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Análise: Outward (Multi) é uma incrível jornada de liberdade, perigos e sobrevivência

A união entre Dark Souls e Zelda: Outward surpreende bastante com alto nível de desafio e mecânicas inteligentemente detalhistas.

Desenvolvido pela Deep Silver e lançado no final de Março, Outward (Multi) está cada vez ganhando mais espaço entre os jogadores principalmente no “boca a boca” da internet. O motivo? Todas as particularidades que fazem deste RPG de sobrevivência um jogo fantástico, com mecânicas que fazem ele parecer uma junção entre a franquia Dark Souls e The Legend of Zelda, com umas pitadas de The Witcher e Monster Hunter aqui e ali.


O game é um RPG em mundo semi-aberto com mecânicas de sobrevivência cheio de artifícios para fazer a sua experiência de jogo ser única. Para início de conversa, não temos o conceito de “morte” ou “game over” que outros jogos possuem, o que aumenta bastante a imersão no universo do game. Além disso, a ausência de níveis e pontos para distribuir, grande variedade de opções para melhoria do personagem e combates desafiadores complementam ainda mais a jogatina. Mas vamos falar de tudo direitinho no decorrer do texto.


Um “zé ninguém” tentando sobreviver

Em Outward começamos o jogo como um sobrevivente de um naufrágio que acaba sendo resgatado e levado para a cidade de nossos descendentes: Cierzo. Aqui, nada de “o escolhido” ou “o herói que encontra a espada que vai salvar o mundo”. Não, somos um ninguém que acaba descobrindo que temos uma dívida com a cidade e, para termos direito a morar lá, temos 5 dias para conseguir uma determinada quantia de moedas de prata para pagar essa dívida. E assim começa o jogo.

Como o foco de Outward é dar uma experiência desafiadora e mais voltada para o estilo “old school” de RPGs, mesmo que inserindo mecânicas mais modernas ao gênero, temos aqui uma ausência total de tutoriais invasivos, o que é ótimo. O jogo está o tempo todo recompensando a exploração dos jogadores, seja com itens espalhados estrategicamente pela cidade, seja com diálogos esclarecedores com NPCs, pois aqui, informação pode ser tão útil quanto uma espada nova.



Mas não pense que ficamos sem objetivo algum como ocorre em muitos jogos sandbox ou de sobrevivência. Na verdade, Outward possui três linhas de missões diferentes de acordo com a guilda que você escolherá participar no decorrer da jogatina. Entretanto, a maior parte dessas missões não tem caráter obrigatório, bem como muitos elementos podem ser feitos fora de ordem.

Assim, o jogo encoraja o jogador a fazer sua própria história, do seu jeito, no seu tempo. Você pode, por exemplo, optar por explorar todo o mundo antes de se ligar a uma guilda específica, ou então usar as missões como “desculpa” para tal exploração. Em outros momentos, o mundo se transforma de acordo com as missões que você faz, como áreas que são revitalizadas após suas atividades ou um vilão em específico que destrói algum lugar pois você não o deteve a tempo.



No final, temos um equilíbrio perfeito entre missões de história e secundárias que dão um horizonte fácil de ser acompanhado pelo jogador e, ao mesmo tempo, uma liberdade tamanha que permite ao jogador fazer tudo ao seu tempo e do seu jeito, dando a cada um literalmente uma experiência única ao se jogar Outward. O que é uma característica excelente.

A morte não é uma opção

Mas toda essa narrativa não seria tão imersiva se não fossem as mecânicas de jogo que são utilizadas de forma brilhante. Como todo bom jogo de sobrevivência, precisamos nos preocupar com alguns pontos básicos do nosso personagem como sede, fome e sono. Porém, Outward vai além nos apresentando algumas características extras como possibilidade de infecção por mordida, envenenamento, indigestão por comer alimentos crus ou beber água suja, resfriado ou pneumonia por frio excessivo, desidratação por calor e muito mais.



Tudo tem uma saída possível e minimamente acessível, bastando o jogador estar atento ao que acontece com o seu personagem. Além disso, todos estes estados possuem algum efeito negativo em seu personagem que obriga o jogador a correr atrás de uma saída para aquilo. Infecções podem piorar e causar um estado de “coma”, sede e fome aumentam a quantidade de dano que você recebe e diminuem sua taxa de recuperação, sono diminuem gradativamente seu total de vida e energia, o que só será recuperado com uma boa noite de sono.

