Análise: The Drifter é uma modernização do point and click em roupagem pulp

Novo jogo do estúdio Powerhoof aposta em ambientação retrô e narrativa dinâmica para revitalizar a experiência dos adventures tradicionais.

em 19/07/2025


As revistinhas Pulp eram um tipo de publicação popular no começo do século XX. Impressas em baixa qualidade, mas com um estilo artístico e narrativo bem próprios, elas abrangiam uma variedade de gêneros, embora as de maior destaque tenham sido as de ficção científica, terror e crime — temas que, eventualmente, seriam considerados os carros-chefes para o estilo. The Drifter, desenvolvido pelo estúdio Powerhoof, se utiliza com maestria dessa atmosfera tão característica emanada por tais magazines a fim de propor uma abordagem única ao gênero clássico de point and click.

A morte em fluxo

The Drifter conta a história de um homem chamado Mick Carter. Após uma temporada longe de sua cidade natal por estar obviamente fugindo de certos traumas do passado que se recusa a encarar, ele acaba retornando a fim de comparecer ao velório de sua mãe. Entretanto, a situação escala quando ele se depara com o assassinato brutal de seu companheiro de vagão e se mete em uma trama de atmosfera conspiratória com um quê de revistas pulp.




A questão é que o sobrenatural entra em cena quando termina por ser capturado, tem seus pés amarrados a um peso e é lançado em um reservatório na intenção de que ele morresse afogado. Entretanto, por algum motivo, ele é incapaz de morrer. Sempre que está à beira do fim, o tempo parece voltar e ele pode repetir seus últimos momentos de vida, ganhando a oportunidade de escapar daquela situação.

Nesse instante a história se mescla com o gameplay, já que, na prática, trata-se de um checkpoint velado que permite ao jogador tentar outra vez, caso o desfecho não tenha sido positivo. A morte, componente corriqueiro nos games, é incorporada à narrativa que vai escalando em um horror psicológico à John Carpenter, cineasta nominalmente mencionado no material promocional do jogo, que consegue fazer jus à sua obra.




Como um point and click em uma veia mais clássica, seu design se estrutura na exploração de ambientes que levam à quebra-cabeças que, quando solucionados, fazem a narrativa progredir. É nesse momento em que o game brilha, uma vez que a dificuldade parece estar sempre na medida certa. Ao contrário de vários clássicos do gênero, que contam com cenários poluídos de múltiplas interações a fim de apenas uma ser a correta, The Drifter é como um restaurante chique. Ele reduz o leque de possibilidades com o objetivo de facilitar certas conduções lógicas.

A palavra de ordem, então, é ritmo. Mesmo sem saber o que fazer, nós dificilmente nos vemos clicando em todos os elementos ao léu ou dando voltas pelos ambientes disponíveis até chegar em alguma dedução absurda. The Drifter consegue ser intuitivo em suas resoluções e, mesmo quando a coisa aperta, o título sempre vai dar algum empurrão ao jogador, nem que seja para matá-lo para resetar a seção no intuito de fazê-lo recomeçar, com todas as condições zeradas.




Nesse aspecto, ele me lembrou um pouco o que faz Ghost Trick: Phantom Detective. O vislumbre da própria morte, em determinadas situações, nos traz o conhecimento necessário para entender o que aconteceu — geralmente, como Carter pode se relacionar com o cenário em que está — e tentar mudar esse destino, encontrando uma solução e, por fim, dando prosseguimento à trama. 

Em The Drifter, nada trava o nosso progresso por muito tempo. A história está sempre em movimento. É apropriado com o título do jogo, que pode ser traduzido como nômade, andarilho, aquele que nunca fica parado em um mesmo lugar.




Outra fonte possível de dicas são as reflexões do próprio protagonista. Sem uma lista de tarefas tradicional, é possível acessar uma espécie de inventário de pensamentos que registram as opiniões e interpretações de Carter sobre vários assuntos distintos. As conversas com os NPCs também partem sempre desses mesmos assuntos anotados, então é muito difícil que alguma informação fique para trás ou, pior, nós tenhamos que passar por todo o diálogo novamente a fim de extrair apenas uma ou duas linhas realmente úteis para a informação que procuramos.

