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Mega Drive 35 anos: estratégias e ações de Sega e Nintendo na guerra dos 16-bits

Vamos relembrar o ápice da guerra dos consoles e as estratégias adotadas por Sega e Nintendo para vencer essa disputa.

em 01/12/2023
Seja bem-vindo ao quarto capítulo do especial Mega Drive 35 anos! Em nosso encontro anterior, descobrimos como foi a concepção e lançamento de Sonic the Hedgehog, “arma secreta” da Sega para combater Mario e cia., além de analisarmos as estratégias adotadas por Tom Kalinske nos Estados Unidos para colocar o Mega Drive norte-americano (Genesis) no topo do mercado em 1991.


Hoje, iremos destrinchar os passos seguintes a essa conquista, pois, com certeza, haveria retaliação por parte da Big N, e a guerra entre Super Nintendo e Mega Drive explodiu de vez. Boa leitura!

Em busca de um ponto fraco

Após tantos anos tentando conquistar o mercado norte-americano, finalmente a casa do Sonic conseguiu emplacar um console no primeiro lugar de vendas, por meio de um ousado plano, mostrando de fato ao consumidor que a “Sega faz o que a Nintendo não faz”.

O desafio para conquistar o primeiro lugar com certeza foi árduo, mas seria bem mais difícil se manter nessa posição, sobretudo agora que a empresa rival acabara de lançar um novo console em território norte-americano.

Se antes era fácil afirmar que seu console era mais forte que o da concorrência, dessa vez a Sega iria encarar um Super Nintendo dois anos mais novo do que seu Genesis, com melhorias significativas em relação às suas capacidades técnicas.

Recursos gráficos de rotação e redimensionamento de imagens, facilmente alcançáveis pelo hardware do Super Nintendo, eram mais difíceis de serem reproduzidos pelo Mega Drive, que apresentava também uma menor paleta de cores na tela que seu rival. A seguir, exemplo desses recursos sendo utilizados em Pilotwings, um dos títulos de lançamento do Super Nintendo nos Estados Unidos.


Situação semelhante acontecia em relação ao áudio, com o console nintendista apresentando um dos mais avançados chips de som para videogames, desenvolvido pela então parceira Sony.

Porém, nesse mar de desvantagens, havia uma ilha de esperança, pois em um aspecto técnico o console da Sega levava vantagem em relação ao seu oponente mais jovem: a velocidade de seu processador. E seria em cima desse ponto que a equipe de marketing norte-americana lançaria artilharia pesada para convencer os gamers sobre a superioridade do Genesis em relação ao Super Nintendo.

Bem-vindo à Próxima Fase

O papel das campanhas de marketing direcionadas ao público norte-americano foi essencial para o sucesso do console da Sega nos Estados Unidos. Após a consolidação de seu videogame em primeiro lugar, em 1992 iniciou-se uma nova etapa na estratégia adotada pela empresa, refletida em seu novo slogan: Welcome to the Next Level, que, em português, seria algo como “Bem-vindo à Próxima Fase”.

Sabendo das limitações e dos pontos fortes do console, a Sega tratou de posicionar seu produto como sendo mais veloz, dinâmico e “descolado” do que os apresentados pela concorrência, mais especificamente em relação a seu grande rival, o Super Nintendo.

Campanhas comparativas entre os dois consoles tornaram-se uma constante na guerra pelos corações dos jogadores, como a apresentada a seguir, que comparava o Genesis a um carro de corrida e o Super Nintendo a uma van pesada e lenta:


Por ter dois anos a mais em mercado do que a concorrência, o marketing da Sega aproveitava também, nos anos iniciais do Super Nintendo no mercado, para comparar o tamanho da biblioteca de jogos entre os dois consoles.


Propagandas hilárias, beirando o absurdo, saíam com frequência na TV, sempre mostrando o Sega Genesis e seus games como tendo mais atitude do que seu rival. Definitivamente, o esforço empreendido pela empresa para garantir uma presença forte no mercado foi enorme, tanto para prover jogos de qualidade ao público quanto na promoção e divulgação dos produtos.


