Mega Drive e o poder de seu chip sonoro YM2616

Em uma era em que cada espaço contava, a Sega utilizou de um hardware bem diferente para seu console de 16 bits.

em 25/01/2025
No início da história dos consoles de videogame, cada avanço técnico representava um marco para a indústria. Recursos adicionais, como maior capacidade de reprodução de cores na tela, a possibilidade de manipular elementos gráficos em tempo real ou mesmo exibir planos de fundo detalhados eram celebrados como grandes evoluções.

Além dos avanços visuais, as melhorias na qualidade sonora também foram significativas, culminando no cenário atual, onde praticamente não há limitações para o áudio nos jogos. Contudo, em uma época em que um único kilobyte de memória custava caro, cada console lidava com suas próprias restrições ao oferecer uma experiência sonora que cativasse os jogadores.

É nesse contexto de peculiaridades tecnológicas que revisitamos o YM2612, o icônico chip sonoro do Mega Drive. Conhecido por seu som metálico e envolto em certa infâmia, ele se destacou por entregar uma sonoridade única e marcante no mercado de consoles domésticos.

O que é o YM2612?

Antes de abordarmos o hardware sonoro do Mega Drive, é importante compreender, resumidamente, como o sistema de áudio funciona. O console conta com dois chips de som, sendo o principal o Yamaha YM2612, um sintetizador FM. A sigla FM significa frequency modulation (modulação de frequência) e se refere a uma técnica que combina frequências em forma de ondas. Quando tocadas simultaneamente, essas ondas criam uma ampla variedade de timbres.

Esse tipo de sintetizador ganhou enorme popularidade na década de 1980, especialmente em teclados da própria Yamaha que patenteou a tecnologia. O som metálico e distinto, característico dessa tecnologia, era considerado moderno e foi amplamente adotado em músicas pop e eletrônicas dos anos 1980.

Nos videogames, os sintetizadores FM foram utilizados no mercado de arcades por empresas como Konami, SNK, Capcom e a própria Sega. Eles ofereciam um meio-termo entre os chips PSG (Gerador de Som Programável) e os chips PCM (focados em amostragem) — com o último usado em conjunto com FM em muitos casos.

Além do YM2612, o Mega Drive também possui o SN76489, um chip sonoro herdado do Master System, pois o 16 bits é retrocompatível. O SN76489 é um PSG que opera com conjuntos limitados de notas predefinidas, diferenciadas pelo formato das ondas. No caso desse chip, as ondas têm formato quadrado, resultando em notas com início e término mais abruptos.

O chip da Texas Instruments deixou de ser protagonista para ajudar nas melodias do Mega Drive.

Ambos os chips possuem um número limitado de canais para a reprodução de sons. O YM2612 conta com seis canais, enquanto o PSG do Master System oferece três canais e um dedicado a ruídos. Juntos, esses chips precisavam dividir espaço entre a música e os efeitos sonoros, e como essas limitações eram administradas variava de acordo com a criatividade e competência de cada desenvolvedora.

Colocando exemplos na mesa de som

Para simplificar toda essa tecnicidade, podemos pegar duas formas de como o Mega Drive trabalhava seu áudio FM. A primeira forma é utilizar apenas a capacidade de modulação de frequência para criar as músicas, algo que muitos jogos de primeira geração do console usavam. Vamos usar como exemplo Altered Beast e a música da primeira fase, Rise from Your Grave (impossível não ler isso na voz de Zeus).

Toda a trilha sonora do título é feita utilizando apenas o FM, e sua eficácia depende do conhecimento do desenvolvedor. Apesar de a modulação de frequência oferecer mais liberdade de instrumentos, alguns sons como percussão podem se tornar um desafio para alcançar o impacto de uma amostra digital de bateria.

Por outro lado, o YM2612 também permite o uso de amostragem de maneira bastante específica. O sexto canal do chip pode ser dedicado à reprodução de amostras PCM, possibilitando a incorporação de samples junto à música, além de vozes, quando necessário. Um exemplo disso pode ser visto na trilha sonora de Teenage Mutant Ninja Turtles: The Hyperstone Heist e o tema Skull and Crossbones.

A principal vantagem de reservar o canal PCM é que as amostras podem ser tocadas simultaneamente com os outros canais. Entretanto, esse recurso não pode ser usado como sintetizador enquanto reproduz samples, pois a modulação FM precisa ser pausada. Se isso não acontecer, podem surgir problemas como o congelamento de notas ou falhas na amostragem.

