Gris: o jogo indie que mostra como contar uma história sem dizer uma palavra

O maior sucesso do Nomada Studio conta a jornada de uma garota aprendendo a lidar com o luto e se tornou um dos jogos independentes mais elogiados.

em 07/07/2025
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Após alcançar seu merecido reconhecimento, conquistando o prêmio de jogo mais impactante no The Game Awards de 2019 e acumulando uma nota de 83 no Metacritic, Gris conseguiu se tornar um título conhecido e adorado, mesmo sendo desenvolvido por um estúdio de games independente. E é difícil de acreditar que um jogo com esse currículo não possui um diálogo, monólogo ou sequer uma palavra dita por toda a sua duração.

Por ser um jogo com tanto simbolismo e tantas metáforas, cada jogador consegue chegar a suas conclusões e tirar o que acha pertinente do jogo; então opiniões variam, porém a comunidade de fãs dessa obra possui um consenso geral sobre sua temática.

Gris e o processo de luto

Com as pistas que o jogo nos dá, podemos perceber que sua temática envolve o luto, mais especificamente o luto que Gris passa após a perda de sua mãe, representada por uma estátua enorme que é um ponto de interesse recorrente no jogo. A jornada mostra como ela passa de uma garota calma e expressiva, através de seu canto melódico, para uma garota confusa e perdida, que teve seu chão tirado de baixo de seus pés com a morte de sua mãe. 

No decorrer do jogo, atravessamos junto com a personagem as cinco fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação; transicionando entre elas em meio a uma explosão de emoções de Gris. Assim, ela fica sobrecarregada e, após tentar se acalmar, “infecta” o cenário com cores específicas dependendo da fase representada, que age como um momento simbólico para passar de nível. E com isso ela busca se reestruturar e retomar um rumo para sua existência, buscando um novo normal.

Vazio/Perda

Antes de Gris começar a processar o luto, temos a introdução do game, caracterizada pela falta de cor, com um cenário sem graça e sem vida, que, acompanhado da trilha calma e de uma linguagem corporal apática e abatida da personagem, cria um sentimento de vazio e tristeza no jogador, levando-o à conclusão de que aquela figura que a segurava durante os primeiros segundos de gameplay já não está mais ali presente.

Outro fator essencial desse começo é como o jogo trata a voz da personagem, em que Gris canta livremente, expondo suas emoções. Com a quebra da estátua e, na teoria, com a morte de sua mãe, a personagem perde completamente a habilidade de cantar e, mesmo quando tenta se expressar, sua voz não sai, ajudando a formar uma aura de morte e perda em toda a cena, que é engolida pelo silêncio.

Negação/Raiva

As primeiras fases do jogo são a negação e a raiva. Após um prelúdio marcado por um sentimento de vazio, chegamos às mãos da, agora destruída, estátua que representa sua mãe. Gris não consegue conter tantas emoções, então leva suas mãos ao rosto e sofre uma explosão de sentimentos, espalhando tons de vermelho por todo o cenário e alterando sua paleta de cores, agora mais quente — primeiro modo que o jogo usa para representar a raiva. 

Seguindo em frente, nos deparamos com um cenário arenoso, com uma leve brisa. Após alguns segundos, a trilha sonora transiciona para algo mais agitado, com ventos fortes no cenário que derrubam Gris, representando uma onda de raiva incontrolável em sua mente e desfazendo seu progresso.

Progredindo um pouco pela fase, Gris adquire a habilidade de se transformar em um bloco, que aumenta seu peso, mas que prejudica sua velocidade. Agora com essa técnica, o jogador consegue resistir ao vento sem precisar se abrigar, o que representa, talvez, uma maneira que a personagem encontrou para lidar com a raiva que sua experiência lhe causa, em que ela nega seus sentimentos e apenas segue em frente, até finalmente encontrar as mãos da estátua novamente. Novamente lidando com seu turbilhão de emoções, Gris explode emocionalmente.

Barganha

É preciso admitir que esta é a sessão mais difícil de se conectar com a narrativa das cinco fases do luto, porém ainda existem algumas simbologias que podem sim estar ligadas a barganha. Esta seção é caracterizada pelos seus tons vibrantes de verde, uma possível ligação com o conceito de vida se relacionada com a teoria das cores, que vêm com a mudança de tonalidade do cenário, junto com o crescimento de uma fauna ao redor de Gris, transformando o que eram dunas em uma floresta rica e vivente.