Logo a Nintendo iria contra-atacar, não apenas com campanhas de marketing em si, mas realizando ações de ordem prática, como igualar o preço de seu console ao do Sega Genesis (que seria reduzido novamente, como resposta) e assegurando exclusividade de ports de jogos famosos dos arcades para seu console.

Minha versão é melhor que a sua

Apenas divulgação e investimentos em marketing não levariam a Sega ao topo do mercado, muito menos a mantê-lo durante anos. Para isso seriam necessários muitos investimentos em jogos de qualidade, de diversos gêneros, para rebater as constantes investidas da Nintendo e de seu console.

A própria criação de Sonic the Hedgehog foi uma resposta ao domínio de Super Mario Bros., mas a estratégia não se restringia apenas a isso; o objetivo era ter uma resposta à altura para a Nintendo em cada gênero de jogo interessante ao mercado norte-americano.

Se a casa do Mario dispunha de uma versão exclusiva de Final Fight, famoso beat 'em up da Capcom, a Sega contra-atacava com o aclamado Streets of Rage, por exemplo.

Enquanto os donos de um Super Nintendo poderiam pisar fundo no acelerador a bordo de F-Zero, a Sega logo responderia com Ayrton Senna's Super Monaco GP II.

Além dos desenvolvimentos dos jogos realizados pelas equipes internas de Sega e Nintendo, games de outros estúdios começaram a ser lançados simultaneamente em ambos os consoles, algo até então impensável nos tempos do NES. Desde então, a batalha para ter as melhores versões dos jogos esquentou entre os dois concorrentes.

Na arena dos jogos de luta, a Nintendo saiu na frente. Em 1992, assegurou junto à Capcom a exclusividade do port de Street Fighter II: The World Warrior para Super Nintendo, que acabou sendo bem fiel ao arcade e garantiu ótimas vendas do console nesse ano; a Sega só foi receber uma versão de Street Fighter II: Champion Edition para seu console em setembro de 1993.

Já em relação aos jogos de plataforma, a disputa foi acirrada: deixando de lado os jogos estrelados pelas suas mascotes mascotes, tanto Sega Genesis quanto Super Nintendo receberam versões aclamadas de platformers baseados em filmes, personagens de desenhos animados, dentre outros.

Do lado azul da força, destaque especial aos excelentes títulos baseados em personagens da Disney (como Castle of Illusion, Aladdin e The Lion King) e de filmes da época, como Jurassic Park.

Novamente Sonic

Após a implementação do Sega Technical Institute, time local de desenvolvimento de jogos da Sega nos Estados Unidos, jogos direcionados ao gosto do público da terra do Tio Sam começaram a ser criados, como Dick Tracy e Kid Chameleon. Mas o grande salto de importância do estúdio para a estratégia norte-americana da Sega viria por meio da continuação de uma franquia de sucesso.

Devido a questões envolvendo políticas corporativas, de salário e de carreira, Yuji Naka decidiu sair da Sega após o desenvolvimento de Sonic the Hedgehog, porém foi convencido pelos gestores norte-americanos a se mudar para os Estados Unidos e continuar trabalhando para a empresa dentro da estrutura do Sega Technical Institute, levando consigo parte da equipe de desenvolvimento do grande sucesso de 1991.

Dessa forma, seria concebido e lançado, via Sega of America, aquele que se tornaria o grande sucesso da empresa para o ano de 1992: Sonic the Hedgehog 2.

Mais veloz do que nunca, Sonic 2 tornou-se a arma perfeita para posicionar de vez o Genesis como objeto de desejo, pronto para arrebatar os corações dos jovens na hora de escolher um console para chamar de seu.

Foram gastos em torno de 10 milhões de dólares na campanha publicitária do jogo nos Estados Unidos, e foi uma das primeiras vezes em que houve um lançamento de um game em escala global (Estados Unidos e Europa) planejado para a mesma data: 24 de novembro de 1992.

A fim de garantir a disponibilidade do título nas principais lojas na data prometida, a Sega chegou a despachar seus jogos por via aérea, reconfigurando toda sua logística para tal ato. O dia do lançamento de Sonic 2 também é conhecido por “Sonic 2sday”, por ter caído em uma terça-feira (Tuesday, em inglês).

