a prova do que era dito. Foi uma escolha feliz, pois gostei tanto do jogo que fiz questão de obter o troféu de platina. Para mim, está acima da média dos pares do mesmo estilo, um resultado de atualizações que melhoraram precisão e qualidade de vida desde o lançamento anterior.
Todos os caminhos levam a Roma — até mesmo no espaço
A ambientação se baseia diretamente no imaginário greco-romano antigo. Não é o primeiro metroidvania que experimento com essa premissa, pois, dez anos atrás, Apotheon já representou um mundo mitológico com visual de pintura de vaso grego. Somber Echoes vai por outro caminho e mistura tudo com ficção científica: a história se passa dentro de uma colossal nave espacial chamada Atromitos (curiosidade: imaginei que essa palavra tinha origem mitológica, mas minha breve pesquisa só encontrou duas referências: significa “destemida” e é o nome de um time de futebol da Grécia).
É para lá que segue a protagonista Adrestia, uma guerreira enviada para lidar com sua irmã gêmea, Harmonia, líder e Pythia (sumo-sacerdotisa) da Atromitos. A soberana foi acusada de ter se voltado contra os deuses Aether e Nyx, propagando blasfêmias em seu governo tirano, levando a nave-cidade à beira da guerra civil.
Ainda na cena de abertura, vemos Adrestia entrar nos aposentos de Harmonia e, após um tempo, ser arremessada porta afora de uma grande altura, morrendo ao atingir o chão. Seu espírito, porém, segue uma voz pelo mundo inferior até regressar ao corpo. Desperta, mas sem lembrar do que aconteceu no encontro com sua gêmea, ela vê que a nave está em caos, destruída e assolada por monstros e fanáticos no tempo em que esteve morta. Manifestando-se diante dela, Aether lhe dá a missão de reunir forças e impedir os planos de Harmonia, uma jornada que passará por todos os setores da Atromitos.
Sendo uma nave espacial que funciona como uma cidade, tem de tudo por lá, incluindo terrenos naturais de pedra, jardins suspensos, grandes prédios residenciais, instalações científicas, edifícios religiosos e até uma linha de metrô. Cada cantinho é pontuado por colunas de pedra e esculturas em estilo clássico, lado a lado com luzes tecnológicas, estruturas futuristas, mecanismos industriais e aparelhagem eletrônica.
Às vezes, a sensação é de que Somber Echoes apenas justapõe esses elementos de origens tão distintas em uma montagem que não visa criar uma síntese particular. Em vez de apresentar um estilo novo, a novidade cabe à mistura em si. Na maior parte do tempo, a ideia funciona bem, com as duas partes trabalhando em conjunto e sem uma fazer com que a outra pareça muito fora de lugar.
A grande beleza de cada pedacinho da Atromitos ajuda muito a atingir esse resultado. Devo admitir que eu não esperava que o visual 2.5D fosse tão eficiente e até digno de ser colocado entre os melhores dos metroidvanias desse tipo. Além do requinte das esculturas, tecidos, reflexos e cores dos cenários apresentados em contraste com um primeiro plano preto, a iluminação desempenha um papel fundamental para enriquecer a profundidade e o nível de detalhe cenográfico.
A protagonista carrega uma lanterna que ilumina o que está diante dela e, como consequência, lança feixes de sombra por toda parte, com um efeito imersivo que não pude deixar de apreciar continuamente ao longo de toda a campanha. O motor gráfico Unreal Engine 5 se mostra instável em vários outros jogos, mas, em Somber Echoes, seu uso foi vantajoso para criar belos efeitos e, em um mundo explorado em duas dimensões, manter boa performance técnica.
Os modelos de personagens não alcançam os mesmos elogios, mas eles aparecem pouco nas breves cenas da história e não atrapalham a apreciação desse admirável trabalho estético.
Me poupe
A princípio, a história pareceu aproveitar pouco de sua fonte mítica, mas, principalmente ao me aproximar do final, entendi melhor a validade da sutileza que foi empregada nesse aspecto do conto e fiquei satisfeito de uma forma geral.
