Blast from the Past

Quake II (Multi): enfrente forças alienígenas hostis no mais frenético FPS de todos os tempos

Quake II deixa seu legado nos jogos FPS com jogabilidade frenética e trilha sonora sensacional.

A id Software abalou o mundo dos jogos com Doom (Multi), basicamente definindo o que seriam os jogos de tiro em primeira pessoa, aprimorando todos os elementos de seu Wolfenstein 3D (Multi). Após o sucesso estrondoso de Doom II: Hell on Earth (Multi), a id seguiu as novas tecnologias da indústria no desenvolvimento de uma nova franquia, intitulada Quake, lançada em 1996 para MS-DOS e Windows, com port para AmigaOS, Sega Saturn, Nintendo 64, dentre outros sistemas.


Não apenas os gráficos eram consideravelmente melhores do que a série anterior como também a jogabilidade. Embora mantivesse a pegada sobrenatural de Doom, os outrora demônios e cenários infernais cederam a uma inspiração de horror lovecraftiano. Em mesmo sentido, a outrora trilha sonora inspirada em Heavy Metal cedeu a canções ambientais, de autoria do Nine Inch Nails (o vocalista Trent Reznor, inclusive, dá voz ao novo protagonista, Ranger). No ano seguinte, Quake II foi apresentado ao público, estabelecendo os alicerces da franquia.

 H. P. Lovecraft cede aos Strogg

Um dos primeiros conflitos que a equipe de desenvolvimento encontrou durante o desenvolvimento de Quake II foi quanto ao nome a se atribuir ao projeto, em especial pelas drásticas alterações de cenários e propostas de jogo. Dentre as possibilidades estavam “Strogg”, “Lock and Load” e “Load”. Por fim, adotaram como definitivo o título provisório, pelo qual o conhecemos até hoje.

Os escuros cenários medievais foram substituídos por uma ambientação futurista sci-fi, ao passo que inimigos como “Rottweiler”, “Zombie” e “Knight” foram substituídos por toda uma raça alienígena, conhecida como Strogg, sendo basicamente os antagonistas centrais do que a série se tornou, os quais retornaram com força total em Quake 4 (Multi).
Quake marcou os jogadores, mas a trilha sonora...


No modo single player, o jogador controla um marine de nome Bitterman, participante da Operação Alien Overlord, que tem o intuito de impedir uma invasão extraterrestre contra-atacando a terra natal dos alienígenas, o planeta Stroggos. Durante o ataque, uma poderosa arma Strogg conhecida como Big Gun lança um raio contra a maioria dos pods (cápsulas individuais que guarnecem os soldados, que lembram as câmaras criogênicas da série Alien) então enviados contra o planeta inimigo. Com exceção de Bitterman, os poucos que sobreviveram foram finalmente mortos ou aprisionados.

Essa é uma das principais características (e charme) dos primeiros jogos populares em FPS: militares com nomes ridículos, acompanhados de um mínimo de história como fundo e, como sempre, os únicos sobreviventes de alguma tragédia que se vêem obrigados a lutar sozinhos contra hordas de inimigos.

Mas se o enredo ou o carisma do personagem nada significam aqui, restam à jogabilidade e à trilha sonora, pontos fortes da id, promoverem o jogo e causar o devido impacto nos jogadores. Quake II está à altura dos títulos anteriores? Acompanhem!

Adeus, Nine Inch Nails, feche a porta ao sair

Normalmente analisamos a trilha sonora e demais efeitos sonoros após a jogabilidade. Contudo, recomendo que acompanhem a leitura com a trilha sonora de Quake II para compreenderem boa parte da empolgação em torno do título. Não questiono a qualidade da trilha sonora de Doom (uma de minhas favoritas dos jogos), um trabalho primoroso de Robert Prince (que também produziu para Doom II, Wolfenstein 3D, Duke Nukem II e Duke Nukem 3D), mesmo com canções em formato .mid.