Tamanho empenho rendeu muito sucesso à Sega, pois Sonic the Hedgehog 2 tornou-se o jogo de maior vendagem de 1992, mesmo sendo lançado apenas ao fim do ano, faturando estonteantes 450 milhões de dólares nesse período.

Compact Disc

Analisando o histórico da Sega na disputa contra o NES, lançando diversos aparelhos até conseguir emplacar o Sega Genesis no mercado norte-americano, seria inocente pensar que a empresa se “acalmaria” e deixaria de lado a oportunidade de tentar estender o sucesso de seu console por meio do desenvolvimento de novos hardwares.

Buscando sempre estar na vanguarda das tecnologias novas que surgiam, a Sega aproveitou para desenvolver alguns periféricos que tentavam aumentar o poder de fogo de seu console. Um dos mais famosos foi o Mega-CD.

Lançado em dezembro de 1991, no Japão, trata-se de um aparelho que, acoplado ao Mega Drive, permitia a leitura de jogos armazenados em CDs. Posteriormente, foi lançado nos Estados Unidos como Sega CD em outubro de 1992.


Como os CDs apresentavam um enorme espaço de armazenamento de dados em relação aos tradicionais cartuchos, o Mega-CD proporcionaria ao console de 16-bits da Sega a utilização, em seus games, de trilhas sonoras elaboradas e, até mesmo, trechos de vídeos. 

Além disso, foram introduzidos no hardware do Mega-CD funcionalidades gráficas avançadas, como recursos de rotação e redimensionamento de imagens semelhantes aos do Super Nintendo.

O jogo de maior sucesso para Mega-CD foi Sonic CD, desenvolvido no Japão aproximadamente ao mesmo tempo em que Sonic the Hedgehog 2 era produzido nos Estados Unidos, pela equipe que não se mudou para a América, composta por grandes nomes, como o designer original do personagem, Naoto Ohshima.

Apesar de ser uma ideia interessante estender o poder de um videogame por meio de um acessório ou periférico, existem alguns problemas nessa abordagem que, posteriormente, viriam a prejudicar a Sega:
  • Custo alto: o acessório era bem caro, custava mais do que o console base (299 dólares em seu lançamento), além de não operar sozinho, pois, para jogar Sonic CD, por exemplo, o consumidor teria de comprar um Mega Drive e um Mega-CD;
  • Fragmentação de mercado: a partir do momento em que há divisão dos consumidores entre os que têm determinado periférico e os que não têm, os desenvolvedores precisam criar duas versões de um jogo para atendê-los; e
  • Baixa adesão das desenvolvedoras: se já é complicado para uma fabricante de videogames suportar mais de uma plataforma de jogos simultaneamente, desenvolvedoras externas que não tenham tanta verba para investir em mais de uma versão de um mesmo game podem optar por desenvolver apenas para o “pacote básico”, deixando de lado o periférico.
Dessa forma, embora tenham sido vendidos em torno de 2,24 milhões de unidades do Sega CD, a adoção do periférico não foi tão expressiva, pois não chegou a 10% do total de unidades comercializadas de Mega Drive/Genesis.

A Sega só aprenderia essas lições com o lançamento do Saturn, mas sem antes tentar novamente a mesma abordagem e fracassar, como veremos mais adiante.

Polêmica à vista

Todo o processo de reconstrução do mercado de videogames após 1983 nos Estados Unidos conduzido pela Nintendo visava dar uma imagem “pacífica” aos videogames, como se fossem brinquedos voltados às crianças. Dessa forma, a empresa conquistou novamente a confiança dos pais e, consequentemente, também o conteúdo de suas carteiras.

O que poderia acontecer se, de repente, aquele mercado seguro, calmo, se tornasse um campo de batalha, com uma fabricante de videogames auto-intitulada “com atitude” produzindo jogos cada vez mais ousados e, até certo ponto, violentos?

A partir de 13 de setembro de 1993, uma grande polêmica se instaurou no mercado de games norte-americano, com o lançamento simultâneo para Super Nintendo e Sega Genesis da conversão do jogo de luta dos arcades mais aguardada do ano: Mortal Kombat.


Originalmente lançado em 1992 para arcades, Mortal Kombat foi um game de luta altamente polêmico em sua época, tanto pela representação digitalizada dos personagens (em contraste com a arte desenhada de Street Fighter II) quanto pela presença de muito sangue e violência extrema, representada fielmente por meio dos fatalities, golpes finais especialmente impactantes.


