Mega Drive 35 anos: anos finais, desempenho internacional e um legado duradouro

Vamos recordar os últimos atos da Sega na era de ouro dos 16 bits e o legado do Mega Drive ao mundo dos games.

Seja bem-vindo ao capítulo final do especial Mega Drive 35 anos! Em nosso encontro anterior, vimos que a disputa entre Sega e Nintendo foi tão acirrada e quente que, em determinado momento, acabou chegando até a ser motivo de debate no Congresso dos Estados Unidos.


Hoje iremos recordar os últimos passos da Sega na quarta geração de games, a conturbada passagem de bastão para seu sucessor, o Saturn, o impacto do Mega Drive nos mercados mundo afora e seu legado, que persiste mesmo décadas após sua descontinuação. Boa leitura!

Indo bem, indo mal

Durante a primeira metade da década de 1990, a Sega of America travou uma batalha feroz contra a Nintendo pela conquista do mercado norte-americano. Já no Japão, a situação foi totalmente diferente: mais uma vez, a Nintendo reinou soberana, com seu Super Famicom vendendo “feito água no deserto” e recebendo os principais jogos da maioria absoluta das desenvolvedoras, como a Capcom, a Square, a Enix e a Namco.

Para piorar a situação, nem mesmo um honroso segundo lugar a Sega conseguiu obter em sua terra natal, sendo o PC Engine da NEC o responsável pela medalha de prata.

Muito disso deve-se ao perfil diferente do gamer japonês em relação ao americano. Jogos de gêneros como Role-playing game (RPG) e ambientações mais voltadas à fantasia, como as encontradas em Final Fantasy e Dragon Quest, já faziam sucesso desde os tempos do Famicom. O hábito enraizado associado às políticas da Nintendo para prover exclusividade de franquias em seus consoles, fizeram com que, naturalmente, os japoneses continuassem a adquirir os consoles da Big N.

Já no mundo dos arcades, a situação era completamente diferente, já que a Sega continuava a ser uma das forças motrizes da indústria, desenvolvendo novas placas e jogos cada vez mais avançados tecnologicamente, como Virtua Fighter (1993), jogo de luta poligonal que revolucionou o mercado com seus visuais muito avançados para a época.

Em termos de mercado, durante muitos anos a Sega foi líder no setor dos arcades; porém, essa liderança traria alguns efeitos colaterais indesejados ao setor de consoles domésticos da empresa, como veremos mais adiante.

Um vislumbre do futuro

Se tratando de desenvolver novos hardwares, acessórios e serviços, não se pode reclamar do que a Sega fez para popularizar seu console de 16-bits. Foram lançados diversos modelos e variantes do console, como o Mega Drive 2, de 1993: mais leve e compacto do que a versão original, mas, ainda assim compatível com todos os jogos.

Na mesma época também foi lançada uma variação do controle oficial do console, contendo seis botões de ação (como o demonstrado na imagem anterior); o que permitia que jogos com complexas sequências de interação, como Street Fighter II: Champion Edition, pudessem ser melhor aproveitados pelos gamers.

Outro modelo notável foi o Genesis CDX, também conhecido como Multi-Mega. Trata-se do console e de seu add-on para leitura de CDs combinados em uma só estrutura.

Um dos modelos mais avançados tecnologicamente foi o Sega Nomad; uma versão totalmente portátil do console, que permitia ao jogador curtir seus games favoritos utilizando os próprios cartuchos do 16-bits da Sega. Praticamente um vislumbre do que viria a ser implementado décadas depois pelo Nintendo Switch. 

Já sobre os acessórios do console, o primeiro disponível desde os anos iniciais do console no mercado foi o Power Base Converter. Com ele, o jogador podia aproveitar seu Mega Drive para jogar títulos de Master System.

Vale ressaltar que, diferentemente do Super Game Boy, que continha o hardware principal do console portátil dentro de si para fazer os jogos funcionarem no Super Nintendo, o Mega Drive era compatível com os jogos de seu irmão mais velho, sendo o Power Base apenas um adaptador para permitir o encaixe dos cartuchos de Master System no sistema.

