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Análise: Bubsy: Paws on Fire! (PC/PS4) traz o mascote azarado em aventura simples ao estilo runner

Bubsy está de volta em sua sexta tentativa! O que poderia dar errado?


Após pegar todos de surpresa com seu ressurgimento em Bubsy: The Woolies Strike Back (PC/PS4), um dos mascotes mais infames dos games retorna em Bubsy: Paws on Fire! (PC/PS4), sexto título de uma série cuja fama atual é praticamente indissociável de sua figura como espécie de "piada interna" da indústria.


A estratégia adotada por Bubsy: Paws on Fire! toma um curso um tanto diferente do visto até então: abandonando pela primeira vez as mecânicas de plataforma (e pela segunda vez a variante 2D do gênero), o novo título surge de uma parceria inusitada entre a publicadora Accolade e a Choice Provisions, criadores da série indie Bit.Trip. O intento, deixado claro pelos trailers, foi criar algo como uma variante de Runner com o tema de Bubsy.

Ideia inesperada e promissora, já que  a subsérie é conhecida como exemplo de boa jogabilidade e level design para o subgênero runner. O bom humor focado em referências retrô das aventuras de Commander Video também caem como uma luva para uma revisitação abertamente irônica e irreverente da franquia.

Será que essa combinação inusitada seria o segredo para a série finalmente ter ao menos um jogo que se poderia chamar com tranquilidade de "bom"? Ou será que a "maldição" que assola a carreira do bichano falou mais alto novamente?

A volta dos que não foram

A era atual de revisitações nostálgicas aos anos noventa já nos trouxe pérolas indiscutíveis como Sonic Mania Plus (Multi) e o retorno glorioso (e cheio de gingado) de ToeJam & Earl: Back in the Groove (Multi). Por outro lado, títulos como Mortal Kombat 11 (Multi) e Resident Evil 2 (Multi) mantém vivas e fortes algumas das principais franquias da época, atualizando tudo aquilo que funcionou de forma a agradar tanto aos velhinhos quanto aos jogadores iniciantes.

De todos os mascotes que foram criados nos anos noventa como tentativas (malsucedidas) de entrar no ringue ao lado dos gigantes Mario e Sonic, Bubsy the Bobcat possui uma trajetória bem particular. O mascote da Accolade se aventurou por três entradas medíocres na geração 16-bits (OK Jaguar, você tecnicamente tinha 64-bits...) antes de estrelar a aberração conhecida como Bubsy 3D (PS), um dos piores produtos de entretenimento a adentrar os televisores dos consumidores desavisados (e instantaneamente traumatizados) de toda a história.



Ainda assim, o personagem perdurou na imaginação coletiva, tornando-se simultaneamente uma espécie de símbolo para toda essa geração de mascotes de vida curta. A absoluta mediocridade do conceito (e, convenhamos, da execução) da franquia, somada ao estilo particular de seu fracasso na transição para a geração 3D, garantiram que o mascote continue "vivo" atualmente, enquanto personagens do naipe de Gex, Croc e Aero, que estrelaram jogos melhor recebidos, amarguem um espaço comum como franquias abandonadas.

Toda a ambientação de Paws on Fire! parece querer se aproveitar desse cenário, abraçando um tom divertidamente auto-paródico ao mesmo tempo em que desenterra elementos pra lá de obscuros do passado da franquia. Assim é que passam a fazer parte do elenco de personagens não apenas o bom e velho gato Bubsy, mas também os gêmeos Terri & Terry, o rato inventor Virgil Reality e o tatu Arnold Armadillo, todos tirados diretamente do piloto malsucedido de animação televisiva do personagem, bem como dos obscuros quadrinhos de Bubsy II (Multi).



A trama também traz de volta o vilão do segundo jogo da saga, Oinker P. Hamm, um mega-empresário suíno com planos de destruição universal em troca de lucros. Após aterrorizar a turma de Bubsy em um conflito espaço-temporal em sua aparição anterior, o porcão agora volta com tudo em um plano de criar um grande zoológico espacial contendo todos os animais da galáxia.

