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Análise: The Last of Us Part I (PC) prova que adaptar jogos para os computadores não é uma tarefa fácil

Um dos jogos mais importantes da Sony recebe um port muito aquém das expectativas.

Desde que a Sony começou a lançar os seus jogos para os computadores pessoais, muito se questionou sobre qual seria a estratégia da empresa japonesa com a nova plataforma. No mar de palpites e previsões que tomou a internet a partir da estreia de Horizon: Zero Dawn nos PCs, porém, algo parecia cada vez mais claro: na ausência de lançamentos simultâneos, a qualidade dos ports amenizaria o longo tempo de espera pelas versões de PC, que frequentemente acabariam sendo as melhores quando comparadas às dos consoles.


Infelizmente, no caso de The Last of Us Part I, remasterização para a nova geração de um dos títulos mais aclamados e influentes da última década, tais expectativas são estraçalhadas com uma das piores versões da história recente da indústria dos games. Mal otimizado e com problemas significativos de execução em sua nova casa, a obra-prima da Naughty Dog é um exemplo de que adaptar jogos para o PC é uma tarefa que precisa ser encarada com a devida seriedade; do contrário, presenciaremos outros desastres similares.

Um dos melhores jogos já feitos…

Como as qualidades de The Last of Us já foram proclamadas incontáveis vezes desde o seu lançamento original no PlayStation 3 e o meu colega de redação Alexandre Galvão já discorreu de modo efetivo sobre as vantagens e desvantagens deste remake para a atual geração, nesta análise decidi não me prolongar muito sobre os méritos da obra da Naughty Dog, focando de modo mais específico no caráter técnico da adaptação.

Ainda assim, seria leviano não mencionar como, mesmo quase uma década após a sua estreia, The Last of Us continua sendo impactante e uma referência em imersão e storytelling para a indústria dos jogos. Com mais de 37 milhões de cópias vendidas e uma série pra lá de bem-sucedida produzida pela HBO, trata-se da franquia mais importante da Sony na atualidade e o principal motivo, na minha humilde opinião, pelo qual a marca PlayStation passou a ser sinônimo de grandes jogos single-player.

Em suma, mesmo estando muito, mas muito distante mesmo de sua melhor forma nos computadores (falaremos sobre isso muito em breve), The Last of Us merece ser jogado, especialmente se você, de alguma forma, nunca teve contato com a história de Joel e Ellie até agora. 

O fato de que nem o tempo, nem uma péssima adaptação conseguem evitar completamente sua recomendação entregam um fato: aqui está um dos melhores jogos de todos os tempos. É, então, uma grande pena e um grave pecado que ele não tenha sido tratado com o devido respeito desta vez.

…preso em um dos piores ports dos últimos tempos

Após os excelentes ports recentes da Sony, como Returnal (PC/PS5) e Uncharted: Coleção Legado dos Ladrões (PC/PS5), era de se esperar que The Last of Us Part I recebesse o mesmo carinho em sua adaptação, que inclusive teve a sua data de lançamento adiada para fins de polimento. Infelizmente, a realidade ficou muito aquém das expectativas, com diversos problemas que nos fazem questionar se o título inclusive passou por algum tipo de testagem antes de ser lançado.

Vamos por partes: o primeiro percalço diz respeito aos shaders e seu carregamento. Sendo eles responsáveis pela renderização de efeitos como iluminação e sombras em cada uma das muitas combinações de CPU e GPU que existem no mercado, é comum que seja possível gerá-los antes de começar o jogo, evitando travamentos que ocorreriam se a tarefa fosse feita em segundo plano, durante a gameplay.

Returnal e Call of Duty: Modern Warfare II (Multi), por exemplo, são jogos que contam com essa função, inexistente nos consoles por conta da arquitetura fechada. O problema é que em The Last of Us Part I, esse carregamento é extremamente demorado e fora do padrão atual da indústria. Em meu PC, composto por um Ryzen 7 5700x e uma RTX 3060, precisei esperar em torno de 40 minutos até a conclusão; há relatos na internet de jogadores que precisaram esperar duas horas.

Para efeito de comparação, o mesmo procedimento em Returnal — outro jogo exclusivo da atual geração — não demora nem quatro minutos, evidenciando um deslize grave que afetou inclusive a política de reembolso do Steam, a qual exige que quaisquer pedidos de estorno sejam feitos com menos de duas horas de jogo. 

Como proceder nesse caso? Pular o processamento dos shaders e partir para a jogatina não é lá uma opção muito viável, já que isso torna a experiência especialmente propensa a travamentos e crashes enquanto a tarefa é feita em segundo plano. Sabendo disso, esperei o procedimento, mas foi só começar de fato a aventura para me deparar com outros problemas, como os loadings.

