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Apotheon (Multi) é uma surpreendente aventura pela mitologia grega

Com uma bela estética inspirada nos vasos gregos da antiguidade, Apotheon é um competente e divertido passeio pela mitologia grega.

Existe um momento em Apotheon no qual o jogador tem que conseguir o poder de Afrodite. Na maioria dos jogos, as mecânicas utilizadas para vencer chefes são coisas do tipo tiro, porrada e bomba. No caso da personagem em questão, alguns títulos podem achar que estão sendo geniais ao pensar que a melhor maneira de vencê-la é ser o “maior parceiro sexual” que a deusa do amor e da fertilidade já teve em sua existência. Aqui, a maneira de superar o desafio é quebrar tudo no quarto dela, fazendo-a ordernar que Eros, o cúpido, te ponha em seu lugar. Se ele te acertar, acaba a briga. Você pode se defender com o escudo, mas não consegue atacar o pequenino arqueiro. Afrodite, por sua vez, fica correndo para lá e para cá desesperada, afinal ela não é uma deusa guerreira. O jogador, então, tem de guiar Eros de forma que ele a acerte. E quando isso acontece por três vezes, a própria deusa começa a criar sentimentos positivos pelo guerreiro e o ajuda. É inteligente do ponto de vista da jogabilidade, é esperto do ponto de vista da narrativa e consegue confluir os dois de uma maneira que não é forçada, mas sim interessante. Se eu tivesse que exemplificar o jogo inteiro a partir de um pedaço, eu diria que Apotheon é isso aí que eu escrevi acima.


Mas ele é um game com um baita visual lindo também. A estética do jogo foi tirada dos vasos gregos da antiguidade. O que além de dar um aspecto agradável aos cenários e personagens, dá uma boa desculpa para que o jogo seja em 2D. Para que vocês possam ter uma ideia mais clara, esses são vasos da coleção do Louvre:


E essa aqui é uma imagem do jogo:

Game of Gods

E ele também tem uma história interessante, baseada na mitologia grega. O personagem principal, Nikandreos, acorda em Dion, sua vila natal, e a vê destruída e em meio a uma batalha. Acontece que os deuses resolveram parar de ajudar os humanos, não mais compartilhando seus dons com eles. Isso quer dizer que sem o poder de Deméter, deusa da terra cultivada e da distribuição, os campos e plantações não dão mais comida. Sem o aval de Artemis, os humanos não têm mais sorte na caça. Sem o dom de Apolo, a luz não mais chega aos homens. E por aí vai.
Colheita mesmo só no Olimpo. O mundo dos humanos já não tem comida.
Se aproveitando do caos, um pessoal invade a vila. Nikandreos expulsa os vacilões e vai ao templo. Lá Hera, mulher de Zeus e deusa do matrimônio, pede ajuda ao guerreiro e o ascende ao monte Olimpo para resolver o problema e trazer os dons divinos novamente ao ceio da humanidade (bom, acho que dá para imaginar que essa não é exatamente a verdadeira motivação dela). Ao longo da jornada você vai encontrar vários deuses e uns tantos outros personagens mitológicos. O monte Olimpo tem uma política tão complicada como a de King’s Landing e esses deuses aí ficam maquinando a cada segundo como ferrar um com o outro, com algum semi-deus, criatura ou humano. É o que eles têm para fazer pela eternidade. Isso quer dizer que o jogador irá se aliar com algum deles, vencer e enganar outros, e até mesmo varrer o chão com a divina face de tantos outros quando for o caso. Até porque o campeão de Hera irá batalhar, e muito.

A jornada do campeão

Os desafios da vila de Dion funcionam como um tutorial do jogo. O personagem já é capaz de realizar todos os movimentos que precisará pela jornada inteira, e a fase vai te guiando nesse aprendizado. Não é algo muito orgânico nem sutil, os comandos aparecem como pinturas piscantes nas paredes. E as armas, que possuem nomes gregos, se comportam de uma maneira mais realista. Você pode atacar em estocada, ou mesmo trazendo a mão de cima à baixo e vice-versa. Também tem armas de longa (arcos, lança-pedras, etc) e média distância (lanças), e cada uma tem alcance, trajetória e movimentação diferentes. Tem o escudo, que é importante para se defender, e um monte de item que você vai descobrindo ao longo do jogo e que pode criar no inventário depois de comprar a receita. E todo equipamento que você troca gera uma mudança no visual do personagem. Esse esquema de armaduras e armas é interessante e casa bem com o jogo. Poderia ter mais variedade, no entanto. Não que tenham poucas opções, até que tem um bom punhado, mas o jogo se favoreceria de mais equipamentos.

Ele se favoreceria, sobretudo, de um esquema melhor de inventário. Não é nenhuma desgraça que arruína a experiência, até porque consegue ser rápido às vezes. Mas quando você está com vários equipamentos, circular entre eles no calor da batalha pode frustrar. A escolha deles se dá pelo menu ou pelos atalhos dos botões direcionais. Não é confuso, mas é pouco efetivo. Se pudéssemos organizar a ordem dos itens no menu o problema estaria resolvido em grande medida. No geral, os controles não são aquela maravilha, o que pode gerar alguns problemas. Mas, dá para pegar as nuances rapidinho, até porque você ira utilizar as mesmas mecânicas do começo ao fim do jogo.