A ameaça é tamanha que Bubsy acaba se unindo com os Woolies, espécie alienígena que serviu como adversária do gato em todas as suas outras aventuras. Com isso, além do felino, contamos com a ajuda de Virgil e Arnold como personagens jogáveis, juntando-se à "nova" personagem original, uma Woolie que atende pela alcunha de… Woolie.

Apesar de aparentar trazer uma narrativa menos "seca" do que a revisitação anterior da franquia, o jogo acaba fazendo um uso bastante básico e pouco inspirado desses personagens resgatados, desperdiçando a chance de realmente fazer justiça com essas figuras perdidas no tempo. Excedendo pequenas cutscenes de abertura e encerramento, as únicas explorações dos personagens se dão através de seus chavões (que são hilários, mas tornam-se também facilmente repetitivos) e na função de customização, The Shoppery (gerida pelos gêmeos Terri & Terry — não, eles não possuem relação de parentesco com Bubsy!). 

Não que a minha expectativa fosse de uma trama shakespeariana para a nova aventura do bichano. Porém, uma vez que a proposta do jogo parece ser justamente a de uma espécie de reskin temática de Runner 3 (Multi) no mundo da franquia, a produção perde a oportunidade de trazer mais referências ao seu passado e investir minimamente em explorar nessas figuras exumadas ao longo de uma trama mais complexa (por mais nonsense que fosse). O humor é bom e inspirado, mas acaba sendo muito pouco, mesmo para uma produção de pequeno porte.


Corra, Bubsy, Corra!

Grande parte da jogabilidade de Paws on Fire! será familiar para qualquer pessoa que já tenha jogado algum game da série Runner, em especial os dois últimos. Se não for o caso, também não há motivo para preocupação: trata-se de uma mecânica absurdamente básica, que torna a experiência tecnicamente mais simples até mesmo do que os dinossauros 8-bit do gênero plataforma. Afinal de contas, Bit.Trip foi uma série de jogos que procurou justamente explorar mecânicas simples de formas criativas.

De forma geral, ao invés de controlar Bubsy e seus amigos, o jogo segue um esquema de side-scrolling 2D automático, com o personagem e a tela se movendo sozinhos e cabendo ao jogador administrar apenas seus saltos, rasteiras e um arsenal bastante simplório de movimentos especiais. Cada personagem jogável possui um estilo de jogo, sendo que são Bubsy e Virgil quem herdam a jogabilidade padrão de Runner, com Woolie trazendo uma variante inspirada em shooters ao estilo arcade e Arnold ficando encarregado de bonus stages tridimensionais.

Bubsy pode saltar, planar no ar e utilizar um dash de ataque que o move horizontalmente (em terra ou no ar), podendo inclusive destruir alguns obstáculos. Virgil troca o movimento de planar por um pulo duplo com maior alcance vertical, e também pode se abaixar e deslizar com um movimento de rasteira com duração infinita. 

Woolie traz mais variedade à fórmula: no controle livre de um disco voador, o jogador deve alternar entre atirar nos inimigos (perdendo velocidade) ou manobrar a nave rapidamente pela tela para desviar de obstáculos e encaçapar os itens coletáveis. Por fim, Arnold estrela fases especiais desbloqueáveis que fazem lembrar bastante os bonus stages de Sonic the Hedgehog 2 (Mega Drive), com uma corrida em um tubo onde o jogador deve desviar de obstáculos e coletar —  adivinhe!  — esmeraldas.



Embora os três personagens principais compartilhem um mesmo mapa do mundo, o desenho dos obstáculos muda totalmente de personagem para personagem, com níveis sempre delineados de acordo com as habilidades do herói em questão. Embora as mecânicas venham importadas diretamente de Runner, o quesito level design me pareceu simplificado em comparação com o que se veria na série.



De maneira geral, os obstáculos são bastante espaçados entre si, o que dá ao jogador alguma liberdade em superar determinado segmento de diferentes formas - algo que não é muito comum na outra série da Choice Provisions.

