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Análise: Like a Dragon Gaiden: The Man Who Erased His Name (Multi) é um novo último adeus de Kazuma Kiryu

A nova aventura protagonizada pelo Dragão de Dojima serve como uma ponte (meio bamba) entre o sétimo e oitavo títulos da franquia.



Like a Dragon Gaiden: The Man Who Erased His Name é um jogo para veteranos. Concebido originalmente como um DLC de Yakuza: Like a Dragon (Multi), ele com certeza não é uma boa porta de entrada para a franquia. Da mesma forma, ele não pode ser encarado como um spin-off, visto que ele não consegue sobreviver como um elemento à parte da saga principal. Cheio de menções e referências a outros acontecimentos da série, o título é uma carta escrita à mão para seus fãs de longa data que serve como mais um adeus do Dragão de Dojima como protagonista.

A aventura íntima do homem que apagou seu próprio nome

Yakuza 6: The Song of Life (Multi) foi um ponto de virada em Like a Dragon, marcando a despedida de Kazuma Kiryu, o protagonista emblemático da série. Após os acontecimentos do jogo, Kiryu optou por uma vida reclusa, porém, ele teve uma aparição especial no sétimo jogo da saga, oficializando a transição para Ichiban Kasuga, que assumiu o papel central na narrativa.




Essa sobrevivência anônima, entretanto, estava vinculada a um acordo estabelecido com uma agremiação conhecida como Daidoji, tornando-se um agente secreto sob o pseudônimo “Joryu”. Como um homem que não podia ser encontrado, seu cotidiano passou a ser composto por tarefas muitas vezes conferidas a ele, como servir de segurança (quase uma babá) de filhas festeiras de políticos poderosos.

Tal abordagem, gostaria de ressaltar, lembrou-me um pouco o começo de Logan (2017), aquele filme do Wolverine em que os mutantes foram todos caçados e o herói precisou ocultar a sua existência enquanto tentava sobreviver na clandestinidade com o insalubre trabalho de motorista de limusine. Ambos, nesse caso, tratam com certa delicadeza a pauta do envelhecimento e da responsabilidade em seguir com uma vida ingrata para proteger os seus entes queridos.




Pois bem, Joryu, depois de se envolver em uma operação armada que dá errado, vê seu superior direto na Daidoji ser sequestrado e, contrariando o protocolo da organização, parte em uma missão particular para salvá-lo. Isso o leva diretamente para Sotenbori, região conhecida pelos veteranos da série e que é uma espécie de capital do entretenimento, como uma contraparte da clássica Kamurocho. 

É em Sotenbori que o jogador conhece Akame, uma moça responsável por estabelecer uma rede de informação e suporte aos sem-teto da região. Após cooptar Joryu como um faz-tudo de sua instituição, ela o leva para um paraíso flutuante chamado Castle, um local descrito como um grande parque de diversões adulto e sem leis voltado para ricaços.




Nota-se que, embora boa parcela do material promocional tenha focado seus esforços no Castle, ele demora alguns capítulos para finalmente dar as caras na trama, sendo que a maior parte do nosso tempo no título é despendido ainda em Sotenbori. No Castle, contudo, é onde conhecemos a principal atividade extra de Like a Dragon Gaiden. Ao lado dos cassinos, da butique — onde Joryu adquire novas vestimentas — e do cabaré, o Coliseu é um estabelecimento em que vários tipos de pelejas podem ser travadas.

Dentre as várias modalidades disponíveis, há as batalhas individuais um contra um, lutas de um único personagem contra vários oponentes ao mesmo tempo e, as principais, combates do Clã Joryu também contra uma horda de inimigos, além de uma categoria de pelejas com requisitos especiais (como contra o adversário que só aguenta um único golpe, mas é mestre da esquiva).




A modalidade de batalha de clã, por sua vez, envolve um pouco de gerenciamento, visto que é necessário recrutar os parceiros e evoluí-los para que eles aguentem as pelejas de ranque mais alto. Ainda, cada lutador cooptado tem uma especialidade e uma habilidade única, o que traz certas vantagens nas brigas.

