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Análise: Cyberpunk 2077 (Multi): um bom RPG futurista, porém aquém da sua proposta e tomado por bugs

Night City é um instigante vislumbre de um mundo futurista, mas o jogo é marcado por limitações e defeitos.

Para uma boa parcela de jogadores, Cyberpunk 2077 dispensa apresentações. Anunciado em 2012 pela CD Projekt Red, o RPG prometia ser bastante ambicioso e gerou grandes expectativas. A agitação dos fãs cresceu ainda mais desde 2018, conforme novos vídeos foram divulgados e uma perspectiva concreta de lançamento se aproximava.

Isso se intensificou entre 2019 e 2020. Inicialmente marcado para chegar ao PC, PS4 e Xbox One em 16 de abril de 2020, o jogo sofreu adiamentos até receber um lançamento conturbado no dia 10 de dezembro. Antes de iniciar a análise em si, gostaria de destacar que o texto é baseado na versão de PC do RPG, tendo em vista que é sabido que as versões de PS4 e Xbox One apresentam mais problemas.

Bem-vindos a Night City

Cyberpunk 2077 se passa em Night City, uma cidade marcada em especial por seus avanços tecnológicos e violência desenfreada. Sua representação do futuro segue o esperado de um mundo cyberpunk: a impossível dissociação entre humanos e tecnologia, megacorporações sem escrúpulos que tentam controlar tudo ao seu redor, a disputa incessante por poder entre grupos criminosos e uma força policial que abusa de sua autoridade repressora em múltiplas ocasiões.

Enquanto muitos cidadãos comuns convivem diariamente com a criminalidade, precisando lidar com situações de violência nos confrontos entre a polícia e grupos marginais, o alto escalão das corporações trama um jogo perverso uns contra os outros. Não é uma realidade social muito distante, mas seus elementos estão escancarados.

Outro elemento que definitivamente chama a atenção na cidade é seu apelo sexual. A vulgaridade é uma marca registrada de Night City, que conta com propagandas explícitas por todos os lados. Isso sem mencionar as áreas que realmente são focadas em satisfazer os prazeres mundanos, não escondendo nada dos olhares externos, com brinquedos sexuais em vitrines, por exemplo.

Essa construção de mundo é muito bem-feita, oferecendo um conceito consistente e interessante de megalópole futurista. Esse aspecto é uma das principais forças do jogo e é fortalecido pelo trabalho de tradução para o português. Dublado e legendado na nossa língua, Cyberpunk 2077 utiliza gírias e referências populares que combinam muito bem com a proposta.

Há uma boa quantidade de erros, trechos inconsistentes, pontos em que o texto em inglês é mantido erroneamente, falas em que o tom da dublagem oscila de forma brusca e partes do tutorial até estavam em polonês quando joguei. Porém, de um modo geral, o trabalho de efetivamente localizar o texto, garantindo uma boa qualidade de humor e compreensão do público, faz com que a história seja prazerosa de se curtir em português.

Em termos da narrativa, vale destacar que as opções de diálogo disponíveis na maior parte do tempo são bastante similares, não deixando claro qual seria o impacto de sua escolha. Em alguns casos as opções parecem definir apenas a intensidade da fala ao invés de realmente deixar o jogador livre para escolher o que fazer, sendo algumas consequências fixas, como a morte de certos personagens. A sensação é a de que a maior parte dos eventos realmente relevantes não sofrem tanta influência do jogador, exceto pelo final, cujas alternativas são liberadas com a realização de certas missões opcionais.

Criando o seu próprio personagem

Um aspecto importante de Cyberpunk 2077 é a construção de personagem. No intuito de permitir uma experiência de realmente assumir o papel do protagonista V, é possível customizar sua aparência. Além de escolher entre os gêneros masculino e feminino, o jogador pode definir várias opções estéticas, mesmo o jogo sendo em primeira pessoa.

Essas opções incluem até um sistema de customização de genitais, que permite escolher entre vagina, pênis 1, pênis 2 ou nenhum órgão; pelos pubianos e sliders de tamanho também fazem parte. No entanto, essa é a parte mais elaborada das opções, sendo impossível alterar de fato a estrutura do porte físico de V. Essa limitação faz com que nenhuma versão do protagonista possa ser baixinha ou gorda, tendo um molde fixo no qual são encaixadas as opções de cabelo, olho, nariz, tatuagens, etc. Além disso, uma vez começada a história, é impossível mudar a aparência do personagem, exceto pelas roupas.

Vale destacar que a escolha de gênero altera a voz e os pronomes utilizados para se referir a V, assim como as parcas opções de romance tendo em vista a sexualidade dos NPCs. Mais importante é a escolha de build do personagem, o que inclui a sua história de origem e os atributos que influenciam as suas aptidões.

Existem três opções de backstory para o personagem: nômade, marginal e corporativo. O início do jogo é alterado de acordo com essa escolha, com opções específicas para determinados diálogos, o que é indicado com clareza ao longo da campanha. Isso reflete bem o passado do personagem adaptando levemente a jornada e permitindo falas que, por exemplo, só fazem sentido porque V já foi parte da grande corporação Arasaka ou porque ele/ela teve uma vida marginalizada nas ruas de Night City.