Por algum motivo que não sei bem explicar, The Last of Us Part I, mesmo instalado em um SSD NVMe, conta com longos tempos de carregamento (maiores que um minuto) entre uma cena e outra, como se tivesse sido instalado em um HDD. Que situação, não? 

Além disso, investigar o menu de opções gráficas para ver se alguma configuração estaria interferindo no loading me revelou outra característica peculiar desta adaptação: o uso intensivo de VRAM. Mesmo em 1080p, com todas as configurações gráficas no preset “alto” do jogo, exceto as texturas, TLOU I utilizou nada menos que 9.2GB da memória de vídeo da minha placa, reservando no total 11.6 dos 12GB disponíveis.

Na minha opinião, tratam-se de números surreais, considerando que a maioria das placas de vídeo atuais do mercado, incluindo as excelentes RTX 3060 Ti e RTX 3070, possuem “apenas” 8GB, levando a problemas de performance quando o limite é ultrapassado, apesar do poder de sobra.

Inclusive, todas as placas listadas como recomendadas pelos desenvolvedores possuem essa mesma quantidade de VRAM, o que não faz sentido algum se, na prática, o resultado acaba inviabilizando jogar em resoluções mais altas que 1080p se o jogador não mexer nas configurações gráficas e deixar o visual próximo ao do original no PlayStation 3 (sim, acredite, é tão ruim quanto soa).

Quando juntamos tudo isso às variações bruscas de desempenho, bugs como personagens flutuantes e crashes a torto e a direito, fica difícil negar a verdade: The Last of Us Part I está extremamente mal otimizado no PC. Considerando a espera de quase dez anos pelo jogo na plataforma, é realmente triste o cenário atual. 

Nem mesmo recursos já esperados e bem-vindos, como DLSS, FSR e suporte a ultrawide amenizam a situação, já que há problemas até com a implementação de mouse e teclado, com aceleração e tremor que dificultam a experiência com esses comandos.

Onde há vida, há esperança?

Para não ser injusto, é preciso mencionar que, desde o desastroso lançamento na última semana, a Naughty Dog se desculpou pelo estado do jogo no PC, disponibilizando juntamente à Iron Galaxy três hotfixes que ajudaram discretamente no tempo de carregamento dos shaders e dos loadings in-game, além de corrigir parte (não todos) dos comportamentos bizarros dos NPCs.

Infelizmente, na ausência de um patch significativo, as escassas melhorias oferecidas até agora não são o bastante para mudar a impressão geral de que The Last of Us Part I merecia alguns meses a mais no forno para que a sua adaptação para os computadores estivesse à altura do hype gerado pela série da HBO e de seu legado enquanto um dos títulos mais importantes do PlayStation.

Considerando que mesmo os jogos mais bem-adaptados da Sony continuaram a receber suporte por longos períodos de tempo no PC, opto por ceder ao benefício da dúvida e acreditar que, eventualmente, este port será consertado, assim como um dia Cyberpunk 2077 (Multi) foi.

A minha recomendação geral, feita alguns parágrafos atrás, se mantém: a primeira parte da saga de Joel e Ellie precisa ser jogada, especialmente se você aprecia a temática zumbi/pós-apocalíptica e, por algum motivo, ainda não teve contato com o título. Só é preciso ter em mente que, neste exato momento, há maneiras bem melhores de fazê-lo, nem que a saída seja recorrer à geração anterior.

A prova de que adaptar jogos para o PC não é uma tarefa fácil

Remake de um dos jogos mais importantes da história, The Last of Us Part I merecia mais, muito mais em sua aguardada chegada ao PC. Em seu deprimente estado atual, somente os entusiastas radicais de sua proposta ou os jogadores que tenham um hardware muito acima da média devem considerar uma aquisição antes de mais patches; até lá, os demais estarão melhor servidos com as versões já disponíveis em outras plataformas.

Fica a esperança, então, que tanto a Naughty Dog quanto a Sony aprendam a lição: adaptar jogos para o PC não é uma missão simples. Se os jogadores da plataforma estiverem condicionados a esperar anos e anos por um título dos consoles, que este pelo menos seja servido de uma forma palatável. Do contrário, será difícil classificar o resultado como algo a mais que indigesto.

Prós

  • Estreia a franquia The Last of Us no PC;
  • Quase dez anos depois de seu lançamento original, mantém intacta a sua habilidade de prender o jogador através da narrativa e jogabilidade;
  • Conta com alguns recursos exclusivos à plataforma, como suporte a DLSS, FSR e ultrawide.

Contras

  • Extremamente mal otimizado, com variações bruscas na taxa de quadros por segundo, longos tempos de carregamento, inexplicável uso de VRAM e problemas com mouse e teclado;
  • Não adiciona nada verdadeiramente significativo que justifique a alcunha de remake;
  • Bugs e crashes frequentes;
  • Sem patches significativos até o momento de publicação desta análise.
The Last of Us Part I — PC — Nota: 6.5
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela PlayStation PC

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
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