Em novembro de 1993, foi lançado nos Estados Unidos o Sega Activator, um controle em formato de octógono posicionável no chão, que permitia aos jogadores realizarem as ações dos games por meio da detecção de seus movimentos.

Muito à frente de seu tempo, pode-se considerar o Activator como sendo uma das fontes de inspiração para a febre dos jogos por detecção de movimentos da sétima geração, capitaneada pelo Nintendo Wii e pelo Kinect, da Microsoft.

Muito antes do Game Pass

Sobre os serviços que a Sega propôs durante a quarta geração de games, muitos poderão se impressionar com a “audácia” da empresa, pois, mesmo tão distantes dos dias de hoje, eram serviços que forneciam jogatina on-line e assinatura de games.

Em novembro de 1990, foi lançado no Japão o Sega Meganet, serviço on-line que permitia ao gamer baixar e jogar alguns títulos em seu console. Ele funcionava a partir da conexão do Mega Drive com uma linha telefônica, por meio do periférico Mega Modem.

Dos dezessete títulos da biblioteca do Sega Meganet, dois permitiam multiplayer remoto: Tel-Tel Stadium e Tel-Tel Mahjong.

Para os Estados Unidos não houve a disponibilização do Sega Meganet, mas sim de seu sucessor: em dezembro de 1994 surgira o Sega Channel, serviço on-line de assinatura de jogos contendo uma grande variedade de títulos lançados para Genesis, além da disponibilização de demos de jogos futuros.

Diferentemente do Sega Meganet, o Sega Channel utilizava a conexão com o serviço de TV a cabo para receber os dados dos jogos. Para isso, um cartucho adaptador era introduzido no console e apresentava uma entrada para encaixar o cabo coaxial da TV.

Como a capacidade de recebimento de dados era bem maior por meio dessa conexão em relação à linha telefônica utilizada pelo Sega Meganet, havia a possibilidade de se baixar jogos e demos para a memória do cartucho de maneira mais fácil, possibilitando que fossem disponibilizados jogos considerados grandes, como Super Street Fighter II.

Sonic 3

Dando sequência ao enorme sucesso que foi Sonic the Hedgehog 2 na América do Norte, seria natural supor que ocorreria o desenvolvimento de uma sequência da franquia, aproveitando a visibilidade gerada para o ouriço mais pop do momento.

Dessa forma, em 1993, começaram os preparativos no Sega Technical Institute para desenvolver aquele que seria o mais ambicioso jogo da franquia até então: Sonic the Hedgehog 3. A equipe, composta por japoneses e americanos, dessa vez foi dividida, sendo os primeiros os responsáveis pelo título e, os demais, pelo desenvolvimento de Sonic Spinball, título a ser lançado no final do mesmo ano como forma de aproveitar as vendas do período.

Inicialmente o conteúdo planejado para Sonic the Hedgehog 3 contemplaria mais de uma dezena de zonas, contendo fases bem mais amplas do que as apresentadas anteriormente na série. Porém, o fato do espaço necessário para armazenar as informações do game também ser bem maior, levaria a Sega a ter de utilizar chips bem caros em seus cartuchos. 

Isso aliado à uma campanha de marketing previamente planejada para fevereiro de 1994 pela Sega of America junto ao McDonalds, fez com que o conteúdo do jogo fosse dividido em dois: a primeira metade é o que conhecemos hoje como Sonic 3, já a segunda foi lançada em outubro de 1994 com o título de Sonic & Knuckles.


Para possibilitar a continuidade de uma aventura inicialmente planejada para ser condensada em um único jogo, mas distribuída em dois títulos diferentes, foi criada a tecnologia Lock On, uma entrada no corpo do cartucho de Sonic & Knuckles que permitia a conexão entre dois jogos diferentes. 