Apesar dessa maior liberdade, o funcionamento na prática continua basicamente o mesmo: a combinação entre o side-scrolling rápido e um esquema de "um hit = uma morte" fazem com que o jogo se torne um grande experimento de memorização, reflexos rápidos e, principalmente, tentativa-e-erro.


"O que poderia dar errado?"

Essa simplificação das pistas tem como efeito uma queda considerável na dificuldade em se superar as fases, ao menos se compararmos com o habitual em Runner. Não se engane: o jogo traz um nível de desafio elevado, em especial para iniciantes ainda não habituados ao estilo. No entanto, cruzar a linha de chegada em si é uma tarefa que pode ser atingida a partir de diversos caminhos — com um pouco de treino e memorização, mesmo os iniciantes não devem ter muita dificuldade em terminar o jogo.

Cada nível traz, portanto, três variações diferentes que podem ser jogadas em qualquer ordem. Ao terminar um nível, obtém-se a medalha do personagem em questão. Sendo que cada fase exige um determinado número de medalhas para ser desbloqueada, a mecânica de progressão incentiva o jogador a diversificar e jogar pelo menos em duas variações antes de passar para mundos mais avançados.



Essa diversificação da jogabilidade cumpre bem o objetivo de dar um pouco mais de tempero a uma experiência que tende perigosamente ao simples. Nenhuma das variantes se destacou como melhor ou pior para mim, embora um level design um pouco mais incrementado e variado seria bem-vindo. Me diverti superando os diferentes níveis, e a troca obrigatória de personagens ajuda a não nos deixar muito "confortáveis" com determinada jogabilidade, adicionando um pouco de tensão à fórmula.

O verdadeiro desafio, no entanto, é o de se obter todos os diferentes coletáveis em cada nível e, com isso, os famigerados 100% de completeza. Aqui a coisa muda um pouco de figura, já que se trata de superar todos os trechos mais espinhosos do jogo com total precisão - ou voltar para o começo da fase e tentar de novo.



Cada nível traz 150 novelos de lã — coloridos, para Bubsy; dourados, para Woolie e átomos (?), no caso de Virgil —, além de três fragmentos da moeda de Arnold para serem coletados. Não se trata de encontrá-los, já que todos eles normalmente estão bem visíveis ao longo do trajeto fixo da fase. Ao invés disso, os coletáveis exigem que o jogador adote os caminhos mais trabalhosos em cada local, como saltar entre motoserras ou enfrentar um-a-um uma linha de inimigos que poderia facilmente ser pulada, para serem adquiridos.

A presença de três checkpoints em cada fase facilitam bastante a tarefa, dividindo-a em parcelas mais palatáveis para os jogadores menos habilidosos (ou pacientes - já que há um limite para o número de vezes em que você aguenta ouvir Bubsy choramingar a mesma piadinha antes de tentar de novo).



Embora o level design e os visuais em geral estejam abaixo do que foi visto na série Runner, os controles continuam precisos e responsivos. Esse é um daqueles jogos em que até podemos nos irritar com determinado obstáculo, mas sabemos com 100% de certeza que a culpa da falha foi toda nossa. É essa precisão que dá ao game a liberdade de explorar relativamente bem mecânicas tão básicas por mais de 100 fases, mesmo que no final das contas o balanço final seja uma experiência um tantinho repetitiva.

Coletando os três fragmentos da moeda de Arnold com todos os três personagens, o bonus stage relativo ao nível em questão torna-se disponível. Absurdamente frustrantes, essas fases me trouxeram flashbacks pós-traumáticos de Sonic 2, o que provavelmente depõe a favor de sua intenção. A movimentação do tatu pelo tubo é um tanto mais descontrolada do que nas sequências 2D, o que faz com que esses desafios sejam mais sobre agilidade em meio ao caos do que na precisão do uso de movimentos.