Para ser um pouco mais justo e informativo, existe um dos poderes que você recebe dos deuses que altera a movimentação do personagem (os outros são melhorias passivas). É um poder que o jogador terá acesso na segunda parte do jogo, mais próximo ao final: a possibilidade de rolar no ar. Isso aumenta a distância tanto horizontal quanto vertical que você pode cobrir. A parte triste disso é que não existem desafios extras ao longo dos cenários pensados para esse novo movimento. A exploração é mais pautada pela aquisição de novos itens (chaves, listas de monstros e assassinos para vencer, etc) do que pela possibilidade de acessar segredos a partir de novas movimentações.

Os inúmeros trabalhos de Nikandreos

Falando em explorar, a experiência de vasculhar as áreas, ir atrás dos baús, procurar armas e segredos, é recompensadora em Apotheon. Não é nada que você precise fazer, mas acaba sendo legal fazê-lo. Cada lugar esconde portas secretas, paredes quebráveis e personagens para interagir. Tudo com aquele belo visual que recria diferentes estilos de cenários.
São vários cenários. Aqui temos o domínio de Poseidon.
Quer se banhar em sangue nos corredores do domínio de Ares, o deus da guerra, e partir para a briga ampla, geral e irrestrita? Fique à vontade. Cada localidade tem estilos e desafios diferentes. No submundo de Hades, por exemplo, é preciso atravessar os cinco rios para encontrar o deus da morte. Não apenas a área central é distinta dos outros locais do jogo, como cada uma das áreas dos rios é distinta entre si, do ponto de vista visual e jogável. O título apresenta diversas localidades, de florestas a palácios, de casas a calabouços.
E aqui um dos rios do submundo de Hades.
O jogador tem certa liberdade na ordem de completar os desafios. Mas o jogo é dividido em dois momentos. No primeiro, mediante a necessidade de recuperar os dons de alguns deuses, você precisa conseguir três poderes na ordem que quiser (com outros poderes opcionais a serem obtidos e missões paralelas a serem realizadas). No segundo, mediante outro momento da narrativa, teremos que conseguir, novamente, três poderes na ordem que quisermos (e, de novo, várias tarefas opcionais se abrem). Funciona bem para dividir as coisas e não embaralhar tudo. Cada momento tem sua área central (Ágora e Acrópolis, respectivamente) e a necessidade de vencer os desafios possui um contexto narrativo bem definido. O ritmo da aventura é excelente, principalmente porque os desafios trazem novidades a todo momento.

Jogatina sempre fresca

Eu iniciei a análise afirmando que a batalha contra Afrodite é o momento exemplar do título como um todo. Eu menti, me desculpem, aprendi com os deuses. Na verdade, existem diversos momentos que evidenciam o que Apotheon é: um ótimo exemplo de jogo que constrói muitas fases e desafios distintos se utilizando de poucas mecânicas que já estão lá desde o começo. Isso é a coisa mais impressionante da experiência que tive com o jogo.

Dionísio, deus do vinho e das festividades, é um “chefe” opcional. O que faremos para conseguir a ajuda do fanfarrão? Encher a nossa cara de vinho e continuar em pé enquanto todos os outros caem. O desafio, então, é explorar o local, planejar a rota e correr e pular o mais rápido possível para não cair embriagado.

E aí tem o domínio da Atena, deusa da inteligência e das táticas, que é isso aqui:


Um grande labirinto que vai se movimentando. Infelizmente os puzzles em si são simples, o que acaba sendo um ponto negativo. A ambientação, no entanto, é astuta. Mas, nem todos os chefes e desafios são diferenciados, alguns acabam caindo na repetição e só são salvos pelo design do cenário e pela parte visual e sonora. Um dos grandes deuses, inclusive, é uma batalha reciclada do começo do jogo em um local diferente. Mas o jogo traz batalhas diferentes e interessantes o suficiente para serem elas as que permanecem na memória (e acredite, são várias). Também tem fase que você pode ir na furtividade, momentos para caçar, confrontos abertos, levels aquáticos, confronto entre bandos e etc. Apotheon consegue trazer bastante conteúdo partindo de pouco.

Vale a pena entrar de cabeça nesse vaso

O jogo conta uma história interessante que aborda vários deuses e que é bem conduzida e com alguns diálogos bem escritos. Além disso, tem um final bonito. As mecânicas são simples, mas isso não impede que ele tenha design de jogo e fases que contornem o problema, e que acabam dando um brilho para o game. Ele sempre te traz algo novo, mesmo quando te apresentou basicamente todas as mecânicas de controle do personagem nos primeiros minutos de gameplay. O estilo visual é arrebatador, o trabalho de traduzir a arte dos vasos gregos para um jogo foi muito bem feito. Alguns pequenos problemas de execução atrapalham a experiência. Ainda assim, Apotheon é um bom título que tem em suas inteligentes batalhas e desafios, e na exploração de belos cenários, os principais atrativos. É imperdível para quem se interessa por mitologia grega e recomendável para quem gosta de um bom jogo de ação e plataforma em 2D.

Prós

  • Proposta visual bela e bem executada.
  • Narrativa interessante baseada na mitologia grega.
  • Existem pedestais pelo cenário que trazem excertos reais de autores clássicos gregos, o que ajuda o jogador a se familiarizar com as temáticas.
  • Grande variedade de desafios e batalhas inteligentes contra chefes.

Contras

  • Sistema de inventário pode atrapalhar.
  • Em alguns momentos os controles podem ser problemáticos.

Apotheon - PS4, PC - Alien Trap Games - Nota: 7.5
Versão utilizada para a análise: PS4

Revisão: Leonardo Nazareth
Capa: Diego Migueis

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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