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Análise: Legend of Mana (Multi) resgata o belo e imperfeito RPG em uma remasterização modesta

A nova versão do clássico de PlayStation atualiza principalmente o visual e a música, mas conserva boa parte de seus defeitos.


Legend of Mana é frequentemente lembrado como um dos melhores RPGs do PlayStation por causa do seu visual estonteante e estrutura aberta. Agora, mais de 20 anos após o lançamento original, o título volta em uma versão remasterizada com ilustrações em alta resolução, trilha sonora arranjada e algumas opções de acessibilidade. Com suas mecânicas e sistemas praticamente intocados, a nova versão é uma experiência nostálgica única, mas também repleta de falhas.
 
Um detalhe curioso é que Legend of Mana foi o primeiro spin-off da série Mana (que, por sua vez, nasceu como spin-off de Final Fantasy). O jogo é bem diferente dos antecessores ao apresentar conceitos inventivos, como progressão da trama estruturada em várias missões independentes e um sistema de batalha novo. Isso se justifica por ele ter sido produzido por Akitoshi Kawazu, criador da franquia de RPGs SaGa — vários dos conceitos de Legend of Mana foram inspirados nessa outra série. Muitos estranharam, mas a recepção foi positiva, o que conferiu ao jogo o status de clássico.

Em uma jornada para reconstruir o mundo

A terra de Fa’Diel passou por um evento traumático: a Mana Tree, fonte de sua energia vital, secou completamente. Em busca de controlar o pouco da magia que restou, inúmeras raças e nações entraram em uma guerra sangrenta que resultou em mais destruição. Quando o conflito acabou, o espírito da árvore entrou em sono profundo e, para conservar o pouco poder que restou, selou locais do mundo em diferentes artefatos. Agora, séculos depois, um aventureiro, por meio de um sonho, recebe a tarefa de restaurar Fa’Diel e reviver a Mana Tree.


Para alcançar seu objetivo, o herói (ou heroína) sem nome precisa coletar artefatos e restaurar o mundo, em uma jornada estruturada na forma de inúmeras missões com várias linhas de história focadas em diferentes personagens. Há as odisseias do ambicioso comerciante Niccolo; as desventuras da dupla Elazul e Pearl, últimos sobreviventes de uma raça cujo coração é externo e tem formato de joia; o conflito dos irmãos Larc e Sierra, que servem dragões de clãs opostos; e muito mais — o mundo de Fa’Diel está repleto de personagens e histórias pitorescas.

Um detalhe interessante é que podemos moldar a estrutura do mundo, escolhendo onde cada localidade deve ficar no mapa. Novos artefatos são obtidos conforme completamos missões e a organização influencia em alguns aspectos de cada lugar, como a disponibilidade de eventos e inimigos. No entanto, a ausência de informações nos impede de fazer escolhas conscientes — é necessário utilizar algum guia externo para maximizar as possibilidades da organização.
 


Desbravando sem rumo belas localidades

Mesmo com sua estrutura não linear, Legend of Mana tem um ciclo de jogo bem tradicional. Na maioria das missões, o objetivo é explorar um calabouço e derrotar um chefe, mas há também algumas tarefas mais elaboradas que exigem vários passos para serem completadas. Fora isso, há diversas atividades paralelas, como plantar sementes em um jardim, forjar armas e equipamentos, criar golems, produzir instrumentos musicais mágicos e cuidar de monstros que funcionam como aliados no combate.


Particularmente, apreciei este formato livre, pois fiquei com a sensação de que eu mesmo estava desbravando o mundo de Fa’Diel, conhecendo suas localidades e habitantes. No começo é meio estranho não ter uma trama principal para seguir; porém, aos poucos, fui conhecendo os personagens e seus dramas e me afeiçoei a eles. Além disso, é ótimo explorar a esmo e encontrar por acaso uma nova missão ou cena, ainda mais por causa dos belos cenários de fantasia, como praias, cavernas, desertos e cidades inusitadas. Claro, a ausência de um herói com personalidade definida e de uma história principal clara pode ser um problema — é necessário ir de mente aberta para aproveitar.

A estrutura aberta é ousada e criativa, porém não é livre de problemas. Para começar, é muito difícil acompanhar as várias tramas do jogo, pois não há uma listagem detalhada delas. Também é comum ficar completamente perdido sem saber qual é o próximo passo, já que não há dicas claras de como prosseguir. Por fim, muitos dos sistemas têm um funcionamento confuso e obscuro, como a mecânica de programação de golems e a forja, o que cria situações frustrantes. Mudanças simples e a disponibilização de informações amenizariam esses problemas, é uma pena que não aproveitaram a oportunidade da remasterização para implementar algumas melhorias nos sistemas.
 


Em um combate simultaneamente variado e truncado

O combate de Legend of Mana segue o estilo tradicional da série e acontece em tempo real. Nos embates, podemos atacar com golpes fortes e fracos, e após preencher uma barra é possível desferir técnicas especiais poderosas. Há inúmeros movimentos auxiliares, como defender, pular, agarrar inimigos e fazer cambalhotas, e novas opções são desbloqueadas conforme utilizamos essas habilidades e armas. Já os instrumentos musicais lançam feitiços com efeitos diversos. Na maior parte do tempo, o herói é acompanhado por aliados controlados pela IA ou por outro jogador no multiplayer local.


O que mais me chamou a atenção no sistema de batalha de Legend of Mana é a grande diversidade de opções. Com um pouco de destreza, é possível criar sequências interessantes de ataques, e cada arma oferece estilos distintos de luta — lanças, luvas, espadas, arcos e nunchakus são algumas das opções. Além disso, os movimentos auxiliares podem ser combinados em novas técnicas: usar uma investida enquanto o personagem está agachado resulta em uma rasteira deslizante, mesclar o pulo com o movimento de rolar cria um salto em arco.