Ao encaixar o cartucho de Sonic 3 à Sonic & Knuckles, um enorme jogo contendo 14 estágios diferentes era disponibilizado ao gamer; já ao se encaixar Sonic 2 à Sonic & Knuckles, o jogador poderia enfrentar as aventuras do segundo título da série com o personagem Knuckles the Equidna.

Ambos os títulos foram recebidos com muito sucesso por público e crítica, ajudando a Sega a manter a dianteira do mercado de 16-bits no ano de 1994. Combinados, Sonic 3 e Sonic & Knuckles venderam em torno de 4 milhões de unidades ao redor do globo.

No limite dos consoles

Embora a Sega estivesse indo bem na América do Norte desde a chegada de Tom Kalinske à empresa, entre 1993 e 1994 o hardware do Genesis já apresentava sinais de cansaço. As especificações técnicas do console eram as mesmas desde 1988, tornando cada vez mais difícil para os desenvolvedores extrairem visuais e sons realistas para impressionar os consumidores com seus novos títulos.

O mesmo poderia ser dito do console rival, pois, mesmo sendo dois anos mais jovem, também começava a sentir o peso do tempo em suas costas. Apesar do desafio em comum, a abordagem das duas empresas era bem diferente em relação a este aspecto.

A Sega preferia atualizar a linha de produtos em si, seja por meio de um novo console, ou por um add-on, como o Sega CD. Já a Nintendo seguiu um caminho diferente, que se mostraria mais eficaz ao final da geração corrente.

No interior dos cartuchos do Super Nintendo, além dos chips que armazenam o código dos jogos, poderiam estar presentes também chips para auxiliar no desempenho de determinada tarefa que o console deveria fazer.

Por exemplo, jogos que demandam cálculos avançados de rotação e escalamento de imagens poderiam contar com chips que dessem uma “mãozinha” ao processador do Super Nintendo, auxiliando-o com esses cálculos, impedindo que o jogo ficasse muito lento.

Foi o caso de jogos como Super Mario Kart, que apresentou em seu interior a presença do DSP-1, chip responsável por realizar cálculos matemáticos em conjunto com o processador do console, permitindo exibir na mesma tela dois personagens controláveis correndo na pista.


Um dos chips mais avançados utilizado em jogos do Super Nintendo foi o Super FX. Tratava-se de um processador gráfico, criado pela produtora britânica Argonaut Games, que melhorava substancialmente a capacidade do console, inclusive possibilitando a criação de jogos 3D, como o grande sucesso de 1993, Star Fox.

Dessa forma, demonstrando jogos mais poderosos tecnicamente do que a concorrência, a maré pró-Genesis aos poucos foi virando a favor do Super Nintendo, e ainda havia uma “carta na manga” a ser usada pela casa do Mario...

Reino Unido dos games

A batalha entre os 16-bits, que foi tão quente nos Estados Unidos, acabou sendo decidida por meio da influência de desenvolvedoras com origem no Reino Unido. Além da já citada Argonaut Games, que elaborou o chip Super FX para a Nintendo, outra empresa da terra da rainha foi determinante nos últimos passos dessa guerra: a Rare.


Desenvolvedora aliada da Nintendo desde a época do NES e responsável por clássicos como a série Battletoads, a empresa decidiu, na primeira metade da década de 1990, investir boa parte de seus lucros na aquisição de estações de trabalho da Silicon Graphics.


Essas caríssimas máquinas serviam para realizar pré-processamento de grandes volumes de dados gráficos, e a Rare já se planejava para utilizá-las no desenvolvimento de jogos do sucessor do Super Nintendo. Porém, ao perceberem que poderiam utilizá-las para produzir jogos de qualidade gráfica espantosa já para o console da, então, atual geração, decidiram mostrar os resultados de seus experimentos à Big N.

A casa do Mario, vendo que aquilo poderia virar definitivamente o jogo a seu favor, deu sinal verde à britânica para produzir, sob sigilo, um jogo que demonstrasse todo o poderio gráfico de seu console, e, para isso, concedeu o uso de uma de suas franquias clássicas.

