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Análise: Vernal Edge (Multi) viaja por um metroidvania de ilhas flutuantes e lutas desafiadoras

Com boas ideias e mais pontos positivos do que negativos, Vernal Edge se justifica em meio ao gênero.


Não é de hoje que há quem diga que o gênero metroidvania anda saturado. Sendo um dos meus tipos de jogos favoritos, sou tendencioso quando digo que discordo. Acho que a curva crescente na última década trouxe muita qualidade e rendeu bons frutos ao induzir esses títulos a criar identidade própria, sob pena de cair no mais do mesmo.


É nesse sentido que Vernal Edge mostra que sabe bem o que é e prefere focar em seus pontos fortes para dar sua variação particular e fugir ao modelo genérico. Isso acontece em três aspectos: o combate, a narrativa e a estrutura de mundo, sendo que esta última também é o maior calo do jogo.



Com a cabeça nas nuvens

Logo na primeira meia hora, damos de cara com o maior diferencial de Vernal Edge: seu mundo semi-aberto feito de ilhas voadoras em gráficos 3D no estilo do PS1. Naquela terra que mistura ciência e magia, algo fez partes de terra ascender ao céu, destruindo o reino de Caupino no processo e caindo sob o domínio da Igreja de Aloe.

É nesse contexto que Vernal, a protagonista de pavio curto, parte em busca do cientista Asfódelos, seu pai, com um propósito que ela não faz questão de esconder: matá-lo. A história de vingança familiar nos leva a procurar pelas ilhas em cenários 2D em pixel art bem feita e geralmente bonita.



Basta acabar a introdução para ficar diante de um punhado de ilhas disponíveis, o que é, no mínimo, ambivalente. Por um lado, a liberdade é estimulante e a falta de direção de Vernal está representada no próprio jogador, que não sabe por onde começar e topa ir atrás de qualquer pista que puder achar.

Por outro lado, esse esquema de perambular sem rumo, confiando que o jogo saberá guiar a aventura sutilmente, se estende por quase toda a campanha, nem sempre de maneira eficaz. As ilhas são desconhecidas para a jovem, então você não sabe o que esperar delas e torce para, eventualmente, chegar ao lugar certo para ver a história prosseguir.



Após alguns momentos-chave, a tempestade que restringia parte do mapa celeste acaba e você pode visitar ainda mais ilhas. Mais de uma vez me vi retornando a locais já explorados, tentando lembrar o que havia ali e se havia alguma ponta solta que, por sorte, poderia ser exatamente o que me faltava para dar mais um passo na aventura e conseguir mais uma habilidade essencial.

Acabei em momentos de tentativa e erro em que me senti perdido, o que foi frustrante e comprometeu meu envolvimento com o jogo em geral. No entanto, bastava encontrar um caminho não trilhado que toda a empolgação retornava e eu corria para ver que locais poderia acessar com as novas habilidades.



Muitas vezes, esses caminhos eram longos e levavam apenas a alguma melhoria, como um fragmento de aumentar saúde ou coração, o que parecia um exagero para um único prêmio opcional que não faz avançar a trama. Felizmente, essas áreas sempre têm um level design interessante ou desafiador, o que, somado à recompensa de upgrade, faz com que valham a pena.

Mapas sem marcadores do jogador deviam ser proibidos

Em suma, a estrutura de mundo de Vernal Edge tende à abertura para nos incitar a desbravar o mundo flutuante, mas essa faca de dois gumes pode ferir a motivação quando nos sentimos perdidos e sem opções claras. Isso poderia ser resolvido com algo simple, como um sistema de mapas mais eficiente.

Nem todas as ilhas têm mapa e a maioria delas parece labiríntica em algum nível. Geralmente, o labirinto é apenas uma impressão, pois o jogo está competentemente te conduzindo por um funil até o objetivo. Algumas ilhas maiores, porém, são realmente cheias de caminhos, nem sempre mapeados.



Para ajudar, existe uma habilidade que pode ser comprada para abrir um minimapa que entrega o formato dos arredores. Se no começo do jogo eu desdenhei dessa vantagem, na metade em diante decidi deixá-la sempre equipada para evitar aborrecimentos.

Você até pode usar marcadores no mapa do céu, mas eles apenas marcam a ilha como um todo com cores diferentes, o que beira a inutilidade. O que falta mesmo para equilibrar a abertura do mundo é a opção de aplicar marcadores aos mapas interiores das ilhas como lembretes de locais para um futuro retorno. Sem isso, cabe a você lembrar dos detalhes, então sugiro que faça anotações ou fotografe o local para não depender da memória.



A vingança nunca é plena

A protagonista é raivosa, cínica e não pensa muito nas consequências, preferindo “resolver” tudo na ponta da espada. Vernal passou por bastante problemas na vida, como descobrimos ao longo da trama, o que lhe dá um bom desenvolvimento que eu não esperava. Se no começo achei que os diálogos não serviam para muita coisa, logo passei a gostar da forma como a história é contada. Você pode falar com NPCs nas cidades, mas o principal está nos papos com Chervil, seu companheiro de missão que conhece no início do jogo.