Porém, o que faz a maior diferença são os atributos: corpo, reflexos, habilidade técnica, inteligência e moral. Se o jogador quiser ser mais agressivo com ataques diretos e brutos, é melhor focar em corpo e reflexos. O primeiro oferece mais força de forma geral, enquanto o segundo é focado na habilidade de manuseio com as armas, permitindo mais danos críticos e evasão.

A habilidade técnica se reflete principalmente no sistema de crafting do jogo, no qual é possível desmontar itens e usar materiais genéricos na criação e melhoria de armas, equipamentos e outros objetos do inventário. A inteligência auxilia no sistema de hacking, que permite invadir as redes de inimigos e objetos específicos do cenário. Com o aumento de níveis de inteligência e a obtenção de itens equipáveis de quickhack, é possível ativar várias funções, como desligar câmeras e torretas, bloquear a visão de inimigos, paralisá-los, causar curtos nos seus circuitos, etc.

Por fim, a moral auxilia especialmente na furtividade, com habilidades que aumentam a letalidade dos ataques contra inimigos que ainda não perceberam a movimentação do protagonista. Conforme realizamos missões e ganhamos experiência, V irá ganhar níveis que podem ser investidos nos atributos e no desbloqueio de habilidades específicas associadas a eles. A realização de ações específicas como o uso de hacks ou ataques furtivos também implica em melhorias para que o jogador se sinta recompensado e possa investir em se aprimorar nessas áreas.

Dependendo das escolhas, teremos acesso a ações diferentes ao explorar a cidade e realizar seus trabalhos. Essa maleabilidade ajuda a tornar as missões interessantes e fazer com que o desenvolvimento de habilidades seja algo recompensador. Como Night City é recheada com várias atividades opcionais para fazer, isso ajuda a valorizar a exploração da cidade.

Cyberbugs 2077

Quem acompanhou o lançamento sabe que Cyberpunk 2077 é um jogo particularmente marcado por bugs variados. As versões de PS4 e Xbox One viraram alvo de enormes críticas por estarem em um estado complicado até para jogadores mais acostumados a títulos problemáticos.

O título é bem mais jogável no PC, mas isso não significa que ele está livre de problemas. Muito pelo contrário: Cyberpunk 2077 é definitivamente o jogo em que mais encarei bugs. Boa parte deles são coisas hilárias e estúpidas, não atrapalhando a experiência. Casos como pessoas voadoras, roupas que param de carregar deixando o protagonista pelado, animações erradas de personagens, celulares voadores, carros vazios no meio da rua travando o trânsito, áreas grosseiras de destruição de carros, pessoas que reaparecem dentro de carros roubados que caíram na água e gritam por socorro, e aquelas que estão enfiadas no meio de objetos e de outras pessoas.

Nenhum desses atrapalha o jogo, apesar de demonstrar muito bem que ele precisava de mais polimento. Infelizmente, esses não são os únicos problemas. Conforme avancei pela história, passei por vários crashes; em certo momento, o meu mapa foi inutilizado, pois o cursor estava andando para o infinito. Restaurar saves pode manter o status de combate ao invés de resetar realmente para como estava antes, e em algumas áreas os inimigos podiam ver através das paredes. Como meu computador supera apenas os requisitos mínimos do jogo, em um determinado ponto as áreas passaram a ocasionar forte lentidão no carregamento de objetos e travamento geral.

Acredito que esses problemas serão corrigidos ao longo do tempo com as futuras atualizações, até porque a empresa já está trabalhando nisso. Algumas já foram feitas para lidar com bugs graves, como um problema que corrompia saves que ultrapassavam um determinado tamanho. Porém, no momento é impossível relevar a grande quantidade de problemas.

Um jogo para aproveitar no futuro

Cyberpunk 2077 é um bom RPG com um mundo futurista interessante, um trabalho de localização sólido e um gameplay que permite certa maleabilidade na resolução das missões. Porém, na mesma medida, o jogo sofre com muitos bugs e, mesmo sem eles, não estaria em condições de corresponder a toda a expectativa gerada por apresentar uma customização limitada e uma narrativa em que os impactos são pouco sentidos. Sem esse hype demasiado em mente, há uma jornada interessante que espero que tenha a oportunidade de brilhar adequadamente com os futuros updates.

Prós

  • Um mundo futurista muito bem construído em torno da vulgaridade, violência e tecnologia;
  • Excelente tradução para o português com utilização de gírias e referências que combinam com o mundo proposto;
  • Opções de build que oferecem maleabilidade para as ações do jogador nas missões;
  • As sidequests povoam o mundo e adicionam atividades interessantes a se fazer.

Contras

  • Grande quantidade de bugs, que vão desde inofensivas pessoas voadoras a crashes;
  • Customização estética limitada em especial devido ao porte fixo de personagem;
  • As opções de diálogo são usualmente similares e raramente têm impactos relevantes.

Cyberpunk 2077 – PC/PS4/PS5/XBO/XSX – Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela CD Projekt Red


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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