Dessa forma, para o espanto e admiração de toda a comunidade gamer da época, foi lançado em novembro de 1994 Donkey Kong Country, um platformer 2D cujos gráficos foram pré-renderizados com base em modelos 3D. Era um vislumbre do futuro dos games, mas disponível ainda nesta mesma geração.

A vingança é um prato que se come frio

Sendo Donkey Kong Country um sucesso, a Nintendo of America tratou de capitalizar em cima e utilizou-se de artilharia pesada em sua estratégia. Foram lançadas sequências de jogos da franquia do gorilão para o Super Nintendo, além de uma campanha de marketing das mais barulhentas já vista: Play It Loud!.

Era a hora de devolver o “Genesis does what Nintendon't” da forma mais direta possível, com uma provocação daquelas: "Donkey Kong Country: Not on Sega":


A partir de 1995, a Nintendo retomou a dianteira do mercado de 16-bits, perdida para a Sega ainda no início da década, e encerraria a geração sendo líder por uma pequena margem. Mas isso poderia ter terminado de forma diferente, se não fossem algumas decisões “de outro mundo”, vindas da casa do ouriço azul.

Vítima do próprio sucesso

Os avanços técnicos que a Sega sempre apresentou no desenvolvimento de seus arcades e jogos fizeram com que outras empresas do mercado começassem a se atentar às tendências que ela criava.

A Sony, gigante nipônica dos eletrônicos, após ter seu projeto de leitor de CD-ROMs para Super Nintendo abortado pela Big N (vide protótipo na imagem a seguir), tentou convencer a Sega a elaborarem parceria para construírem juntos o console sucessor do Mega Drive.


Apesar da simpatia da equipe norte-americana pelo projeto, a sede japonesa não quis dar o braço a torcer e bloqueou as tratativas, levando a Sony a ter de tocar seu projeto por conta própria. E foi uma criação da divisão de arcades da Sega que fez a equipe do futuro PlayStation perceber qual seria o caminho a se trilhar para o sucesso de seu console.

Virtua Fighter foi um jogo de arcade tão disruptivo e bem aceito em 1993 que, aos olhos da equipe de Ken Kutaragi (“pai” do PlayStation), era nítido que o futuro seria tridimensional. Dessa forma, toda a arquitetura do console da Sony foi construída para prover gráficos 3D.


Nessa época, a Sega já trabalhava no sucessor do Mega Drive. O foco inicial era criar uma máquina com os melhores gráficos 2D possíveis em um console doméstico; mas, ao saber do rumo que a Sony estava tomando, acabaram entrando em “modo pânico”, mudando as especificações do console para também suportar gráficos 3D.

Para demonstrar o “poder” de sua máquina, a Sega decidiu colocar dois processadores dentro do novo console, o que, além de encarecer o produto, tornou mais difícil aos desenvolvedores a tarefa de se extrair o máximo do videogame, visto que a grande maioria estava acostumada a programar para sistemas com um só processador principal.

Entre novembro e dezembro de 1994 foram lançados no Japão o Sega Saturn, sucessor direto do Mega Drive, e o PlayStation, da Sony, dando início a quinta geração, dando início ao fim do domínio dos consoles de 16-bits no mercado.

32X, um esforço inútil

Temendo a influência de novos consoles que vinham surgindo no mercado, como o Atari Jaguar, no início de 1994, a sede japonesa da Sega cogitou desenvolver um novo console “tampão” entre o Mega Drive e o Saturn para os EUA, com melhorias na paleta de cores e a presença de alguns recursos 3D. A ideia não foi bem aceita pela equipe norte-americana, visto que a ação poderia diluir ainda mais o mercado do Genesis.

Como uma medida intermediária entre as visões japonesa e norte-americana, foi proposto e desenvolvido o Sega 32X, que, assim como o Sega CD, era um add-on encaixado no console de 16-bits, permitindo um aumento de potência do console.