O salto para a era digital desde o surgimento dos laserdiscs aprimorou consideravelmente a qualidade sonora daquilo que ouvimos enquanto jogamos. De mesmo modo, não descartamos o trabalho do Nine Inch Nails em Quake, mas boa parte do produto desenvolvido pela banda é puramente ambiental. Alguns apregoam que atende à proposta, contudo, quando nos deparamos com a abertura de “Quake Theme” (primeira canção do jogo original), não dá pra ignorarmos que apenas o primeiro minuto é de fato empolgante e, após um grito que perdura por alguns segundos, o tom ambiente predomina em todo o restante da soundtrack.

Quando o desenvolvimento de Quake II seguiu por rumos alheios ao seu antecessor, a trilha sonora, que seria novamente de responsabilidade à banda norte-americana, foi confiada ao alemão Sascha Dikiciyan (conhecido pelo codinome Sonic Mayhem). Dikiciyan também trabalhou as canções de Tomorrow Never Dies (PS), Hellgate: London (Windows) e Quake III Arena (Multi). E essa substituição se deu por um fato no mínimo curioso: o músico remeteu ao próprio John Romero uma cópia de seu primeiro disco, Methods of Destruction, como uma alternativa à trilha sonora original de Quake.
Sascha Dikiciyan, à esquerda.


A derrocada musical veio com o port para N64 que, além de ser inferior graficamente à versão para PlayStation, teve trilha sonora a cargo do americano Aubrey Hodges, que seguiu a tendência ambiente do Nine Inch Nails, destruindo completamente uma das melhores características do novo título. E é incrível pensar que o port para o Zeebo não apenas mantinha a trilha sonora original como também recebeu dublagens em português brasileiro.

O jogo em si

Os movimentos básicos estão presentes no jogo: andar, correr, agachar, saltar e disparar armas. A grande diferença é que, ao contrário de Doom e Quake, em que bastava empunhar a arma em direção a um inimigo, a mira em Quake II é livre, o que exige o uso constante do mouse.

Por razões que todos conhecemos, o padrão mouse + teclado é o que melhor atende à proposta, embora o primeiro DualShock e os joysticks do Zeebo (que possuem duas alavancas analógicas) atendam razoavelmente essa necessidade. Por outro lado, a alavanca analógica no N64, muito eficiente em GoldenEye 007, peca miseravelmente em Quake II, tornando o sistema de mira desajeitado, senão catastrófico.
É disso que estamos falando!


Como todos os jogos do estilo à época, nos é entregue uma arma razoavelmente fraca, onde maior poder de fogo é obtido conforme avançamos pelos cenários. A primeira arma é uma pistola que dispara projéteis de força, que tem a vantagem em possuir munição infinita. No decorrer do jogo, são encontrados rifles, metralhadoras giratórias, submetralhadoras, lança-granadas, granadas de mão, canhões e metralhadoras laser e lança-foguetes. A barra indicadora inferior registra o percentual de vida, armadura, arma empunhada (e a respectiva munição). Rostos com expressões como em Doom e Wolfenstein 3D estão descartadas, assim como em Quake.

Tipicamente há salas ocultas que guarnecem armas mais poderosas e munição, normalmente encontradas livremente em estágios mais avançados. Armaduras, placas de kevlar, itens para restabelecer energia e power-ups como tanques de oxigênio e o já clássico “QII”, que oferece invencibilidade por alguns segundos, além de incrementar o dano causado pelas armas. Também estão presentes, além dos tradicionais cartões para abrir salas específicas e prosseguir no jogo, elementos típicos de jogos do gênero à época.

Mas, mais do que a fuga de uma estação espacial em si, o “exército de um homem só” possui missões e objetivos claros, como adentrar a fortaleza Strogg, destruir a Big Gun e, finalmente, eliminar o líder da raça alienígena, Makron. Isso vai além do que os jogos anteriores tinham oferecido ao jogador até então.
Tudo gira em torno desse cidadão aí.