Tudo isso é complementado pela mecânica de “não morte”. Isso porque nosso avatar não é morto em combate e aparece uma tela para retornar no último ponto de salvamento. Aqui tudo que fazemos interfere na história e possui uma consequência. Assim, nosso personagem, quando derrotado, desmaia e, dependendo de como é derrotado e onde, será levado para um determinado lugar com uma determinada história por trás.



Por exemplo: quando eu estava invadindo um acampamento de bandidos acabei sendo derrotado por eles e um texto apareceu dizendo que fui levado para uma prisão onde fui feito de escravo para ser minerador. Assim, acordei numa cela, dentro de uma mina, com uns trapos e uma picareta, sem nenhum dos meus equipamentos. Dali tive que mudar completamente minha “missão”, pois precisava arrumar um jeito de sair dali e descobrir o que aconteceu com a minha mochila. Felizmente consegui um jeito de acessar meus equipamentos, trocar alguns itens por dinheiro e subornar um dos guardas para me deixar sair dali.

Mas nem sempre o jogo é tão “mau” assim com o jogador. Isso porque em outro momento, acabei caindo de exaustão num deserto por conta do excesso de calor. Dali um ser de uma raça desconhecida me resgatou e me levou para uma caverna com água e comida. Ali também estava a minha mochila com todos os meus equipamentos. Conversando com o ser eu poderia acusá-lo de ser um monstro não humano ou pedir sua ajuda, o que gerava duas situações completamente diferentes no final.



Todo esse estado de “não morte” aumenta consideravelmente a imersão no universo do jogo, além de criar situações quase únicas que nos fazem ter uma experiência bastante singular. Mesmo que ao longo de umas 20 horas de jogo você comece a perceber alguns padrões nos acontecimentos, a mecânica em si não é estragada. Além disso,  o jogo não é punitivo em momento algum, pois, independente da situação na qual você desmaie, é possível recuperar seus equipamentos, basta explorar o suficiente para isso.

Mecânicas detalhistas e brilhantes

Como falamos no início do texto, um dos pilares do jogo são suas mecânicas bem detalhadas para diversas tarefas. Tarefas essas que muitas vezes nem se quer são imaginadas em outros jogos do gênero. Aqui, quando fica de noite, por exemplo, a visibilidade diminui demais, assim como a temperatura. Alguns jogadores vão achar mais compensador desse modo montar uma fogueira e dormir até o outro dia. 



Para isso é preciso juntar gravetos e uma pedra de acender para montar a fogueira, ter um saco de dormir ou tenda para armar próximo (para não sofrer com o frio), mas não próximo demais (para não sofrer com o calor). Pode-se usar um panelão para cozinhar alimentos na fogueira, ferver água ou então apenas ir direto para  a cama, onde temos que escolher quanto tempo ficaremos dormindo e quanto tempo ficaremos de vigília, para diminuir as chances de uma emboscada.

Isso tudo apenas para dormir por algumas horas e recuperar seus pontos de vida e energia. O jogo possui vários sistemas como crafting, buffs e debuffs, iluminação, temperatura, velocidade de movimento, capacidade da mochila, peso que seu personagem aguenta carregar e até bolsos extras que algumas armaduras dão. Tudo influencia tudo no jogo, o que deixa a experiência bem complexa, mas também muito imersiva e divertida.


Sistema de combate desafiador sem ser punitivo

Outro aspecto muito relevante de Outward são os seus combates. Nas primeiras experiências de jogo já é possível fazer associações muito claras com o gênero Souls Like. São combates mais estratégicos, mesmo que em tempo real e totalmente dinâmicos. Independente dos seus itens, pontos de ataque e defesa, não é nada inteligente sair balançando a sua arma sem nenhuma tática contra qualquer inimigo. Isso porque em Outward, basta dois ladrões aparecerem ao mesmo tempo que as coisas podem ficar verdadeiramente complicadas. Três inimigos juntos então, é preciso uma maestria sem igual com o sistema de combate para superar o desafio sem danos fatais.