Se você já notou que alguns jogos do Mega Drive interrompem a música para reproduzir vozes, isso ocorre porque esses títulos utilizam exclusivamente a modulação de frequência. Para que o sexto canal possa ser usado para samples, é necessário pausar todo o chip temporariamente, processar o áudio, e só então retornar ao funcionamento normal.

Com os diversos modelos do console, o chip sonoro foi recebendo revisões de desempenho flutuante, alterando a sonoridade em cada versão.

Falando de música

Em sua biblioteca de mais de 600 jogos lançados, o Mega Drive trouxe uma rica seleção de trilhas sonoras que embalaram aventuras inesquecíveis nos 16 bits. Contudo, a forma como o som era reproduzido para os jogadores variava bastante em qualidade, uma vez que o áudio FM podia se tornar uma verdadeira faca de dois gumes.

Os compositores japoneses, em especial, demonstravam grande habilidade ao programar suas músicas no console, principalmente devido à familiaridade com sistemas que utilizavam o mesmo tipo de sintetizador.

É impossível falar dessas grandes obras sonoras sem mencionar Yuzo Koshiro. Sua estreia no Mega Drive aconteceu com The Revenge of Shinobi. Misturando instrumentos orientais simulados com precisão no sintetizador e uma pegada pop, Koshiro criou a primeira trilha sonora impressionante do console em seu primeiro ano.

China Town (The Revenge of Shinobi, 1989)

Embora Koshiro tenha trabalhado em outros jogos do Mega Drive, seu destaque absoluto veio com a trilogia Streets of Rage. Inspirado pelo sucesso do eurobeat, Koshiro produziu faixas que se casaram perfeitamente com o aspecto eletrônico da sonoridade FM, dando uma identidade única ao gênero beat 'em up.

Dilapidated Town (Streets of Rage, 1991)

Go Straight (Streets of Rage 2, 1992)

Outro exemplo brilhante de uso do chip sonoro foi a franquia Sonic the Hedgehog, que entregou sucesso atrás de sucesso em sua quadrilogia original e em Sonic 3D Blast. A trilha sonora de Sonic poderia facilmente ocupar um texto inteiro.

Os dois primeiros jogos tiveram suas trilhas compostas por Masato Nakamura, membro da banda de J-Pop Dreams Come True. Nakamura criava as músicas em um sintetizador externo, enquanto Hiroshi Kubota fazia um trabalho magistral em adaptar as melodias para o FM.

Star Light Zone (Sonic the Hedgehog, 1991)

Ending Theme (Sonic the Hedgehog 2, 1992)

Já Sonic 3 é um caso à parte, com o suposto envolvimento de Michael Jackson (ou pelo menos de sua equipe) na composição. Com cada fase apresentando duas variações musicais, Sonic 3 & Knuckles está, sem dúvida, entre as cinco melhores trilhas sonoras dos 16 bits.

Launch Base Act 1 (Sonic the Hedgehog 3, 1994)

Além dos jogos mais populares, existem obras menos conhecidas que merecem destaque. Um exemplo é Time Trax, um título não lançado baseado em uma série de TV. Com o vazamento do jogo na internet nos anos 2000, pudemos apreciar o trabalho de Tim Folin, um compositor renomado por trilhas no NES, como Silver Surfer e Pictionary. Usando apenas as capacidades FM, Folin criou uma das músicas mais complexas do console.

Title Screen/Credits (Time Trax, não lançado)

A Technosoft, criadora da série Thunder Force, também se destacou pelo uso magistral do hardware sonoro do Mega Drive. As trilhas de Thunder Force III e IV são energéticas e perfeitamente adequadas à ação frenética dos shmups, sem uso de samples para percussão.

His Behavior Inspired Us With Distrust (Thunder Force III, 1990)

Metal Squad (Thunder Force IV, 1992)

Ainda no universo dos jogos de nave, After Burner II trouxe uma técnica inovadora ao transformar o SN76489 em um canal para reprodução de três samples, com um reservado para bateria. Apesar do som áspero causado pelas limitações do PSG e a necessidade da exploração de um bug do YM2612 para trabalhar em um volume mais baixo, a técnica permitiu a combinação de vozes e percussão de forma impressionante para a época.

Super Stripe (After Burner II, 1990)

O YM2612 também tinha seus truques. Em Street Fighter II: Special Champion Edition, o processador Z80 (herdado do Master System) foi usado para mixar o som, permitindo que dois áudios digitalizados fossem reproduzidos simultaneamente. Isso foi essencial para equilibrar vozes, efeitos sonoros e percussão, otimizando a qualidade geral do áudio — ainda que as vozes raspas resultantes de uma má programação da Capcom, deixassem a desejar.