Há uma variedade enorme de inimigos, incluindo ex-aliados de Bettterman. Dentre os sobreviventes que foram capturados, os Stroggo realizaram algumas de suas experiências na união entre máquinas e humanos (como os Borgs em Star Trek), ampliando seu exército. Um dos cenários, inclusive, retrata uma câmara de tortura com prisioneiros sendo torturados. Alguns deles visivelmente perderam sua sanidade e outros imploram para serem mortos, apregoando a todo o momento “Help! Please, kill me”. A despeito das imagens bastantes fortes, é interessante notar que o enredo, ainda que raso, segue uma estrutura de desenvolvimento.

Quake II exige que o jogador se movimente a todo o momento, busque proteção contra ataques inimigos e utilize de modo racional as armas mais poderosas, dedicando-as aos adversários mais robustos (que não são poucos) e chefes.

A maioria dos oponentes possui grande resistência e alto poder de fogo (sendo muitas das armas as mesmas utilizadas pelo protagonista), além de uma IA muito boa para a época. No nível de dificuldade Nightmare, adversários mais frágeis buscam abrigos e perseguem o jogador de forma inteligente. Inimigos com maior poder de fogo e armadura são mais agressivos e não raras vezes se utilizam da estratégia “ataque com força total” mas, considerando o dano que causam e a vantagem numérica, o resultado se torna mais desastroso para o jogador do que para os próprios.
Alguns membros da tropa Strogg (e esses são os menos letais).
Os Strogg possuem quatro chefes: Super Tank (duas unidades encontradas ao longo do jogo), Hornet (também duas unidades, embora seja possível evitar o combate com a segunda), Jorg (basicamente um veículo utilizado pelo líder Strogg) e o próprio Makron. No port para PS, Guardian é um dos boss exclusivos, presente somente no DLC Ground Zero para PC. Todos estes são muito poderosos e exigem uma boa dose de habilidade para se derrotar. No entanto, a curva de aprendizagem do jogo é coerente e justa: mortes ocorrem por erros do jogador, não por falhas no level design ou bugs.

Os gráficos, por sua vez, são o padrão da indústria na época, com qualidade reduzida nos ports para PS, Zeebo e ainda piores no N64. Contudo, as versões para computadores pessoais e para o console da Sony não são desagradáveis mesmo para os padrões atuais.

Embora seja o último soldado ativo na missão em solo, constantemente se ouve orientações de missões por rádio, o que incrementa a experiência e afasta o sentimento de abandono como ocorre em Doom, por exemplo. Nos cenários externos, aeronaves cortam o céu e barulhos de explosões e ataques contra a base inimiga são constantes, algo como “a guerra não acabou e estamos com você”.

Os modos de dificuldade são Easy, Medium, Hard e Nightmare. As versões para PC permitem que o progresso do jogo seja salvo a qualquer momento, enquanto no port para PS se dá nas passagens entre salas e ao concluir missões.
Um Super Tank incomoda muita gente, dois massacram muito mais (mas apenas em The Reckoning).
Os cenários se dividem em dez enormes mapas não lineares. Inimigos abatidos não retornam (senão quando ressuscitados pelos Medic, algo que pode ser resolvido com a destruição completa do cadáver com armas) e seus corpos permanecem no solo servindo (de forma bastante macabra) como sinalizadores de rotas melhores do que o próprio mapa, cujo uso é basicamente descartável de tão confuso.

Os modos básicos de jogo se dividem entre Single player e Multiplayer, sendo este ainda dividido entre os modos Deathmatch (12 mapas) e Capture the Flag (nove mapas). Nos computadores pessoais, o modo multiplayer comporta até 16 jogadores (dois, caso optem pelo jogo cooperativo), ao passo que os ports para PS e N64 se limitam a quatro combatentes e sete mapas. Embora o número consideravelmente reduzido, o modo multiplayer de Quake II é divertido e tão frenético quanto o modo single player, o qual vale a experiência, especialmente para a versão PS, cujos controles foram melhor adaptados para o jogo.