Neste capítulo, encontramos uma pedrinha com vida, nomeada pela comunidade de “amigo da floresta”, que passa a acompanhá-la, inicialmente com medo. Porém, conforme o ajudamos a coletar frutas, ele começa a confiar em Gris, trazendo a primeira conexão com outra figura viva que temos no jogo. Esta parte pode ser um símbolo para a barganha, já que buscamos uma conexão com uma figura pequena e indefesa, parecida com um filho, em que buscamos ignorar o luto que estamos passando no momento. 
Outro ponto alto que chega pelo fim desta parcela do jogo é o encontro que temos com um pássaro negro gigantesco, que segue Gris pelo cenário enquanto tenta derrubá-la. Uma interpretação que podemos tirar desse personagem é que ele representa o acontecimento em si, a morte da mãe de Gris, que a persegue e tenta evitar sua superação, com uma força que ela ainda não tem nenhuma chance de superar. Com apenas sinos espalhados pelo cenário, conseguimos prosseguir, algo que indica ser uma metáfora para como às vezes é preciso gritar mais alto que as vozes em nossa cabeça que tentam nos segurar. 

Depressão

Com mais uma crise sentimental de Gris, o cenário é dominado por tons de azul e por uma chuva, imediatamente criando um tom melancólico. Logo no início, a personagem deve pular da estátua de sua mãe, para uma queda enorme, até uma lagoa, representando o começo da queda de Gris para o ponto mais baixo de todo o processo de luto: a depressão. O cenário é mais escuro. A música mais lenta e o efeito sonoro de chuva causam uma sensação de pesar no jogador. 

Após uma breve seção com puzzles, o jogador encontra um buraco, onde, após uma grande descida, se vê o que o jogo tem de mais próximo de uma fase aquática. Porém, não estamos em uma fase aquática típica da série Mario Bros. Aqui, o cenário é consumido pela escuridão, com paredes negras, um mar escuro com um tom denso. Em meio a uma trilha lenta e pesada, nos sentimos, junto com a personagem, no fundo do poço. 
Conseguimos outro poder nesta parte: agora podemos nadar muito mais rapidamente e eficientemente; e, com isso, Gris chega cada vez mais fundo, mergulhando cada vez mais e mais no esgotamento e no estresse, até alcançar uma estátua, com uma mulher em queda livre, que simboliza essa queda repentina e desesperadora até o fundo do poço.

Essa estátua não é uma parte do jogo principal, não sendo um ponto necessário para zerarmos o game. É um toque especial que mostra que é possível, através de muita tentativa, não chegar ao fundo do poço da depressão e não ficar em queda livre sem esperanças. Quando Gris encontra essa estátua, o jogador conquista a propriamente nomeada “depressão”.

Aceitação

Mesmo chegando ao fundo do poço, conseguimos escapar e retornar à superfície. E após uma série rápida e única de puzzles, desbloqueamos a última habilidade do jogo — e a minha favorita —: Gris recupera a capacidade de cantar, ecoando a mesma melodia que cantava na abertura do jogo, com sua mãe, um momento belíssimo que faz o jogador refletir até onde chegou, principalmente quando comparamos com a seção anterior. O cenário é banhado por um tom de rosa leve, representando o amor que finalmente recupera. Seu canto agora cria vida ao seu redor e, enfim, ela consegue se expressar de uma maneira própria. 

Tudo tem a sensação de apenas uma volta da vitória, onde coletamos as últimas peças que precisamos antes de conseguirmos finalizar o jogo e alcançar os céus, para Gris seguir assim seu próprio caminho. Porém, após mais alguns puzzles, temos um último encontro com o pássaro negro. Contudo, desta vez, ele assume uma forma peculiar.
O vazio, a escuridão que a enfrentava, assume uma forma como a dela, assim escancarando como todos os problemas que ocorriam vinham de sua própria cabeça. Seus sentimentos que não eram comunicados tentavam a arruinar, e Gris é forçada a encarar que quem mais a machucava nesses últimos capítulos era ela mesma, seus próprios pensamentos que foram ocultados. Mas, agora que reconhece sua fraqueza, pode por fim seguir em frente.

Sequência Final

Os últimos momentos deste jogo mostram como se trabalhar durante um processo que demanda tanto compensa, já que Gris tenta finalmente seguir em frente, se reconectando com sua mãe apenas através de memórias e percebendo que isso para ela é o suficiente. E mesmo com a escuridão e o luto tentando impedi-la, seu canto e sua conexão com sua mãe são fortes o bastante para prevalecer e superar. 
Assim, o mundo ganha sua cor certa novamente, tudo parece completo e Gris finalmente relaxa, abraça a estátua de sua mãe e literalmente segue em frente, seguindo a estrada que construímos com estrelinhas coletadas durante o jogo; ou seja, seguindo o caminho que ela mesma trilhou durante essa jornada, aceitando que o futuro não será o mesmo e aceitando que viverá um novo normal.

Revisão: Ives Boitano

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Mark Strutsel
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