No caso, o Sega 32X teria dentro de si dois processadores similares aos utilizados pelo Sega Saturn, permitindo a realização de efeitos 3D e processamento avançado de imagens e som; mas utilizando ainda cartuchos como meio de armazenamento.

O Sega 32X foi vendido ao público como uma “porta de entrada” mais acessível para a nova geração dos 32-bits, mas uma série de problemas fez com que essa empreitada não fosse satisfatória:
  • Surgimento tardio no mercado após seis anos do lançamento do Mega Drive;
  • Mais um add-on caro, com uma biblioteca de jogos pequena, sendo que poucos souberam aproveitar as potencialidades de seu hardware;
  • Montagem complicada, que exigia mais uma entrada de energia e conexões externas de cabos de imagem junto ao Genesis;
  • Falta de compatibilidade entre jogos do 32X e do Saturn, apesar de compartilharem processadores semelhantes;
  • Lançamento pífio no Japão, após o Saturn já estar no mercado, sem uma base considerável de de Mega Drive instalada no país.
O público logo notou que, assim como o ocorrido com o Sega CD, talvez não valesse a pena gastar por mais um add-on que provavelmente não receberia uma boa quantidade de jogos de qualidade.

Dessa forma, o 32X tornou-se mais um fracasso na conta da Sega, vendendo em torno de 800 mil unidades em todo o mundo, sendo Knuckles Chaotix um de seus poucos jogos com alguma repercussão no mercado.

A tempestade perfeita

O sucesso do Genesis nos Estados Unidos, em contraste à situação do Mega Drive no Japão, causou atritos entre as equipes da Sega dos dois lados do Pacífico. Os diretores japoneses se sentiam “desprestigiados” e começaram a pressionar Hayao Nakayama a forçar a Sega of America a tomar determinadas ações controversas.

Muito desse sentimento vinha do fato de que os hardwares e sistemas eram desenvolvidos no Japão, não nos EUA, mas o sucesso ficava restrito “ao lado de lá” do oceano.

Quando o Sega Saturn foi lançado no Japão, inicialmente ele foi bem aceito pelo público, vendendo mais até do que o PlayStation, sobretudo pelo fato de ter Virtua Fighter como um dos jogos disponíveis desde o primeiro dia nas lojas.

Vivenciando o sucesso pela primeira vez em casa, e percebendo a quantidade enorme de hardwares com suporte pela empresa (Master System, Game Gear, Mega Drive, Sega CD, 32X, Nomad), a direção japonesa decidiu que o foco deveria ser majoritariamente no Sega Saturn, desconsiderando o sucesso de público e crítica do Genesis na América do Norte.

Após acaloradas discussões entre a equipe de Tom Kalinske e a sede, ficou decidido que o lançamento do Saturn nos Estados Unidos, originalmente planejado para o dia dois de setembro de 1995, seria realizado de forma surpresa, durante o primeiro dia da primeira edição da Electronic Entertainment Expo (E3), em 11 de maio de 1995. Foram enviadas 30 mil unidades do console a algumas redes de lojas, como a Toys "R" Us, a serem vendidas por 399 dólares cada, assim que houvesse a divulgação na E3.

Imediatamente após o fim da fala de Tom Kalinske na E3, o presidente da Sony Computer Entertainment America, Steve Race, subiu ao palco e disse: “299 dólares”. A platéia foi ao delírio, e a Sony desconstruiu toda a estratégia-surpresa da Sega com um preço substancialmente menor para seu produto em relação ao da rival.

Além da questão do preço, houve uma revolta generalizada entre os lojistas não contemplados pelo lançamento surpresa do Saturn; alguns, inclusive, se recusando a vender qualquer produto da Sega após o fato.

Ao estrear nos Estados Unidos, em setembro de 1995, foram vendidas mais unidades do PlayStation nos dois primeiros dias do que de Sega Saturn em meses.

O desastre que foi a chegada do Saturn aos EUA, em conjunto às ordens dada pelos japoneses para focar apenas no novo console, formaram a “tempestade perfeita” que selou o destino tanto do Genesis como, mais adiante, da Sega, enquanto fabricante de consoles.