The Reckoning e Ground Zero

Em 1998, dois DLCs foram lançados para Quake II na versão para Windows, respectivamente desenvolvidos por Xatrix Entertainment e Rogue Entertainment. The Reckoning conduz o jogador na pele de Joker, membro de um esquadrão de elite (clichê número um, checado) que tem a missão de se infiltrar em uma das luas de Stroggos, suprimindo o fornecimento de combustível das tropas inimigas. O soldado pousa solitariamente em um pântano (clichê número dois, checado) e, ao ignorar a entrada principal, vê todo seu esquadrão ser abatido pelos alienígenas, sendo o único sobrevivente para levar adiante a missão (clichê número três, bingo!).

A trilha sonora, efeitos visuais e sonoros são idênticos aos do jogo original, embora sejam acrescidos 16 mapas para o modo single player, seis para o modo Deathmatch, três armas, um power-up, três inimigos e sete novas versões para outros já conhecidos.
Arma exclusiva em The Reckoning.

O que destrói completamente a experiência é o fato de que os cenários visivelmente criados pela Xatrix são horríveis e possuem péssimo level design, ao ponto do jogador se prender em parte do cenário e não ser possível recuar, algo que nunca ocorre em Quake II. Por outro lado, alguns cenários são visivelmente reaproveitados do jogo original e, a bem da verdade, nada acrescentam à experiência.

Em Ground Zero, o protagonista da vez é Stepchild, um fuzileiro naval tripulante da Frota da Terra, cuja aeronave foi aprisionada pelo Poço da Gravidade enquanto orbitava sobre o planeta Stroggos. Sendo o único soldado (lá vamos nós) que conseguiu pousar em solo, competirá a ele destruir o Poço, libertando a nave.

O jogo acrescenta 14 mapas ao single player, 10 ao multiplayer, cinco canções (todas sob autoria de Sonic Mayhem), cinco inimigos, sete power-ups e cinco armas. A Rogue fez um bom trabalho, oferecendo um conteúdo próprio melhor do que a Xatrix, contudo, ambos os extras em nada acrescentam à história principal ou à experiência, sendo nada mais senão o típico padrão mencionado no decorrer deste texto. E, assim como o DLC anterior, recicla cenários do jogo principal.
Arma e inimigos exclusivos em Ground Zero.

Quake II, em si, é um produto completo e suficiente para agradar os apreciadores do gênero. O preço somado do conteúdo extra é equivalente ao do jogo original, logo, opte por ele e eventual material produzido por fãs, já que a licença da engine é livre para uso desde 2001.

Vale a pena?

Embora a pergunta seja retórica, alguns leitores podem ainda ter dúvidas sobre Quake II. A resposta é um sonoro “sim!”. Os gráficos ainda são muito bons mesmo para um jogo que completará 22 anos em 2019, a jogabilidade é frenética (a dificuldade Nightmare é a melhor forma de extrair o melhor que há no jogo), a trilha sonora é fantástica e o modo multiplayer é divertidíssimo.

Máquinas menos robustas recebem o jogo com facilidade mas, se ainda assim os gráficos sejam motivo para caretas, no dia 6 de junho foi lançado pela NVIDIA a versão RTX, com gráficos em 4K e efeito de path tracing, exigindo, portanto, uma placa de vídeo GeForce RTX 2060 ou superior. Embora gratuito até os três primeiros níveis do jogo original, os possuidores de Quake II terão acesso a todo o conteúdo, inclusive o modo multiplayer. Agora queremos saber de vocês: quais são suas experiências em Quake II, o que mais gostam no jogo? E para aqueles que ainda não o jogaram, diga-nos o por que!

Revisão: Giba Hoffmann

Mineiro, apaixonado por livros, música, filmes, discussões, Magic: The Gathering e, claro, jogos eletrônicos.
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