A união de tantas características cria embates interessantes, mas algumas questões atrapalham o andamento desses momentos. A ação é um pouco truncada, pois a movimentação do personagem é lenta, os ataques têm pausas estranhas e às vezes é difícil se alinhar corretamente para acertar os inimigos. Não para por aí: as técnicas especiais demoram muito para serem desferidas, logo é comum os oponentes escaparem delas com facilidade. Por fim, faltou balanceamento: boa parte das batalhas são triviais, mas aparecem algumas em que os inimigos nos travam completamente com ataques paralisantes em sequência.


Mesmo assim, apreciei bastante o combate do jogo. Com o tempo, aprendi a golpear no ritmo correto para criar sequências e fui capaz de calcular melhor quando utilizar os especiais para não errar. Gostei também de testar as diferentes armas, que mudam sensivelmente o andamento dos embates. A dificuldade é baixa na maior parte do tempo, mas existem modos mais difíceis que são desbloqueados após terminarmos a aventura pela primeira vez.

Um ponto curioso é que todas as lutas são obrigatórias e não é possível fugir delas, mas a versão remasterizada muda isso ao incluir uma opção que permite desligar as batalhas. Esse recurso é bastante útil e torna a exploração mais ágil, especialmente nos momentos em que visitamos novamente os locais em busca de itens.
 


Uma nova versão bela e conservadora

Legend of Mana é sempre lembrado por seu visual desenhado vibrante e trilha sonora excepcional, e a versão remasterizada altera justamente esses aspectos. As ilustrações de todos os cenários foram retrabalhadas e estão ainda mais belas, e a câmera agora oferece proporção widescreen. Já os sprites dos personagens estão intocados e têm uma aparência meio pixelizada, o que às vezes traz uma sensação de estranheza em relação aos cenários em alta resolução. Mesmo assim, no geral, o resultado é um visual estonteante que moderniza os gráficos ao mesmo tempo que mantém a atmosfera do original de PlayStation.


A música do jogo, que foi produzida por Yoko Shimomura (de Kingdom Hearts e Super Mario RPG), sempre foi um dos maiores destaques para mim: as composições são variadas e memoráveis, dando vida ao mundo de fantasia de Fa’Diel. A versão remasterizada conta com trilha sonora rearranjada produzida por Ryo Furukawa (de Balan Wonderworld e Final Fantasy VII Remake Intergrade), que traz novos ares sem renegar suas origens. As novas faixas trazem alterações leves, como mais instrumentos ou timbres diferentes, e o resultado é ótimo, por mais que eu prefira alguns arranjos do original (como o tema de batalha Pain the Universe). De qualquer maneira, é possível alternar livremente entre as duas versões da trilha sonora no menu.


Fora isso, a remasterização inclui mais algumas  novidades. Agora Legend of Mana conta com salvamento automático e é possível registrar manualmente o progresso em praticamente qualquer lugar, e o multiplayer pode ser ativado no menu. Além disso, ilustrações e músicas estão disponíveis para apreciação.

Uma inclusão notável é Ring Ring Land, um minigame anteriormente disponível somente para PocketStation, um periférico do PlayStation original lançado somente no Japão. Nele, podemos mandar um dos monstrinhos para explorar um tabuleiro a fim de obter experiência e itens. Particularmente achei o joguinho enfadonho, mas não deixa de ser interessante.

No mais, a nova versão é competente e moderniza de forma louvável a parte técnica do jogo. No entanto, acho uma pena não terem aproveitado a oportunidade para introduzir mudanças mais notáveis nas mecânicas e sistemas do título, como feito em SaGa Frontier Remastered. Sendo assim, o resultado é uma experiência da década de 1990 mais bonita, o que traz a necessidade de relevar seus problemas e decisões duvidosas para aproveitá-la.
 


Um retorno que vale a pena ser conferido

Legend of Mana encanta em uma remasterização que resgata as qualidades e as falhas do jogo original. O mundo mágico de Fa’Diel cativa com suas localidades vibrantes e personagens interessantes, e a progressão livre nos convida a explorar todos os cantos e possibilidades. O combate em tempo real conta com várias opções de armas e técnicas, o que permite inúmeras abordagens, mas a falta de fluidez incomoda. O uso de uma estrutura aberta é criativo, mas é também repleto de problemas: falta uma trama principal mais consistente, é fácil ficar perdido e muitas mecânicas têm funcionamento obscuro.

A remasterização atualiza a ambientação com ilustrações em alta resolução e música com novos arranjos, resultando em um jogo ainda mais belo. Além disso, foram adicionadas algumas opções que facilitam bastante a jornada, como poder salvar em qualquer lugar — é uma pena que não aproveitaram para fazer ajustes em alguns dos sistemas. No fim, mesmo depois de tantos anos, Legend of Mana se mantém um RPG belo e notável, mas também muito imperfeito.

Prós

  • Progressão aberta com várias linhas de história e personagens para conferir;
  • Batalhas elaboradas e com boa diversidade de armas e técnicas;
  • Grande quantidade de atividades e conteúdo opcional;
  • Belíssimo visual desenhado à mão, que agora conta com ilustrações em alta resolução;
  • Trilha sonora cativante e excepcional, sendo possível alternar entre a original e a remasterizada;
  • Inclusão de vários recursos de qualidade de vida notáveis, como desligar os combates.

Contras

  • Estrutura e missões vagas demais tornam fácil ficar perdido sem saber qual é o próximo passo;
  • Combate com movimentação truncada;
  • Muitos sistemas confusos ou com poucas explicações;
  • Ausência de ajustes em mecânicas do original.
Legend of Mana — PC/PS4/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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