Passando o bastão

Embora agora a prioridade fosse o Sega Saturn, o Mega Drive ainda recebeu bons jogos, a fim de suprir a demanda de consumidores que confiaram por anos na casa do Sonic.

Sucessos tardios, como Comix Zone, e novas entradas de séries famosas, como Ultimate Mortal Kombat 3, continuaram a dar as caras no console e ajudaram a vender mais de 2 milhões de unidades de Sega Genesis nos Estados Unidos em 1995. Mesmo assim, não foi o suficiente para impedir a ascensão do Super Nintendo à liderança do mercado de 16-bits naquele ano.

Sentindo que já não poderia implementar de forma satisfatória sua visão de negócios para a empresa, Tom Kalinske decidiu sair do comando da Sega of America em setembro de 1996.

Enquanto isso, com o Saturn perdendo cada vez mais terreno para o PlayStation, um fato interessante ocorreu: o jogo para as festas de fim de ano de 1996 nos consoles da Sega foi Sonic 3D Blast, desenvolvido pela britânica Traveller's Tales para Mega Drive e portado às pressas para o videogame de 32-bits. 

Apesar do nome, Sonic 3D Blast não é tridimensional de fato, pois utiliza uma visão isométrica para o controle dos sprites do personagem principal nos cenários. Ocorre que Sonic X-Treme, título planejado para ser a primeira entrada 3D da série do ouriço azul, foi cancelado devido a inúmeros problemas em seu processo de desenvolvimento.

Para salvar o fim de ano, a Sega solicitou que 3D Blast fosse portado do console de 16-bits para seu irmão mais novo, com melhorias nas texturas e estágios especiais em 3D. Mais uma vez foi o Genesis quem “segurou as pontas”, mas não por muito mais tempo.

Em 1997 a produção do console e de seus acessórios foi interrompida para o Japão, Estados Unidos e Europa, encerrando de fato a história do Sega Mega Drive/Genesis nos principais mercados do planeta.

Mega Drive pelo mundo

Assim como ocorreu com o Master System, o Mega Drive fez bastante sucesso na Europa e no Brasil, vencendo a concorrência no final do seu ciclo de vida.

O lançamento do console nos países europeus foi coordenado pela empresa Virgin Mastertronic, em 1990, adotando o nome original japonês (Mega Drive). Em 1991, a Sega adquiriu a empresa, renomeando-a para Sega of Europe.

Muitas estratégias adotadas pelos norte-americanos foram replicadas nos países europeus; como o lançamento simultâneo de Sonic 2. Além disso, jogos e ações publicitárias foram adequados às características locais, como, por exemplo, pelo maciço investimento em jogos de futebol, como os da série Fifa, nos países nos quais o esporte é popular.

Em Portugal, o mote utilizado para popularizar o console por meio das propagandas foi “Sega: É mais forte que tu!”. Variações da campanha também foram utilizadas na França:


Já no Reino Unido, as campanhas mais marcantes utilizaram a seguinte expressão: “To be this good takes Ages; To be this good takes Sega”. Em uma tradução livre, seria algo como “Para ser tão bom, leva tempo; para ser tão bom, leve Sega”.


Além da divulgação e distribuição, a Sega patrocinou determinados eventos esportivos e culturais, como o Grande Prêmio da Europa de Fórmula 1, da temporada 1993. Observe na imagem a seguir o vencedor, Ayrton Senna, erguendo o troféu em formato de Sonic:


Na Ásia, além do Japão, sua terra natal, o Mega Drive marcou presença em países diversos, como a Coréia do Sul e China, por meio de empresas de representação local. O mesmo ocorreu na Oceania; em ambos os continentes o Mega Drive obteve boa aceitação pelo público.