Chervil era um cientista auxiliar de Asfódelos e, juntamente a outros colegas, entrou no projeto que transmigrava a alma para uma “Casca”, um tipo de armadura, algo de que se arrependeu muito ao ver que era uma enganação. Por isso, ele acompanha Vernal em busca do vilão, pilotando a nave e oferecendo um pouco de contexto para cada ilha em que pousam.



O legal é que, quase sempre que acontece algo importante, como ganhar uma habilidade, surge uma opção de diálogo com Chervil enquanto navegamos pelo mapa do mundo. Dessa maneira, tanto Chervil quanto Vernal vão mostrando facetas que nos fazem entender melhor suas personalidades e o que se passa com eles.

Os textos também puxam para o humor e adicionam uma pitada de autorreferência de vez em quando, conscientes das convenções do gênero, como você pode ver na imagem abaixo.



Todos que a subestimam pagam por esse erro

O combate é veloz e variado, aumentando a dose ao longo da jornada. Vernal usa uma espada que pode fazer combos ou ataques carregados, o que é muito valioso para quebrar a postura do inimigo e golpeá-lo livremente nos poucos segundos em que fica atordoado. Essa mecânica é central à gameplay e fez a diferença para mim em muitas situações.

A espadachim esquentadinha também pode ser equipada com magias e habilidades passivas e ativas, chamadas de Memórias. As magias podem ser equipadas em até quatro, ficam em botões de atalho e servem mais para ataques diferentes, inclusive a distância.



As Memórias dão vantagens ou modificam alguns ataques de espada. Como elas são equipadas com base nos Pontos de Memória, um item que você encontrará em cada esquina para aumentar seu limite, se explorar bastante terá o suficiente para ativar a maioria das Memórias.

Uma mecânica muito interessante é a de cura. Parece estranha e até demorei a entender como ela acontece. Ao bater em inimigos, Vernal enche uma Barra de Pulso. Quando tem o suficiente, ela pode lançar uma cópia espectral de sua espada, que finca no inimigo. Ao apertar o mesmo botão novamente, ela dá um ataque giratório que alcança o oponente, causando bastante dano ao mesmo tempo em que se cura.



Em resumo: para se curar você precisa atacar e sua ação de cura também é um ataque. Ou seja, Vernal Edge estimula a jogar agressivamente, refletindo a personalidade e estilo da própria protagonista.

O problema está nos poucos tipos de inimigos. Eles são variados entre si e você aprenderá seus diferentes golpes, mas, antes mesmo de chegar à metade da campanha, já terá conhecido todos, dando uma sensação de repetição. 

Isso não tira a empolgação de desafios como a Torre de Batalha, uma espécie de arena que combina esses oponentes de várias formas exigentes que farão você suar para fazer com que Vernal permaneça viva. No entanto, eu esperava mais surpresas nesse sentido, considerando o quanto o jogo foca no combate e quantos locais os diferentes são visitados.



A estrutura semi-aberta mais uma vez traz um possível problema de incoerência de dificuldade, caso você passe por ilhas de lutas mais simples depois de ter passado por outras mais complexas, tirando o aproveitamento.

Já as lutas contra chefes são pontos altos e todas foram divertidamente difíceis e equilibradamente justas. Quando apanha numa luta pela primeira vez, você pensa “como esse golpe tirou quase metade da minha vida???”, mas, nas tentativas seguintes, seu aprendizado dos movimentos do adversário mostrarão que basta ter paciência e não ser ganancioso para conseguir uma bela e satisfatória vitória.



Para quem quer curtir e explorar sem ter que tentar 10 ou 20 vezes para derrotar cada chefe, a boa notícia é que, ao iniciar um novo jogo, é possível selecionar a dificuldade. Eu joguei no Normal, mas há opções para quem quiser algo mais leve ou mais punitivo.

Curiosidade: Vernal é “primaveril”, em inglês derivado do latim

Vernal Edge entrega combates caprichados contra chefes, mas fica devendo na variedade de inimigos. Ganha pontos por oferece um mundo semi-aberto diferente do comum entre os metroidvanias, mas deveria ter locais mais enxutos e sistema de mapa mais generoso. Pesando prós e contras do jogo, concluo que há mais acertos que problemas, o suficiente para recomendá-lo a qualquer apreciador do gênero que tenha paciência para desbravar um mundo que não aponta direções.

Prós

  • A liberdade de exploração leva a lugares interessantes e inesperados;
  • Muitos segredos para descobrir;
  • O movimento gradualmente mais ágil no decorrer da campanha transmite boa sensação de progresso;
  • Pixel art competente e bonita;
  • As magias e memórias permitem estilos de combate variados;
  • Chefes difíceis e sempre justos estimulam o aprendizado;
  • Diálogos bem-humorados e história mais desenvolvida do que pode parecer a princípio;
  • Textos em português brasileiro.

Contras

  • Os lugares vazios são desnecessariamente grandes;
  • A falta de direcionamento pode levar à frustração de não lembrar os caminhos possíveis, obrigando a longos momentos de baktracking que poderiam ser evitados com um sistema de mapas mais interativo;
  • A abertura prejudica o equilíbrio da dificuldade, pois você pode encontrar combates mais fáceis após já ter passado por versões mais difíceis da mesma situação;
  • Pouca variedade de inimigos.
Vernal Edge — PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS5
 
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela PID Games

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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