Virtua Fighter (Arcade): 30 anos do pai dos jogos de luta 3D que mudou a história dos games

O surgimento da lendária franquia criada por Yu Suzuki marcou o início de muitas transformações no gênero.

em 17/11/2023
A entrada dos jogos poligonais representou um ponto de virada na indústria dos videogames nos anos 90. Com essa nova dimensão, surgiram novas ideias e gêneros, marcando o início de uma jornada repleta de experimentações que incluíram tanto criações bem-sucedidas quanto algumas menos favoráveis.


A Sega AM2, uma das desenvolvedoras mais prolíficas nos ramos dos arcades, desafiava os limites da tecnologia explorando não apenas o gameplay, mas também a entrega audiovisual. Na década de 80, a empresa emplacou alguns clássicos como Outrun e After Burner que simulavam efeitos tridimensionais com uso de sprites. No entanto, foi com Virtua Racing, em 1992, que alcançaram o verdadeiro 3D.

No entanto, o próximo passo de Yu Suzuki e sua equipe era ainda mais ambicioso: criar um jogo de luta com personagens humanos construídos com polígonos. Essa empreitada era desafiadora devido a limitações da tecnologia da Model 1, a placa de arcade 3D utilizada naquele período. Em 1993, o mundo pôde experimentar Virtua Fighter, o primeiro game de luta poligonal que não apenas influenciou o próprio gênero, como também toda a indústria.

O benefício do 3D

O desenvolvimento de Virtua Fighter começou logo após o de Virtua Racing, com a AM2 levando à frente seus trabalhos em modelar humanos 3D no jogo de corrida — embora fossem bastante simples. Criar pessoas em 3D era tecnicamente mais exigente do que veículos ou pistas planas, e o maior obstáculo da AM2 era assimilar uma quantidade maior de polígonos em tela mantendo uma taxa de quadros aceitável na Model 1. Após alguns testes e otimização no uso da técnica tridimensional, o jogo acabou não só rodando bem, como trouxe modelos humanos bem convincentes para a época.
Os humanos de Virtua Racing.
Contudo, um dos maiores benefícios de empregar a nova tecnologia em um jogo de luta também era um desafio na parte de animação. O objetivo de Yu Suzuki era reproduzir tipos de artes marciais de forma mais realista possível, distanciando-se de elementos sobre-humanos como projéteis mágicos. Para alcançar essa ambição, Virtua Fighter foi um dos primeiros títulos a adotar técnicas de captura de movimentos, utilizando a maior vantagem de um game poligonal: a fluidez na movimentação dos modelos, sem depender do trabalho de desenhar sprites quadro a quadro.

Assumindo um combate corpo a corpo mais pé no chão, o game apresenta 8 personagens que personificam diferentes estilos de luta:
  • Akira Yuki: a figura mais reconhecível da franquia, é um lutador de kung fu e um dos mais complexos de se aprender a jogar, desafiando a tradição do gênero para protagonistas;
  • Pai Chan: praticante de mízōngquán, uma vertente do estilo shaolin de kung fu, ela é uma grande estrela do cinema de Hong Kong e herda alguns movimentos de Lau;
  • Lau Chan: pai de Pai Chan, é lutador lendário e utiliza uma vertente mais agressiva do kung fu shaolin chamada de koenken (ou “punho do tigre garça”);
  • Wolf Hawkfield: descendente nativo norte-americano e praticante de pro wrestling, foca em agarrões;
  • Jeffry McWild: adotando o pancrácio como estilo de luta, algo bem diferente para um jogo de luta contemporâneo, é um personagem com foco na brutalidade de seus ataques;
  • Kage-Maru: um ninja que usa Hagakure-ryū Jū-Jutsu, adotando um combate mais defensivo que utiliza os ataques de um oponente a seu favor;
  • Sarah Bryant: talvez a figura feminina mais famosa da franquia, ela utiliza o Jeet Kune Do (semelhante às Artes Marciais Mistas) e é uma das melhores personagens para iniciantes;
  • Jacky Bryant: irmão de Sarah, também utiliza o Jeet Kune Do como estilo de luta e é perfeito para novatos.
Uma característica que permeia toda a franquia é a quase ausência de uma narrativa. Digo “quase” porque há um plano de fundo simples envolvendo uma organização criminosa chamada Judgement 6 (J6), a principal patrocinadora do World Fighting Tournament, o torneio de todos os jogos da franquia. O objetivo é roubar dados dos lutadores para criar uma ciborgue perfeita, conhecida como Dural. No entanto, esse enredo nunca foi abordado de forma mais aprofundada, e o primeiro game praticamente carece de uma história.

Caixas de leite lutadoras

Virtua Fighter simplifica a esquematização de botões, incorporando um botão para chute, outro para soco e um dedicado à defesa, configuração padrão da franquia. Os golpes envolvem sequência de botões e variações com o direcional como “frente-frente + soco” similares — ou seja, nada de “meia-lua” e suas variantes aqui.

Uma característica inédita para o gênero é o sistema de ring out, no qual a luta é encerrada se um dos lutadores sair do limite do ringue, concedendo um ponto ao que permaneceu seguro. Essa mecânica foi posteriormente replicada de várias maneiras em outros jogos de luta 3D.