Na Coréia, devido às restrições vigentes à época, determinados produtos eletrônicos do Japão não poderiam ser vendidos no país a não ser por meio da representação de uma empresa local nacional. Dessa forma, o Mega Drive marcou presença na vida dos sul-coreanos por meio da Samsung, sendo distribuído por lá com os curiosos nomes de Super Gam*Boy (com asterisco mesmo) e Super Aladdin Boy.

Um sucesso nacional

O Mega Drive foi lançado no Brasil pela Tec Toy em 1990, um ano após a introdução do Master System em nosso mercado. Assim como ocorreu com seu irmão mais velho, o console de 16-bits fez muito sucesso por aqui.

O maior temor da Tec Toy ao trazer o Mega Drive para o Brasil era de que ele pudesse impactar negativamente nas vendas do Master System, pois não era claro a todos os consumidores as diferenças entre um console de terceira e de quarta gerações.

Para solucionar isso, a equipe de marketing da empresa brasileira posicionou o Mega Drive como um console premium, que apresentava o melhor da tecnologia do momento, e o Master System como um console de qualidade “para as massas”.

Como alguns jogos para Mega Drive também tinham conversões para Master System, era comum nas campanhas publicitárias da Tec Toy por vezes apresentar as duas versões, ou mostrar uma versão e indicar que a outra também estava disponível para o outro console.


A relação contratual para representação dos consoles da Sega no Brasil era realizada entre a Tec Toy e a matriz japonesa; além disso, a empresa nacional tinha planta industrial própria em Manaus e fabricava os consoles por aqui. Esses fatores possibilitaram, em alguns momentos, uma relação mais íntima entre brasileiros e nipônicos do que a existente entre a sede da Sega e sua filial norte-americana.

Em algumas entrevistas, Stefano Arnhold, presidente da Tec Toy à época, afirmou que Tom Kalinske chegou a ligar diversas vezes para o brasileiro, a fim de saber como a Tec Toy conseguiu determinada orientação ou informação do Japão antes dos norte-americanos.

Pela boa reputação construída entre Tec Toy e Sega, havia certa liberdade para a empresa brasileira propôr ações e jogos. Por exemplo, a ideia para desenvolvimento de um game de corrida com o astro das pistas Ayrton Senna foi proposta pela empresa nacional e prontamente aceita pelos japoneses.

Assim como ocorreu com o Master System, após a descontinuação do console no mercado internacional, a Tec Toy resolveu dar um passo a mais, desenvolvendo e portando jogos para o Mega Drive, mantendo o console relevante diante dos desafios apresentados pela concorrência, que agora era baseada em videogames potentes de 32 e 64 bits. 

Jogos inéditos, como Férias Frustradas do Pica Pau (1996) e Show do Milhão (2001) foram desenvolvidos no Brasil para o público local; além de impressionantes ports e adaptações de jogos famosos, como Duke Nukem 3D (1998)

O último jogo licenciado pela Sega para seu console de 16-bits no mundo é brasileiro, Show do Milhão Volume 2 (2002).

A Tec Toy chegou a lançar no Brasil tecnologias e serviços que não chegaram a ser disponibilizados nos Estados Unidos. Dois exemplos são a versão nacional do Mega Net, serviço on-line para receber e enviar e-mails, acessar revistas eletrônicas e notícias por meio do Mega Drive, e o TeleBradesco Residência, serviço de internet banking do Bradesco implementado em formato de cartucho para o console de 16-bits.

Após a saída da Sega do ramo de fabricação de consoles caseiros, a Tec Toy resolveu seguir adiante, lançando diversas versões do Master System e do Mega Drive. Em destaque podemos citar o Mega Drive 3 (2008), que contém, além dos clássicos do console, jogos mobile licenciados da EA, como FIFA 08, Need For Speed Pro Street e Sim City.

Outra versão interessante foi a Mega Drive 4, acompanhada pelo game de música Guitar Idol, que possibilitava ao jogador, por meio do uso de um controle em formato de guitarra, reproduzir músicas nacionais e internacionais “aos moldes” do sucesso Guitar Hero.