O domínio do Coliseu não é estritamente necessário para completar o game, embora certas atividades paralelas exijam que todos os combates disponíveis sejam travados e vencidos pelo menos uma vez. A campanha principal exige apenas que algumas lutas sejam completadas a fim de avançar na história, mas nada substancial, seguindo como uma atividade extra, dentre tantas outras disponíveis no título. O estabelecimento vai ser a principal fonte de renda do jogador, principalmente por render altas quantias de dinheiro que normalmente são exigidas para evoluir as habilidades de peleja de Joryu.




Apesar de trazer certas nuances interessantes sobre o homem que Kazuma Kiryu se tornou e contrastá-lo com o que ele já foi um dia, a história de Like a Dragon Gaiden fica aquém dos padrões da marca. Não há muita margem para se surpreender com o desenrolar da trama. Tudo acontece de um jeito bem direto e com poucos malabarismos de enredo ou reviravoltas. Na reta final, não há exatamente uma apoteose como é de costume para a série, as coisas acontecem de uma forma até anticlimática, para falar a verdade.

No meio desse marasmo, entretanto, há dois pontos que acabam ganhando algum destaque e que são responsáveis por deixar uma impressão positiva do enredo do game. O primeiro deles diz respeito à maneira como os eventos de Like a Dragon Gaiden acontecem paralelamente com os de Yakuza: Like a Dragon, começando com uma simples menção a um homem que levou um tiro e está se recuperando em um barraco ao lado, até culminar na cúpula que trouxe um fim na Aliança Omi.




O segundo se refere à cutscene final. Embora a conclusão da história em si tenha deixado a desejar, o momento em que o personagem Kazuma Kiryu reflete sobre como a vida de seus entes queridos continuou, a despeito de sua falsa morte é de destruir qualquer marmanjo barbado com quase trinta anos nas costas.

De um modo geral, sendo um título de uma franquia que sempre ofereceu enredos elaborados, contextualizando todo o gameplay maluco, Like a Dragon Gaiden é bem conservador e até mesmo decepcionante na maneira como lida com sua história corrida. Não é nenhum poço de tédio, como é o caso de Like a Dragon: Ishin! (Multi), mas faltou um molho que trouxesse um sabor próprio para a aventura intimista de Kazuma Kiryu.




Digo, o enredo é capaz de segurar a atenção do jogador até o fim, só que falha em realmente surpreender, tendo dificuldade em criar momentos de euforia. Isso independe da sobriedade que o Ryu Ga Gotoku tentou imprimir no tom do jogo, já que certos momentos — como as lutas da reta final — fazem esforço para empolgar, mas não conseguem devido à falta de impacto nos acontecimentos e a uma construção simples da linha narrativa.

É importante reforçar que isso não tem nada a ver com a duração reduzida do jogo. The Kaito Files, a campanha DLC do spin-off Lost Judgment (Multi), dura menos do que Like a Dragon Gaiden e ainda assim não fica nem um pouco a desejar na qualidade e na consistência da trama apresentada, especialmente quando ambos os enredos são colocados um ao lado do outro dentro de um mesmo contexto comparativo.




Um adendo: os textos do jogo estão localizados em português. Enquanto Yakuza: Like a Dragon trouxe um trabalho impecável de tradução e adaptação, Like a Dragon Gaiden parece que precisava de mais um pouco de tempo para ficar com a mesma qualidade. Isso é porque alguns erros são facilmente perceptíveis, a própria qualidade do texto parece um pouco inconsistente e certamente se beneficiaria de uma revisão mais intensiva. 

Sotenbori no vale da estranheza

Enquanto o Coliseu é o principal destaque no quesito das atividades paralelas, e apesar de Like a Dragon Gaiden ser uma aventura alegadamente mais contida e direta, ainda há uma boa quantidade de atividades extras a serem exploradas.





