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Análise: Do Not Feed the Monkeys 2099 (PC/Switch): Grande Irmão, vigilância e moralidade

Em um jogo futurista de espionagem, temos a oportunidade de mexer com a vida das pessoas.

Do Not Feed the Monkeys 2099
é uma sequência futurista do “simulador digital de voyeur” chamado Do Not Feed the Monkeys. Cabe ao jogador investigar a vida de várias pessoas, coletando palavras-chave e usando-as para entender melhor os indivíduos que observa, tendo a capacidade de interferir na vida deles.

Uma espiadinha na vida dos outros

Você é apenas uma pessoa comum tentando se sustentar no ano de 2099 fazendo vários bicos. Ou era, até ser selecionado para se tornar membro do seleto Clube de Observação de Primatas. Essa organização secreta tem como objetivo investigar a vida das pessoas, coletando informações sobre elas.

No seu computador, você tem acesso a várias câmeras de vigilância posicionadas em diversas localidades sem que as pessoas saibam. Podemos ver o escritório de uma psicóloga que atende uma artista esnobe, um escritor tentando criar um filme após abandonar a produção de uma série popular, uma fugitiva que conserta robôs, entre vários outros.

Cabe a você entender a rotina de cada indivíduo para poder assistir de camarote às suas conversas, já que o tempo está sempre em andamento e as pessoas só aparecem em momentos específicos. É necessário clicar nas palavras marcadas de amarelo e em alguns objetos para obter “palavras-chave” que podem guiar as interações do jogador.

A ideia do jogo é então cruzar os dados coletados, vasculhar a internet e escolher o que fazer com o que se tem em mãos. De tempos em tempos, o Clube faz perguntas como “quem é a pessoa vigiada na câmera X?” ou “qual o nome do planeta em que a pessoa da câmera Y está?”. O jogador recebe dinheiro se responder certo, mas também pode ignorar essas tarefas ou tentar interagir com os observados diretamente.

Em certos períodos de tempo, você é avaliado pela sua contribuição ao clube, mas isso se resume ao aspecto de desbloquear novas câmeras e não à qualidade das respostas dadas. Para obter mais câmeras, é preciso pagar pelo acesso, sendo algo custoso a longo prazo. Falhar nessa missão implica em perder os privilégios de membro do clube (Game Over).

Lidar com cada vez mais câmeras também é um trabalho árduo. O jogo até oferece um indicador de movimento com lâmpadas iluminadas para representar as câmeras que mostram algo acontecendo, mas é necessário ficar alternando entre elas rapidamente para não perder os detalhes em casos de eventos simultâneos. Vale destacar também que o jogador pode ter acesso às gravações em ordens diferentes a cada nova tentativa.

Apenas uma pessoa comum

O aspecto de vigilância em um ambiente distópico é um ponto bem interessante da discussão sobre sociedades modernas e futuristas, tendo sido amplamente debatido sob o prisma do panóptico de Foucault ou em obras ficcionais como 1984 de George Orwell. A ideia é muitas vezes associada à capacidade coercitiva do Estado e o seu esforço de controle.

Porém, no caso de Do Not Feed the Monkeys 2099, entramos no âmbito das sociedades secretas, teorias da conspiração e uma visão mais individual dessa situação. Em vez de trabalharmos para o governo, como em um Papers, Please (Multi), somos convidados a viver como um indivíduo que pode abusar desse sistema para benefício próprio ou se esforçar para manter algum nível de integridade ética.

Nesse sentido, o jogo se esforça para levar em conta a sua própria humanidade, adicionando à simulação elementos como saúde, dinheiro e sono. No papel de uma pessoa comum que apenas tem alguns privilégios por conta da seita, você precisa cuidar de si mesmo acima de tudo. Passar mal e ir parar em um hospital é mais uma forma de receber um game over, assim como ficar sem dinheiro para pagar o aluguel que é cobrado em um período de poucos dias.

Saber gerenciar a sua vida exige que você pegue vários trabalhos de curta duração e se alimente e durma com frequência. Se por um lado isso é uma escolha interessante para reforçar um tom realista da simulação, por outro, o jogo acaba reduzindo as oportunidades que o jogador tem de focar no elemento principal da gameplay.

Saber conciliar as rotinas e coletar as informações essenciais é algo bem complexo e que pode demandar bastante esforço, sendo esse também um atrativo da experiência. O jogo até conta com uma opção de “Modo Relax” que facilita os elementos de simulação, mas ele só é liberado jogando a dificuldade normal até o dia 16, o que é uma escolha inconveniente.

Nessa mesma ocasião, também são liberados um olho mágico para saber quem bate à porta da casa do jogador e o ajuste de tempo para poder acelerar momentos mais demorados da experiência. Um modo sem deadlines chamado de Free Mode também é liberado após comprarmos todas as câmeras no jogo.

Porém, para além dessa questão toda do simulador, o ponto alto da experiência é a capacidade de usarmos os dados para fazer interações específicas. Embora a expressão  “Do Not Feed the Monkeys” seja um código para “Não Interaja com as Pessoas Observadas”, uma regra básica do clube, é possível ignorá-la para explorar múltiplas intervenções com consequências diferentes. Não apenas temos como coletar dados e repassar respostas para o clube, mas podemos também gravar vídeos de algumas pessoas para espalhar fofocas pela internet e conversar com elas diretamente, reforçando o dilema ético da perspectiva do jogador.

Gostaria de mencionar ainda que, assim como seu predecessor, Do Not Feed the Monkeys 2099 não conta com português como opção de linguagem. Por se tratar de um jogo com uma boa quantidade de texto, isso pode ser um problema para alguns jogadores que tenham dificuldade em navegar pelas interfaces em inglês. Outro aspecto que pode ser um pouco decepcionante é a trilha sonora, que é inexpressiva. Na maior parte do tempo, é até difícil notar que ela existe.

Alimente os macacos

Do Not Feed the Monkeys 2099 é um simulador de espiar a vida das outras pessoas, coletando informações sobre elas e tendo a capacidade de intervir. Com uma ambientação futurista distópica bem explorada em todos os elementos do jogo, é uma fácil recomendação para quem tem curiosidade no tópico de vigilância dentro de uma perspectiva da agência individual dentro de um clube conspiracionista.

Prós

  • Ambientação futurista distópica bem explorada através dos vários aspectos do jogo;
  • Sistema curioso de investigação baseado em coleta de palavras-chave e pesquisa na internet;
  • Capacidade de intervenção na vida das pessoas com múltiplas ramificações.

Contras

  • Os elementos de simulação de vida acabam tirando o foco do elemento central do jogo;
  • Trilha sonora inexpressiva e praticamente inexistente;
  • Modo “Relax” desbloqueado apenas após passar pela dificuldade normal.
Do Not Feed the Monkeys 2099 — PC/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Joystick Ventures


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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