O interessante é que a experiência de combate aqui vai para além de ter uma armadura boa e uma arma implacável. Ter noção de quando atacar e quando defender, saber a movimentação básica de cada inimigo, fazer os preparos certos de poções com bônus de dano e resistência, encantar a arma com um elemento que te dê vantagem contra o inimigo a ser enfrentado… tudo conta para o sucesso do combate. Tanto que um jogador novato, mesmo com o personagem de um jogador veterano nas mãos, não vai fazer muita coisa, pois a experiência pessoal de cada jogador conta bastante na desenvoltura dos combates.



Junte a isso o fato de que cada tipo de arma tem uma mecânica diferente de movimentação e tempo de ataque, armaduras possuem porcentagens complexas de defesa, resistência, bônus e fraquezas de movimentação e temperatura e muito mais. Tudo isso junto faz com que os combates sejam realistas, desafiadores e bastante instigantes. Como a mecânica de “não morte” já explicada impede o jogo de ser demasiadamente punitivo, a complexidade dos combates dão o equilíbrio perfeito, instigando e amedrontando os jogadores ao mesmo tempo.

Visual e sons que enriquecem a experiência

O que seria de um RPG de fantasia medieval sem seus aspectos visuais e sonoros não é mesmo? E nesses quesitos Outward não deixa nada a desejar. Mesmo que a primeira vista a criação dos personagens seja um tanto limitada, a ambientação e trilha sonora compensam consideravelmente na conta final da experiência de jogo (até porque a última coisa que você ficará prestando atenção é no rosto do seu personagem).



O jogo é muito bem otimizado e com configurações suficientes para rodar em uma vasta gama de configurações no PC. Já nas configurações visuais máximas e nas suas edições para consoles, o jogo esbanja cores, sombras e luz em um ambiente muito rico em detalhes, movimentação e visibilidade. O game possui um traço único que lembra uma mescla de texturas das franquias Monster Hunter e Dark Souls com as cores de The Legend of Zelda.

Complementando todo esse riquíssimo ambiente dinâmico temos também uma trilha sonora fantástica que enche nosso ouvidos com trilhas orquestradas que dão sentimentos convenientes para os ambientes nos quais estamos. Cavernas e masmorras escuras possuem músicas que causam ansiedade, vastos campos tem épicas músicas de exploração, o deserto possui toques de violão que misturam uma aura do oriente médio com toques de sertão brasileiro (acreditem se quiser) e claro que os combates possuem sua música própria com tons certos para nos deixar tensos. Visual e trilha sonora sempre conversam muito bem nesse jogo, passando as emoções e sentimentos certos para que o jogador tenha uma experiência completa. 


Melhor ainda com um amigo

E por falar em experiência completa, Outward funciona muito bem no single player e conseguiu me prender por mais de 50 horas sem um companheiro ao lado. Entretanto, quando temos a opção de jogar com um amigo, seja com a tela dividida no local multiplayer ou online com outro colega que possua o jogo, as coisas conseguem ficar ainda melhores. Isso porque, mesmo que o jogo funcione de forma excelente individualmente, ele foi pensado para ser jogado em dupla.

Isso faz com que a experiência multiplayer dele seja fantástica. Explorar o mundo, acampar, desbravar cavernas, enfrentar monstros e descobrir tesouros em dupla é muito mais divertido e imersivo, dando ainda mais a sensação de estarmos em um RPG de mesa. Fazemos nossas próprias aventuras ou seguimos com a campanha do jogo, tudo depende do que você quer fazer no momento. Mas, independente do que faça, jogar em equipe é muito mais divertido.



Infelizmente, certos elementos da jogatina em dupla estão um pouco confusos ainda, mas devem ser ajustados em futuras atualizações. Itens únicos de missões, por exemplo, ficam acessíveis somente para um jogador, dando pouco incentivo para que jogadores em dupla façam missões principais do jogo juntos. Felizmente, o sistema de multiplayer lembra o da franquia Borderlands, com cada jogador tendo como “save” seu próprio personagem, fazendo-o migrar entre o próprio mapa o mapa dos amigos, levando e trazendo equipamentos e itens consigo.

Alguns problemas que impedem a perfeição

Infelizmente Outward possui alguns probleminhas que me impedem de falar que o jogo é perfeito, mesmo que ele chegue muito perto disso em alguns aspectos. Para início de conversa, temos alguns bugs em quinas específicas do mapa que podem estragar sua aventura. Isso porque alguns poucos encontros de texturas não estão fechados como deveriam e fazem seu personagem cair pelo chão, ficando agarrado eternamente. Só é possível sair dali com o botão secreto de morte instantânea ou esperando ele morrer por outros fatores.