Tudo indicava que, pelos melhores recursos de processamento de imagem do Super Nintendo, a versão a ser portada para o console da casa do Mario seria a mais fiel ao arcade, como aconteceu com Street Fighter II, mas, prosseguindo com suas costumeiras práticas de censura a conteúdos potencialmente violentos em vigor desde a época do NES, muito do que se esperava de Mortal Kombat foi substituído nessa versão, como o sangue, que foi trocado por uma “gosma branca” nos golpes.

Já a versão para Sega Genesis veio sem censura, com direito a muito sangue e a presença de todos os golpes mais polêmicos, como os que envolviam desmembramento e retirada do crânio e da coluna do oponente.


Resultado: um “fatality” de vendas para a Sega, numa proporção de cinco cópias de Mortal Kombat vendidas para seu console a cada uma vendida para Super Nintendo no lançamento do game. Porém, o que parecia ser mais uma vitória do lado azul da força na guerra dos consoles quase se tornou uma enorme dor de cabeça para toda a indústria.

Um dos filhos de Bill Andresen, ex-chefe de gabinete do senador norte-americano Joe Lieberman, pediu a seu pai para comprar uma cópia da versão de Sega Genesis do game. Ao ver o nível de violência do jogo, Andresen se espantou, levando a informação a Lieberman.

Logo, o senador foi atrás de outros jogos com temáticas de violência e acabou descobrindo Night Trap, um game para Sega CD em formato de vídeo interativo, cujo enredo envolve garotas que são raptadas em uma vinícola por seres semelhantes a vampiros. 

Suas cenas envolvem certo grau de erotismo e violência, o que chocou o senador e o levou a propor a realização de audiências públicas no Congresso dos Estados Unidos envolvendo atores importantes da indústria, como os vice-presidentes da Sega of America e da Nintendo of America, para que pudessem explicar mais sobre o observado. Como era de se esperar em uma guerra, mesmo que de consoles, houve troca de acusações entre as empresas.

A Nintendo tratou de mostrar aos congressistas que tinha uma política estrita de censura a conteúdos violentos, nudez e erotismo, diferentemente da empresa concorrente; já a Sega tratou de mostrar que, ao contrário de sua rival, havia elaborado um sistema de classificação etária para seus jogos, além do fato de que alguns títulos e acessórios da Nintendo, como a bazuca Super Scope, eram tão ou mais violentos do que os do Genesis.

Dessa forma, após pressão governamental, a indústria dos games teve de entrar em um acordo sobre as questões envolvendo classificação etária de jogos. Por fim, foi criada a Entertainment Software Rating Board (ESRB), organização autorregulatória responsável pelo sistema de classificação de jogos em uso até hoje nos Estados Unidos.

Último capítulo

Nessa batalha quente, toda ação leva a uma reação de igual proporção do outro lado do front, mas como nem tudo é eterno, ao passar dos anos, o fim da quarta geração de videogames estava perto.

Em nosso próximo texto, iremos saber quais foram os passos (certos e errados) dados pela Sega, que se preparava para passar o bastão do Genesis para o Saturn, além da “cartada de mestre” que a concorrência deu ao final da geração. Também vamos saber sobre como o Mega Drive se saiu ao redor do globo, não apenas nos Estados Unidos, mas também na Europa e, claro, aqui no Brasil.

Então, nos veremos novamente no dia 8 de dezembro; fique sempre ligado nas novidades do GameBlast!
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Fonte ilustrações: Época, Brian Benchoff, Akiro Art e Ossi101
Referências: Sega Retro ([1][2]), Iain Mew, Memória Bit, Polygon, GTV Japan (vídeo), BBC, RetroGeekery.com e livro "Console Wars", de Blake J. Harris
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Entendo videogames como sendo uma expressão de arte e lazer e, também, como uma impactante ferramenta de educação. No momento, doutorando em Sistemas da Informação pela EACH-USP, desenvolvendo jogos e sistemas desde 2020. Se quiser bater um papo comigo, nas redes sociais procure por @RodrigoGPontes.
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