No total, o jogo consegue explorar relativamente bem suas mecânicas minimalistas, ainda que a falta de mais variedade se faça presente  —  o que é especialmente preocupante em uma experiência tão curta. Apesar de tecnicamente trazer mais de 100 fases, na prática temos apenas três ambientações diferentes, com pouca variação tanto de visuais quanto de jogabilidade entre si.

Momentos como a breve visita a um aquário no mundo com temática de zoológico ou a transição entre os dois primeiros mundos mostram que a fórmula explora melhor seu potencial quando nos pega de surpresa e muda as coisas o suficiente. Infelizmente, essa é mais a exceção do que a regra aqui, o que desanima mesmo que levemos em conta que a ideia é reprisar as fases indefinidamente em busca dos sonhados 100%. Ao menos a boa trilha sonora ajuda a evitar a total monotonia.



Seria injusto dizer que o level design do jogo é propriamente ruim: trata-se sobretudo de um problema de falta de variedade. Inimigos (e até mesmo segmentos inteiros de obstáculos) são repetidos com frequência. Entre um mundo e outro, é fácil perceber que determinados obstáculos não são nada além de uma reskin de um elemento já conhecido.

Quando algo realmente novo é introduzido (como os alienígenas gelatinosos que se dividem quando acertados com um pulo, ou mesmo os excelentes combates contra chefes) e "refresca" a experiência, vemos o verdadeiro potencial da fórmula que não chega a ser explorado por inteiro aqui. Isso deve ser um balde de água fria especialmente para os fãs de Bit.Trip em busca de um sucessor espiritural à altura de Runner 3.


Existe vida após o meme?

Assim, a proposta inusitada de um reskin de Runner com temática do gato azarado acaba tendo como resultado um jogo sólido, ainda que apenas razoável, que acaba ficando a apenas alguns passos de conseguir a façanha de ser efetivamente um bom jogo de Bubsy.

Se os controles precisos e a experiência bem balanceada e divertida por si sós já fazem com que o game tecnicamente seja um destaque dentro da biblioteca de títulos do personagem, o fato é que Bubsy: Paws on Fire! acaba ficando no meio do caminho entre revisitar a fórmula de Runner e reinventar Bubsy e sua turma de forma realmente inovadora.



Mesmo com a jogabilidade tão claramente semelhante, o game acaba por diferir de seus predecessores de Bit.Trip ao não apresentar o mesmo nível de detalhe e inventividade no level design e na sua identidade audiovisual como um todo. 

Com isso, apesar de ser um jogo bastante decente e capaz de divertir os entusiastas de um bom runner, a entrada não deve agradar muito nem aos fãs da série Runner nem aos "fãs" de Bubsy: sejam estes os que possuem alguma relação nostálgica com a franquia e permanecem na esperança de que seja "feita justiça" com o personagem, sejam eles os apreciadores do meme interessados em uma abordagem auto-satírica e inspirada dele. Deu menos errado do que o normal  —  mas ainda não foi desta vez, meu caro felino!

Prós

  • Jogabilidade precisa e bem responsiva;
  • Mecânicas simples e viciantes;
  • Desafio de completar 100% dos colecionáveis pode divertir (e frustrar) por muitas horas;
  • É o melhor jogo de Bubsy até hoje.

Contras

  • Pouca variedade de cenários;
  • Obstáculos repetitivos;
  • Level design apenas mediano não explora totalmente o potencial da fórmula;
  • Extensão curta até mesmo para um jogo de pequeno porte.
Bubsy: Paws on Fire! — PC/PS4 — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PS4
Análise produzida com cópia digital cedida pela Accolade

é gamer pra todo jogo, mas tem predileção por títulos retrô e um bom e velho JRPG. Sonic, Donkey Kong Country, Ratchet & Clank, Final Fantasy e Disgaea são algumas das séries que formaram a paixão pelos games, desde que ganhou seu Mega Drive, muitos (nem tantos!) anos atrás. Além de escrever para o Nintendo Blast e Game Blast, pode ser encontrado tagarelando no Plano Crítico.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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