É bom ressaltar que Somber Echoes tem entre seus idiomas o português lusitano. Todas as falas vêm da narradora (dublada em inglês), explicando os eventos e relatando os diálogos com NPCs em discurso indireto. Terceirizando as falas dessa maneira, a história perde parte do potencial dramático de seus personagens, preferindo investir tudo em uma única voz de linguagem mais literária.
Um detalhe da tradução me fez decidir jogar tudo em inglês: a palavra “saving”, que aparece com frequência no canto esquerdo da tela a cada vez que o jogo salva o progresso, foi traduzida como “poupança”. Em Portugal eles dizem “guardar”, o que deixa evidente como o “poupança” é um erro que em nada combina com o clima do jogo e incita uma distração constante que preferi evitar.
Você gosta de investigar mapas?
Além da beleza visual, outro ponto que me agradou muito em Somber Echoes foi a exploração do mundo interconectado. As várias áreas da Atromitos são bem construídas e evitam a linearidade com alternativas para explorar, de forma que nunca ficamos presos a um único caminho.
O jogo não aponta os objetivos diretamente, deixando para o jogador a responsabilidade de descobrir para onde pode ir a cada novo passo da história e habilidade adquirida. Também não nos deixa de mãos abanando, fornecendo no mapa uma ferramenta crucial para navegar pela grande nave e vasculhar seus segredos e um sistema de viagem rápida entre todos os pontos de salvamento.
O sistema de mapeamento é detalhado, com portas trancadas, locais de usar habilidades e perigos ambientais preenchidos automaticamente à medida que Adrestia percorre o mundo. Cada área é subdividida em regiões menores com nomes próprios, o que facilita bastante a localização espacial.
Isso torna o progresso da aventura muito ligado ao mapa e até quase dependente dele. Constantemente, vi-me tendo que investigar o mapa, aumentar o zoom e procurar indicadores de pontos que eu já poderia alcançar, sem saber se encontraria o caminho correto ou uma recompensa opcional.
Essa abordagem de exploração centrada na cartografia é intencional e há até um mini-mapa no canto da tela o tempo inteiro para nos guiar pelos arredores. Um ponto disso é ambivalente: diferentemente de jogos que só revelam as salas e corredores já passadas, o mapa é preenchido com uma área circular ao redor de Adrestia, mostrando novos locais acima e abaixo dela.
Por um lado, isso incentiva a tentar alcançar esses lugares próximos, mas, por outro, não há distinção visual no mapa entre os locais revelados e já visitados e os revelados por tabela, mas ainda não visitados. Ou seja: na hora de estudar o mapa à procura de pontos não explorados, esse esquema pode dificultar nossa percepção de tais localidades de interesse e nos fazer achar que já passamos por lá, exigindo atenção mais minuciosa.
Para ajudar a evitar o problema, podemos usar marcadores personalizados, mas aqui temos uma escolha incompreensível: eles são apenas quatro, um número muito baixo para desbravar uma nave do tamanho da Atromitos.
Aqui, Somber Echoes tem um recurso interessante e, para mim, inédito: podemos adicionar “apelidos” a cada marcador e a cada sala do mapa, escrevendo-os com o teclado do sistema. Sinceramente, o mapa já é tão detalhado que eu não precisei desse sistema, mas seria vantajoso que mais jogos permitissem esse tipo de customização para seus marcadores de mapa.
Para completar o conjunto da ótima exploração, quero ressaltar uma habilidade adquirida logo no início: Adrestia pode usar sua lanterna mágica para se tornar uma bola de luz no ar e se lançar em qualquer direção. Na prática, a lanterna substitui com eficiência algumas das habilidades mais comuns em metroidvanias, como o pulo duplo e o dash. Certamente, é uma decisão de design que destaca Somber Echoes positivamente, dando-lhe fluidez à movimentação e fazendo dele um jogo prazeroso de controlar desde seu começo.
