Criado pela desenvolvedora alemã Sockrates Lab, Ruffy and the Riverside chegou a ser cadastrado no Steam ainda em 2018. Teve também lançamento previsto para 2021, o que passou longe de acontecer, já que aconteceu apenas agora, em 2025. Olhando notícias de quatro anos atrás, dá para ver que o jogo já tinha sua proposta de trocar texturas em plataforma 3D, mas mudou muito desde então, tanto em visual quanto em história. Sinceramente, a impressão é de que mudou para melhor.
“Paper Banjo Ruffy 64 HD”
Esteticamente, Ruffy and the Riverside faz uma mistura curiosa. É como se os jogos tridimensionais da virada do milênio tivessem belas texturas desenhadas artesanalmente, com linhas riscadas à mão e o colorido vívido de canetas e marcadores. Em seus segmentos mais bonitos, alguns modelos até ficam com um efeito 2D semelhante ao cell shading.
O que é realmente 2D são os personagens, todos construídos como recortes de papel animados. O próprio Ruffy é um urso hiperativo que fica em loop de animação constante e não consegue fechar a boca, sempre com um sorrisão sem dentes aparentes. Sim, ele é mesmo um urso de capuz e luvas; se tivesse nariz, talvez parecesse mais com o bicho.
É um conjunto bastante interessante que consegue ao mesmo tempo remeter ao estilo dos primórdios do gênero de plataforma 3D, especialmente Banjo-Kazooie, aproveitar a ideia de folha de papel de Paper Mario e ainda aplicar uma camada de tinta moderna que dá ao jogo uma aparência única e bastante agradável.
Mesmo assim, Ruffy and the Riverside peca por uma certa mesmice temática. Boa parte dos elementos visuais já são vistos na primeira hora de jogo e aparecem de forma recorrente. Os lugares não são exatamente iguais, mas não surpreendem ao reutilizar as mesmas árvores, barrancos de pedra, gramados e riachos. Faz falta aquela expectativa gostosa de pensar “como será a próxima área?” de quando desbloqueamos um novo mundo.
Para compensar um pouco, podemos criar nossos próprios ladrilhos de texturas, montando padrões de 4x4 a 32x32 pixels, como é possível ver na imagem abaixo (usei 16x16 pixels). A ferramenta tem recursos limitados, mas é uma boa adição.
“Hey, listen!”
A história recebeu muita atenção, o que pode agradar a alguns pela fantasia criativa e a comédia (em português brasileiro, ressalto) e, talvez, desagradar a outros, especialmente quem não gosta de muita leitura interrompendo sua ação de plataforma 3D.
Os diálogos são frequentes e expositivos, querendo explicar em detalhes muito do que acontece naquele mundo amalucado em que ursos usam rolos de feno como meio de transporte, os mundos são bolas de gudes para os filhos dos deuses brincarem e o vilão é um cubo mágico sombrio que quer roubar os pedaços das tais bolas de gude que estão espalhados por aí.
Sendo elementos da própria criação, as bolas de gude (que não são esféricas) lançam um campo de troca ao seu redor, alterando a condição da realidade das coisas: água pode virar lava, gelo, pedra etc., em um loop contínuo movido pela energia infinita desses artefatos.
Ruffy tem o mesmo poder: ele pode trocar as coisas, transformando uma na outra. Assim, a troca é o eixo central da história e da gameplay, sendo o outro fator além da estética sobre o qual Ruffy and the Riverside busca construir uma identidade única.
Mudando o mundo, uma troca de cada vez
Na teoria, a mecânica é um simples “Ctrl+C e Ctrl+V”: com um botão Ruffy mira e copia uma textura e, com outro, ele mira e a cola em outro lugar. A prática também segue essa simplicidade, então o que realmente importa é a criatividade nas maneiras de usá-la para interagir com o ambiente. Ou seja, temos um puzzle platformer em mãos.
A parte de puzzles é de leve, com objetivos claros e variados: reordenar as partes de uma figura, copiar texturas com setas para mover objetos, alterar as cores, modificar o tipo de terreno e coisas do tipo. Sempre há personagens por perto para conversar e dar alguma luz sobre o objetivo dos puzzles ou até vender a solução em troca de algumas moedas.
A intenção não é ter tanta liberdade ao ponto de deixar a pessoa que joga inventar suas soluções e alterar o mundo inteiro. Cada objeto alterável tem apenas algumas opções de texturas que funcionam com ele, o que é bom para não deixar a pessoa perdida com dezenas de possibilidades, mas não deixa de ser uma restrição do conceito principal. As regras são fixas e as possibilidades são direcionadas pelo design do jogo, então não espere a versatilidade profunda de um immersive sim.
Creio que a limitação da variedade visual é consequência direta da dinâmica da troca, uma vez que, suponho, seria mais complicado gerenciar a ideia com texturas e modelos novos em cada região.
O mundo em si é bastante aberto e podemos começar a explorar e descobrir colecionáveis sem termos sequer terminado a introdução. Isso é uma boa válvula de escape para quem não gostar do lado tagarela da história e quiser ir logo dar seus pulos por aí. Portanto, dá para alternar a progressão nos objetivos principais com a diversão de plataforma em mundo aberto, sem ficar preso a um único formato.
Há muitas coisas para encontrar, como pedras do sonho, borboletas e criaturinhas fofas, sempre com bastante contexto. Ruffy and the Riverside faz tanta questão de dar sentido aos detalhes, que cada borboleta entregue ao estudioso tem uma pequena descrição sobre seus hábitos.
Às vezes, a quantidade de pequenos puzzles espalhados dão a sensação de distrações dispersas. Com o avançar da campanha, o ritmo vai ficando mais natural e até conseguimos um meio de transporte que anda mais rápido (rolar em um fardo de feno radical é a moda entre os ursos), facilitando as muitas idas e vindas pelo mundo aberto central a caminho das fases das laterais.
Sabe o que realmente ajudaria nisso? Pontos de viagem rápida. Não, Ruffy and the Riverside não tem esse recurso e seria bom ao menos que pudéssemos voltar à cidade de Riverside automaticamente sempre que quiséssemos, uma vez que esse trajeto é realizado periodicamente nos momentos-chave da campanha. Mesmo que não seja exatamente um problema, passar pelas mesmas trilhas é repetitivo. Ela nem mesmo tem uma posição central, ficando localizada no extremo sul do mapa.
Trocando a normalidade por umas horas de diversão
Ruffy and the Riverside é uma boa incursão no gênero de plataforma 3D, destacando-se por uma mistura estética bem-feita e uma proveitosa mecânica central de trocar texturas para alterar o mundo, resolver puzzles, progredir na campanha e obter as dezenas de colecionáveis disponíveis. Esses dois aspectos são os pontos altos do jogo e, ainda que seu potencial de experimentação não seja plenamente executado, tornam a experiência única, agradável e divertida.
Prós
- A boa abertura do mundo dá liberdade de exploração;
- A mecânica central de troca é divertida e os ambientes são construídos para poder usá-la de formas variadas;
- O visual agradável é uma mistura de estilos bem-sucedida e vibrante;
- Cada pedaço do mundo de fantasia juvenil tem contexto e explicação;
- Textos em português brasileiro.
Contras
- Os muitos diálogos da história podem ser sentidos como interrupções indesejadas;
- O poder de troca não usa todo seu potencial de versatilidade;
- Há pouca variedade estética entre as diferentes regiões do mundo aberto e as áreas que o cercam;
- O mundo aberto deveria ter pontos de viagem rápida para agilizar as idas e vindas.
Ruffy and the Riverside — PC/PS5/XSX/XBO/Switch — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Phiphen Games