Felizmente isso aconteceu somente duas vezes em mais de 60 horas de jogo. Mas o ideal seria não acontecer jamais. Próximo a este problema, temos também algumas paredes invisíveis que simplesmente não precisavam existir. Árvores tombadas pelas quais não podemos passar por baixo, becos em cidades muito convidativos mas que simplesmente possuem uma parede invisível na frente entre outros. Nos momentos que nos deparamos com algumas dessas paredes, a imersão que o jogo muito bem constrói é quebrada um pouquinho, o que não é bom.

Outro ponto que pode ser considerado como negativo é a quantidade de telas de carregamento que o jogo possui. Em alguns momentos, como ao sair de uma casa para as ruas de uma cidade, não temos essas telas. Entretanto, para dormir, para sair da cidade, para entrar em uma caverna, para consertar equipamentos, para viajar entre dois grandes mapas, quando somos derrotados em batalha, tudo precisa de uma tela de carregamento que às vezes é bastante lenta. O jogo não é semi-aberto exatamente por isso. Os mapas do jogo são bem grandes, dando a sensação de liberdade na exploração, mas existem telas de carregamento entre mapas e para dentro de cavernas, impedindo que chamemos ele exatamente de “mundo aberto”.

Pois é, tem uma parede invisível aqui.


Esses grandes mapas, por fim, podem ser vistos com certo desprazer por alguns jogadores, já que não possuímos recursos de teleporte ou fast travel em Outward. Isso faz parte da ideia de realismo que o jogo possui, com longas jornadas entre cidades e reinos fazendo parte da aventura, assim como a exploração que é sempre muito bem recompensada seja com bons itens para vender ou então com segredos que você jamais descobriria simplesmente indo em linha reta do ponto “A” ao ponto “B”. Porém, não é todo tipo de amante de RPG que vai gostar dessa proposta.

Uma jornada absolutamente incrível

Dentre tudo que apresentamos aqui, não acredito que seja exagero elencar Outward (Multi) como um dos melhores RPGs de 2019. Mesmo com alguns pequenos problemas e sendo uma franquia nova, de um estúdio mediano e com pouca visibilidade; sua originalidade, trabalho bem feito na maior parte do tempo e mecânicas incríveis fazem dele um dos melhores títulos do gênero lançados em 2019, rivalizando mesmo com os grandes AAA do mercado.



Logicamente, assim como os games do gênero Souls Like, Outward não irá agradar a todos. Ele é um jogo denso, altamente desafiador e, mesmo que não seja punitivo, pode ser visto como tal por jogadores que não estão acostumados com esse tipo de proposta. Mas ser voltado para um nicho específico não faz dele um jogo menos incrível. Na verdade, ter coragem de não tentar agradar a todos é uma das características que permitiram que este jogo fosse mais longe do que normalmente vemos atualmente na indústria. 

Prós

  • Visual bem detalhado e colorido salta aos olhos;
  • Mecânicas de jogo complexas e detalhistas agradam bastante;
  • Possibilidades de se concluir missões de várias formas aumenta a dinamicidade;
  • Altamente desafiador mas sem ser punitivo para o jogador;
  • Sensação de estar em uma aventura única é fantástica;
  • Sistema de combate muito bem construído;
  • Trilha sonora estupenda complementa muito bem a experiência;
  • Variedade de cenários, criaturas e equipamentos muito boa;
  • Mecânicas de sobrevivência dialogam bem com o roleplay do jogo;
  • Acontecimentos após "morte" deixam a experiência mais imersiva;
  • Multiplayer local e online funcionam muito bem;
  • Realismo que agrada e causa desafio na medida certa.

Contras

  • Algumas paredes invisíveis que poderiam não existir;
  • Telas de carregamento demais incomodam às vezes;
  • Alguns bugs de cenário que podem atrapalhar a jogatina;
  • Ausência de fast travel pode incomodar alguns jogadores.
Outward - PC/PS4/XBO - Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital adquirida por conta do redator.

Gilson Peres é Psicólogo e Mestre em Comunicação pela UFJF. Está no Blast desde 2014 e começou sua vida gamer bem cedo no NES. Atualmente divide seu tempo entre games de sobrevivência e a realidade virtual.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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