Horror marginal em poucos bits

Em contrapartida, esses raciocínios temáticos são ilustrados através de ícones no menu e eles não são exatamente muito intuitivos ou decifráveis. Nisso, o visual do jogo se mostra um pouco inconstante, uma vez que ele conta com um pixel art muito bonito, mas alguns elementos na tela são de difícil distinção.

O problema aí reside nos detalhes. Esses ícones de pensamento, os itens do inventário, os rostos dos personagens. Até a fonte padrão chega a ser um pouco incômoda, difícil de acompanhar e cansativa de se ler por longos períodos. Ela é pixelada, então não era incomum que se tornasse uma bagunça de pixels quando sobrepostas no próprio cenário. Por sorte, o time de desenvolvimento chegou a considerar essa possibilidade e adicionou a opção de simplificação no menu de acessibilidade.




Por outro lado, a nível panorâmico, considerando a visão geral, The Drifter é impressionante. Os cenários são detalhados na medida certa e contribuem para o fluxo de jogabilidade fluida do título, sem muitas distrações em relação aos quebra-cabeças apresentados. Não há muita tralha inútil para se perder tempo, apenas o essencial está na tela.

Outro destaque fica no uso das cores, que também conseguem exalar com êxito essa atmosfera de mistério e terror psicológico bem característico das já mencionadas revistas Pulp. Essa ambiência casa muito bem com os aspectos sonoros do game, com trilhas sintetizadas que habilmente evocam o sentimento de mistério paranormal clássico dos anos 80 ao mesmo tempo em que as atuações de voz foram muito bem dirigidas, acertando o tom sem aquelas entonações exageradas tão comuns na indústria de games.




Eu só questionaria o uso excessivo da tela preta para algumas situações que exigiriam animações mais complexas. Está certo que não é fácil fazer pixel art animado nessa qualidade, mas tem horas que a transição através de fades incomoda pela frequência. Isso fica um pouco mais chato quando olhamos para as animações que realmente existem e são sublimes. Logo no prólogo, há um fuzilamento incrível a nível visual e que consegue ditar muito bem a qualidade absurda (no bom sentido) que está por vir no resto da campanha.

Adicionalmente, mesmo sendo ágil em sua própria essência, o jogo se aproveitaria de um botão de avanço rápido das cenas, especialmente depois de cada morte do protagonista.



Nômade (s.m.): aquele que não permanece em um só lugar; que está sempre em movimento.

The Drifter é um produto que exala todo o respeito e paixão por suas inspirações, das revistas Pulp ao próprio gênero de point and click, ao mesmo tempo em que consegue estabelecer sua própria identidade ao combinar esses elementos com um incomparável sucesso. Com uma narrativa envolvente, de ritmo preciso, e uma atmosfera noir artesanalmente construída, o game se mostra uma experiência não só intrigante, mas também acessível e fluida. Sabendo trabalhar suas influências, ele compreende bem o valor da concisão, tanto na progressão quanto no design, e, tal como seu protagonista errante, nunca se permite estagnar, conduzindo o jogador por um memorável mistério de morte e paranoia e aceitação.

Prós

  • Narrativa competente em integrar com sucesso certos elementos de jogabilidade ao mistério que propõe;
  • Ritmo bem calibrado, evitando travas frustrantes comuns ao gênero point and click.;
  • Quebra-cabeças intuitivos, mas com nível de dificuldade equilibrado, sem menosprezar a inteligência do jogador;
  • Ambientação fiel ao clima retrô das revistas Pulp.

Contras

  • Alguns elementos visuais são confusos ou mal definidos, como itens de inventário e rostos dos personagens;
  • Uso excessivo de tela preta para transições, as quais poderiam ser animadas;
  • Embora o ritmo geral da campanha seja exemplar, ainda é sentida a falta de botão para avanço rápido de cenas, especialmente após mortes repetidas.
The Drifter — PC — Nota: 8.0
Revisão: Thomaz Farias
Análise produzida com cópia digital cedida pelo estúdio Powerhoof
OpenCritic
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João Pedro Boaventura
É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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