A versão mais recente do Mega Drive vendida pela empresa brasileira ficou disponível entre 2017 e 2023, trata-se de uma reprodução da primeira versão do Mega Drive, inclusive com entrada para cartuchos; porém agora com suporte para cartões SD e diferenças no hardware em relação ao original.

Legado

São muitos os legados deixados pela Sega durante sua participação na quarta geração dos videogames, sobretudo durante a tão intensa guerra dos 16-bits contra o Super Nintendo. 

O estímulo dado pela empresa para o desenvolvimento de novas franquias de esportes e ação para o Genesis/Mega Drive fomentou o caminho para o desenvolvimento de diversos games que hoje fazem parte até do movimento dos e-sports, como simuladores de futebol, basquete, luta, corrida, dentre outros.

As técnicas de marketing adotadas pela Sega, embora controversas até certo ponto, levaram a mudanças no foco das fabricantes de videogames para atingir um público que não fosse mais restrito apenas às crianças. Esse movimento fez com que o mercado de jogos crescesse tanto a ponto de hoje ser maior do que a soma dos mercados de filmes e de músicas.

O surgimento da franquia Sonic também foi um legado que perdura até hoje, não apenas pelos títulos desenvolvidos, mas também pela influência na evolução do gênero de platformers, com o surgimento posterior de séries inspiradas nas características das aventuras do ouriço, como Crash Bandicoot, por exemplo.

Até hoje, os passos tomados pela Sega na estreia mundial de Sonic 2 para Mega Drive inspiram as desenvolvedoras no planejamento e execução de lançamentos coordenados, visando transformar o evento no “assunto do momento” e potencializando as chances de sucesso.

O espírito visionário da primeira década de 1990, que inspirou a Sega a criar o Sega Channel, hoje serve de base para os diversos serviços de assinatura de jogos, como Xbox Game Pass e Playstation Plus.

Outro legado interessante sobre o Sega Channel é que, para que ele pudesse funcionar bem, as empresas de TV a cabo dos Estados Unidos tiveram de “limpar” os sinais que enviavam pelos cabos coaxiais; limpeza essa que, posteriormente, deu margem à implementação de internet banda-larga por esse meio de transmissão, utilizada até hoje em alguns locais dos EUA e, no Brasil, por operadoras como a Claro.

Até mesmo suas malfadadas investidas em add-ons e desenvolvimento de curiosos acessórios renderam aprendizados e frutos que, hoje em dia, as três grandes fabricantes ainda em mercado (Sony, Nintendo e Microsoft) seguem à risca, para evitar fragmentação de base de usuários ou visando atrair novos públicos para o console, como foi o caso do Kinect, para Xbox 360.

Embora a Sega já não fabrique consoles domésticos desde o início da década de 2000, as ações que tomou entre as décadas de 1980 e 1990 para promover o Mega Drive na arena dos videogames tornou sua contribuição ao mundo dos games, e da tecnologia em geral, presente no dia-a-dia dos gamers, mesmo 35 anos após o lançamento de seu 16-bits.

Conclusão

Dessa forma, encerramos por aqui o especial Mega Drive 35 anos. E você, caro leitor, chegou a vivenciar a guerra dos consoles? Se sim, conte-nos, nos comentários, sobre suas experiências, se fez parte do lado vermelho ou azul da força e quais foram seus jogos favoritos.

Agradecemos por nos acompanhar até aqui, e fique sempre ligado nas novidades do GameBlast!

Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Referências: Sega Retro ([1], [2], [3], [4], [5]), Sega-16, Blog TecToy, Website Sega-Brasil, Bojogá, Eurogamer, Financial Times e livro "Console Wars", de Blake J. Harris

Entendo videogames como sendo uma expressão de arte e lazer e, também, como uma impactante ferramenta de educação. No momento, doutorando em Sistemas da Informação pela EACH-USP, desenvolvendo jogos e sistemas desde 2020. Se quiser bater um papo comigo, nas redes sociais procure por @RodrigoGPontes.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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