As armas da legionária
Adrestia, a Imparável, é uma guerreira versátil e faz uso de um leque de armas. A construção de personagem, porém, é fixa, sem qualquer customização para modificar o estilo de luta. As principais habilidades e melhorias são encontradas no decorrer da história principal, o que significa que a desenvolvedora teve maior controle para dosar a evolução da protagonista e do desafio proposto e, por consequência, diminuiu a agência da pessoa que joga.
Ainda que seja pré-determinado, o pacote combativo é bom de usar, contando com espada simples, lança arremessável que fragiliza o alvo, ataque carregado de machado, aparada de escudo e até um arco que causa paralisia ao inimigo ao custo de consumir um pouco da vida da heroína. Adicione a movimentação de se lançar ao ar, de que já falei antes, a aparada com uma janela de acerto generosa e a capacidade de refletir projéteis com um golpe e podemos dizer que o combate em si é dinâmico o bastante, rendendo bons momentos.
Dito isso, o conjunto do combate como um todo cai em um paradoxo de ser ao mesmo tempo um grande foco do jogo, uma vez que praticamente todas as melhorias são voltadas para ele, e, apesar disso, parecer ter importância secundária.
Uma forma de resumir é que as habilidades de luta de Adrestia são mal aproveitadas devido aos poucos inimigos comuns que são realmente interessantes de enfrentar (embora tenha uns irritantemente perigosos) e vários morrem com apenas um arremesso de lança. Após a metade da campanha, parei de querer enfrentar as criaturas para me concentrar em apenas continuar a exploração, que foi minha parte favorita.
Para evitar dizer o número exato de chefes, indico que são menos de dez, o que considero abaixo do ideal para as proporções da campanha — o jogo contou 12 horas até eu completar os quatro finais e obter o troféu de platina, mas o PS5 registrou 14 horas.
Mesmo esses poucos chefes têm altos e baixos, com alguns deles desajeitados, mas contando com outros que garantem bons desafios e me divertiram bem. Até soa como contradição com o fato de Somber Echoes oferecer um modo extra para enfrentarmos os chefes em diferentes dificuldades. É visível como a Rock Pocket Games os valorizou de um lado, mas não evito pensar em como poderia ter desenvolvido melhor o potencial do elenco de monstruosidades, especialmente quando consideramos a inspiração centrada em uma mitologia tão rica delas.
Nova Roma de bravos guerreiros, do passado ao futuro
Somber Echoes me surpreendeu positivamente com seu visual muito caprichado, a exploração recompensadora alinhada com seu sistema de mapeamento detalhado e a movimentação enriquecida pela habilidade de se lançar ao ar em qualquer direção, adquirida logo no início. O combate poderia ser melhor implementado, especialmente se houvesse mais inimigos interessantes e mais lutas contra chefes monstruosos, então quem foca nesse aspecto dos jogos de ação de rolagem lateral tenderá a ter menos satisfação do que aqueles mais interessados em vasculhar um mundo belo e muito bem estruturado.
Prós
- Belíssimos visuais 2.5D com grande profundidade e bons efeitos de luz e sombra;
- A ambientação em uma nave espacial com estética de inspiração romana antiga é detalhada e se distingue de outros jogos do tipo;
- O poder de se lançar no ar em qualquer direção faz a movimentação ser dinâmica e prazerosa desde o início;
- O mapeamento detalhado e funcional incentiva a exploração minuciosa;
- Os modos extras desbloqueados no menu inicial têm segmentos de fuga e desafios de chefes.
Contras
- Construção de personagem linear, sem customização para o combate;
- Inimigos comuns pouco interessantes e baixo número de chefes para enfrentar;
- O mapa pode ser confuso em relação a distinguir com precisão entre locais já visitados e outros que foram revelados, mas não visitados.
Somber Echoes — PC/PS5/XSX — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bonus Stage Publishing


















