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Análise: Melatonin (PC) é uma surreal viagem rítmica por sonhos e anseios

Mergulhe no subconsciente neste belo e envolvente título indie.


O que acontece dentro da mente enquanto estamos dormindo? Melatonin tenta responder a essa pergunta na forma de uma aconchegante aventura de ritmo. Durante diferentes noites de sono, atravessamos desafios surreais em que precisamos ficar atentos à música e aos elementos visuais para apertar botões na hora certa. Além de oferecer uma experiência de ritmo precisa, o jogo explora os anseios de um jovem em situações criativas.

Desbravando o universo da imaginação

Em Melatonin, um rapaz adormece na frente da TV e começa a sonhar com inúmeras situações. No mundo onírico, exploramos as preocupações e os desejos do garoto em um jogo que combina ritmo e puzzle. Em cada um dos estágios, o objetivo é apertar botões no compasso da música, com foco na precisão — fazer o comando milésimos de segundos depois já diminui a classificação. Não há marcadores explícitos, então, para conseguir acertar, é essencial prestar atenção nos elementos sonoros e visuais.

No começo as coisas são bem simples, com desafios que exigem apertar um único botão. Depois, conforme avançamos, são introduzidos mais comandos, como usar L e R e ações de segurar. Essas mecânicas, em combinação com compassos musicais menos homogêneos, aumentam o desafio consideravelmente. Pode parecer intimidador, mas a curva de aprendizado é suave, com novas mecânicas sendo introduzidas aos poucos.


Recursos estão disponíveis para tornar a experiência agradável a diferentes tipos de público. Todos os estágios abrem com um modo de treino, que apresenta as particularidades e mecânicas daquela fase. Além disso, há opções de acessibilidade, como um marcador visual para os comandos e maior janela de sucesso para as notas. Já aqueles que gostam de um bom desafio podem arriscar as versões difíceis dos estágios e tentar alcançar as classificações perfeitas.

O título tem por volta de 20 minigames que levam pouco mais de duas horas para serem concluídos, possivelmente o dobro se você tentar conseguir as pontuações perfeitas em todos os estágios e suas variações. Fora isso, há um editor que nos permite construir variações das fases.



Cadência e desafio em situações exóticas

Bastam alguns poucos minutos para perceber que Melatonin replica o conceito principal de Rhythm Heaven, série de títulos rítmicos da Nintendo. Mesmo assim, o jogo me conquistou com seus controles precisos e ambientação que esbanja personalidade.

Os desafios musicais de Melatonin são bem variados e interessantes, sempre exigindo ficar atento à trilha sonora e aos elementos visuais. Há poucos comandos, mas é impressionante como eles são explorados de forma elegante e diversa: em algumas fases precisamos repetir sequências, em outras é necessário reagir a dicas sutis. Em alguns momentos, inclusive, os elementos visuais ficam parcialmente obscurecidos e somos forçados a nos embasar somente nos efeitos sonoros para não errar.


Apertar os botões no ritmo da música logo se torna uma ação hipnotizante, especialmente quando entramos no estado de fluxo, no qual os comandos se tornam naturais e intuitivos — muitas vezes, é fácil prever as próximas notas só com o andamento da trilha sonora. A introdução de mais botões e tipos de ações tornam os estágios mais interessantes e complexos, mas é tudo bem dosado para parecer natural. No entanto, nas fases mais avançadas, aparecem algumas ações que não seguem o compasso natural da música, o que as tornam difíceis de acertar. Com insistência, eu dominei esses comandos, mas achei que eles poderiam ser melhor pensados para causar menos frustração.

Apreciei o esforço empregado para que a experiência de jogo fosse acessível e precisa. O desafio é balanceado, ou seja, não é fácil ou difícil demais, e as poucas vezes que perdi foi por falta de atenção. As versões mais difíceis dos estágios são bem interessantes: além de contarem com sequências mais complexas, há alterações bruscas no andamento da música, o que nos força a mudar o ritmo com frequência. Além disso, há opções de assistência perfeitas para aqueles que querem aproveitar essa viagem surreal, mas que não contam com habilidade suficiente para esse gênero.

Submerso nas profundezas surreais da mente

Fora as ótimas mecânicas de ritmo, Melatonin me surpreendeu com sua ambientação sem igual. A temática é no mínimo curiosa: no decorrer de cinco noites, exploramos os sonhos e anseios de um rapaz quando ele cai no sono. As coisas começam bem simples, com estágios sobre comer ou fazer compras, mas logo aparecem assuntos mais sérios, como estresse, preocupações sobre o futuro e até mesmo reflexões sobre o meio ambiente. É difícil não se identificar com esses assuntos, afinal quem nunca sonhou sobre o trabalho,  desejos ou  frustrações?

Os minigames transformam os anseios e aflições do protagonista em situações surreais e divertidas. No estágio focado em compras, precisamos usar o cartão de crédito para adquirir inúmeros itens de luxo. Em outra fase, o garoto malha na academia repetindo os movimentos de uma versão mais forte de si mesmo. Em uma cena sobre desejos, tentamos recuperar itens de valor em uma tradicional máquina de garra. O estágio sobre estresse é impactante: o rapaz sobe escadas para tentar escapar de uma caverna repleta de lava. Já o ato de esquecer o passado é representado por queimar algumas fotos instantâneas.


Visualmente, o título é estonteante com belas ilustrações desenhadas à mão. Rosa e roxo são as cores escolhidas para dar vida ao mundo dos sonhos, e a escolha dessa paleta traz personalidade ao universo. As animações são bem fluidas e elaboradas, o que me trouxe a sensação de estar controlando diretamente um desenho animado. E, claro, por se passar no subconsciente, todo tipo de situação é possível: elementos surreais e exagerados estão por todos os cantos.

A alma de um jogo de ritmo está na trilha sonora e Melatonin aposta em um gênero pouco usual com composições minimalistas, com uma pegada lo-fi hip hop. Pode parecer estranho, mas funciona muito bem dentro do contexto de passeio pelo mundo dos sonhos. As músicas são variadas e com melodia marcante, o que ajuda nos desafios rítmicos. Porém, certas composições são simples demais, o que deixa a experiência meio apagada em certos estágios. Mas, no geral, o saldo é positivo.



Uma reflexão rítmica estonteante

Melatonin transforma o mundo dos sonhos em uma experiência envolvente. As mecânicas mesclam puzzle e ritmo em bons desafios audiovisuais com comandos simples, porém sequências complexas de comandos e situações inusitadas tornam os estágios bem interessantes. A dificuldade é moderada, no entanto há opções para aumentá-la ou diminuí-la.

A ambientação cativa com um universo onírico desenhado à mão com diferentes tons de rosa. Os estágios são bem criativos e surreais, explorando de forma surpreendente diferentes aspirações da mente humana. Uma trilha sonora estilo lo-fi complementa a atmosfera imaginativa, por mais que algumas composições sejam um pouco apagadas.

No mais, Melatonin é um breve passeio pelo subconsciente que vale a pena.

Prós

  • Ótimos desafios rítmicos focados em elementos audiovisuais;
  • Várias opções de dificuldade, contando com opções de acessibilidade;
  • Temática interessante que explora sonhos e desejos de forma criativa;
  • Ambientação ímpar com belas ilustrações e música lo-fi suave.

Contras

  • Trilha sonora lo-fi é meio tímida em alguns estágios;
  • Algumas poucas fases têm desafios confusos.
Melatonin — PC — Nota: 8.5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Half Asleep

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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