E o lado ocidental?

Mencionei Tim Follin anteriormente, mas a abordagem ocidental ao som do Mega Drive merece um tópico à parte. Apesar de existirem exemplos negativos no lado japonês, muitos dos casos de sonorização precária no console vieram do desenvolvimento ocidental, devido a uma combinação de fatores.

Além da pouca experiência com moduladores de frequência em videogames, um elemento central dessa questão foi o uso do driver de áudio GEMS (Genesis Engine for Music & Sound Effects). No Mega Drive, os drivers de áudio funcionavam como instrumentos pré-programados que facilitavam a programação musical no sistema. Embora o GEMS não fosse intrinsecamente ruim, sua má utilização resultava em trilhas de baixa qualidade.

Não dá para falar de GEMS sem mencionar um dos exemplos mais notórios de péssimo áudio: Sonic Spinball. A música da tela de opções, com sua “guitarra” estridente e rasgada, é um dos casos mais infames. Embora o jogo tenha algumas faixas interessantes, como Toxic Caves, essa falha sonora é impossível de ignorar.

Options (Sonic Spinball, 1993)
Obs: abaixe o volume antes de ouvir isso, pelo bem de sua audição.

Por outro lado, o GEMS podia ser utilizado de forma magistral. Exemplos como Earthworm Jim e Comix Zone mostram como o driver se destacava quando usado corretamente. A trilha de Earthworm Jim é tão boa que só foi superada pela versão em CD, enquanto o som grunge de Comix Zone casou perfeitamente com a estética do jogo.

New Junk City (Earthworm Jim, 1995)

Episode 1, Page 2-2 (Comix Zone, 1995)

Nem todos os jogos ocidentais dependiam exclusivamente do GEMS. Mortal Kombat 1 e 2 trouxeram trilhas excelentes e são exemplos notáveis da cena europeia de desenvolvimento no Mega Drive. Além disso, Jesper Kyd, que mais tarde trabalharia em Assassin's Creed e Hitman, trouxe uma abordagem experimental e um tanto excêntrica em The Adventures of Batman & Robin, mostrando o potencial do hardware quando explorado criativamente.

Dark Studio (The Adventure of Batman & Robin, 1995)
Obs: Kyd não maneirou na duração das músicas desse jogo.

E vale destacar o desastre sonoro de Rock’n Roll Racing no Mega Drive. Enquanto as versões de clássicos do rock foram convertidas com maestria para o Super Nintendo, a versão para o console da Sega sofreu de uma pobreza técnica tão gritante que ajudou a reforçar a narrativa de que “o áudio do Mega Drive é ruim”. Nem a faixa exclusiva, Radar Love, conseguiu salvar o desastre.

Born to be Wild (Rock'n Roll Racing, 1994)

Para encerrar, temos um exemplo impressionante de multisampling utilizando apenas o YM2612: a música da tela de título de Toy Story. Nesse caso, a CPU principal do console, Motorola 68000, foi usada para realizar a mixagem, permitindo que vários instrumentos fossem reproduzidos em um único canal. O resultado é tecnicamente impressionante, mas interfere no processamento de outras partes do jogo, tornando-se mais uma curiosidade do que um exemplo prático.

Strange Things (Toy Story, 1995)

Hoje, há uma cena ativa dedicada ao hardware do Mega Drive, que explora o potencial do YM2612 com conhecimentos e menos limitações de espaço que nos anos 1980 e 1990. Fãs independentes criam obras impressionantes, mostrando o que o chip pode fazer com a abordagem moderna. Abaixo, deixo alguns exemplos desses projetos para quem quiser explorar.

A complexidade da flexibilidade

Claro que poderíamos citar muitos outros exemplos distintos — o que pode render uma parte dois no futuro —, mas foi possível demonstrar o potencial do YM2612 e o que ele é capaz de executar nas mãos certas. Esse chip sonoro é, sem dúvida, um dos maiores representantes de uma era marcada por limitações técnicas, que, paradoxalmente, impulsionaram a criatividade dos compositores e resultaram em trilhas sonoras atemporais no Mega Drive.

Sakura (Shinobi III: Return of the Ninja Master, 1993)

Menção a um dos meus jogos favoritos da vida e uma das trilhas responsáveis por moldar meu gosto musical.

Revisão: Beatriz Castro
Referências: The Coppeti site, Sega Retro

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Alecsander "Alec" Oliveira
Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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