Apesar da ênfase da representação poligonal em Virtua Fighter, não há movimentos manuais de movimentação que explorem a profundidade da terceira dimensão. Os combatentes permanecem em um eixo 2D, com alguns golpes mudando a linha bidimensional da luta enquanto a câmera se ajusta nessas situações. O foco do combate poligonal está no realismo dos ataques e, sobretudo, na fluidez da movimentação. Claro que nem tudo é perfeito, e há uma certa rigidez na jogabilidade, algo aceitável dada a natureza experimental do título da AM2 para a época.

Um aspecto estranho do sistema de combate está no salto. Devido às limitações na programação da física para a época, o pulo é extremamente flutuante e pouco prático, desafiando qualquer lógica de gravidade — caraterística apelidada de moon jump.

Virtua Fighter é um emblemático representante da infância dos jogos poligonais na parte de gráficos. A Model 1 era capaz de lidar eficientemente com objetos 3D, mas não possuía capacidade de mapear texturas em superfícies, deixando os modelos e cenários chapados, utilizando apenas cores para fornecer algum detalhamento.

A falta de texturização, um recurso que ajuda a disfarçar as arestas formadas pelos triângulos (ou quadriláteros) que compõem um modelo, torna os lutadores extremamente angulares.  Embora essa estética "crua" fosse impressionante em 1993, a aparência de "humanos em caixas de leite" adquire um charme retroativo nos dias atuais. Mesmo assim, os personagens eram detalhados, incluindo a modelagem separada dos dedos e um bom conjunto de articulações para a animação dos golpes.

Os cenários são praticamente iguais, consistindo em arenas quadradas com variações no tipo de solo e planos de fundo compostos por imagens estáticas ao redor dos ringues. Essa técnica foi amplamente utilizada no subgênero de luta 3D, com destaque para a série Tekken que a utilizou e refinou ao máximo durante os anos 90. Um detalhe interessante é que alguns cenários ocorrem em diferentes momentos do dia, como o de Sarah à noite e o de Wolf ao pôr do sol, apresentando um sistema de iluminação rudimentar.

Os ports e a influência na… Sony?

Virtua Fighter não apenas deixou sua marca nos fliperama, como nos consoles, embora de maneira um tanto negativa. Com o lançamento do Sega Saturn no Japão em dezembro de 1994, o port do título tornou-se o único jogo disponível para o console. O PlayStation, o principal rival que também foi lançado na mesma época, não só oferecia mais opções, como também contava com produções 3D mais atraentes. Além disso, a versão era graficamente inferior, com contagem poligonal reduzida, bugs gráficos e carregamentos frequentes.


O outro port foi algo curioso, lançado para o 32X. Naturalmente, houve cortes gráficos e sonoros para se adequar ao add-on do Mega Drive, mas o resultado ficou impressionante devido à fidelidade da jogabilidade e do poder de trazer aquilo para um 16-bits — com o impulso do acessório 32-bits, é claro. Sem os loadings e com maior polimento, acaba sendo uma opção superior ao do console de quinta geração.


Para lidar com o fracasso do port inicial do Saturn, a AM2 preparou um remake em 1995 com diversas melhorias. Chamado de Virtua Fighter Remix, toda a parte visual recebeu um novo acabamento, incluindo mapeamento de texturas e melhorias nos modelos. Nos Estados Unidos, essa versão podia ser adquirida gratuitamente por cada comprador da versão original, como um pedido de desculpas.


Encerrando as iterações nos consoles, ao celebrar seus 10 anos, a franquia recebeu uma espécie de demake de Virtua Fighter 4 para o PlayStation 2, adotando a estética lowpoly do título original. Embora não seja 100% preciso ao que rodaria numa Model 1, a experiência de ver personagens introduzidos a partir do segundo jogo com visual rudimentar foi fascinante.


No entanto, a influência mais inesperada de Virtua Fighter foi na rival Sony. Em uma entrevista ao blog japonês 4Gamer, Ryoji Akagawa, um dos responsáveis pelo desenvolvimento do primeiro PlayStation, afirmou que o jogo de luta da Sega mudou o foco na criação do hardware, reconhecendo o 3D como o futuro dos videogames. Ele mencionou que sem o título, o projeto do console seria totalmente diferente. Ironicamente, o planejamento inicial do Sega Saturn estava centrado no 2D, já que a Sega ainda não via o real potencial da tecnologia poligonal em videogames. Mais uma das curiosas decisões da empresa por trás de Sonic na indústria.

“Jū-nen hayain da yo!”

Embora, à primeira vista, os gráficos possam parecer comicamente antiquados, é inegável que este foi um dos jogos pioneiros que pavimentou o caminho para outras produções na indústria dos videogames. A representação de humanos construídos em polígonos e a abordagem de jogabilidade introduzidas aqui influenciaram outras franquias de maneiras distintas. Enquanto cada série adaptava essas ideias à sua maneira, a franquia da AM2 continuou evoluindo a cada novo título, sempre priorizando o realismo e empurrando os limites da tecnologia disponível.

Que Virtua Fighter tenha uma vida longa e que possamos testemunhar o lançamento de um sexto jogo algum dia, dando continuidade a essa grande franquia.

Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut

Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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