Algumas delas são figuras recorrentes na franquia e seguem marcando presença em Gaiden, como as de Cassino (black jack e pôquer), os jogos tradicionais asiáticos (mahjong, koi koi, etc), fliperamas (com clássicos da Sega completamente jogáveis, além de um Master System) e os passatempos de bar (dardos e karaokê). O autorama, presente em Yakuza 0 e Yakuza Kiwami, retorna ao lado do golfe e da sinuca.

O cabaré, em que Kiryu precisa cortejar moças para aumentar seu vínculo com elas em um sistema similar ao de um dating sim, também não é algo inédito, mas traz como novidade o fato de que todas as interações foram pré-gravadas com atrizes de verdade, em FMV (full-motion video).




A execução dessa ideia consegue provocar sentimentos bem distintos ao jogador. Por um lado, tais vídeos pré-gravados trazem reações e interpretações tão exageradas que se tornam engraçadas e difíceis de levar a sério — algo proposital. Por outro, elas acabam trazendo uma sensação de constrangimento alheio. As atrizes variam entre influencers e atrizes de entretenimento adulto que receberam e concordaram com um cachê oferecido para as gravações, só que isso não torna tudo menos esquisito. É uma coisa meio chanchada, entrando facilmente no campo do vale da estranheza. 

Para esclarecer, o vale da estranheza é um termo atribuído ao campo da robótica e da computação em que máquinas, programas de computador, inteligências artificiais ou mesmo animações ou arte tridimensional tentam reproduzir o comportamento humano de um jeito verossímil, mas cujo realismo e verossimilhança acabam gerando certo grau de repulsa justamente por termos noção de toda a artificialidade envolvida naquela tentativa de replicação de comportamento e aparência.




De forma aplicada: as hostesses dos cabarés de Like a Dragon Gaiden são gravações reais com pessoas de verdade. Contudo, o contraste gerado com o resto do próprio jogo, povoado de modelos tridimensionais — ainda que fotorrealistas, mas claramente artificiais —, acaba provocando esse sentimento esquisito no jogador.

Deixando o cabaré de lado, a butique é um estabelecimento de destaque. É nele em que é possível comprar um leque variado de vestimentas para Joryu, permitindo inclusive que configurações diferentes de indumentárias sejam salvas e alternadas. Isso vale tanto para as roupas do dia a dia quanto para as usadas no Coliseu, cujo diferencial é a utilização de uma máscara para esconder a real identidade do Dragão de Dojima.





Ainda sobre as atividades paralelas, Like a Dragon Gaiden substitui as substories por diversos serviços solicitados através da rede de influência da Akame, mas que seguem tendo a mesma função clássica de servirem como missões secundárias. De maneira mais contida, os habitantes de Sotenbori também podem solicitar vários favores menores diretamente a Joryu, como entregar algum item em específico ou ajudá-los a se safar das brigas que eles se meteram sem querer.

No geral, com exceção de algumas missões da rede da Akame, Like a Dragon Gaiden não traz extensas linhas de história próprias atreladas às atividades paralelas, ao contrário de entradas anteriores na franquia, embora não faça feio nesse material todo. Tudo é bem equilibrado e enxuto no sentido de condizer com a proposta reduzida do título.





Os dois lados do agente yakuza

Quanto ao combate, Joryu tem duas posturas diferentes que podem ser utilizadas. Uma delas, o “estilo Yakuza”, corresponde ao seu modo clássico de briga, aproveitando-se de combos simples e voltada para embates individuais. A outra, o “estilo agente”, utiliza-se de vários acessórios de espião e se mostra mais adequada para controles de multidão (o chamado crowd control), visto que seus recursos são úteis para lidar com vários oponentes de uma vez só.




No total, são quatro equipamentos de espião que o jogador tem acesso, sendo ativados com o segurar dos botões. Com isso, o ex-Dragão de Dojima chama as Vespas, um verdadeiro enxame de drones que voam em direção aos oponentes; o Vaga-lume, um cigarro explosivo que causa dano por área; o Aranha, uma espécie de laço de cowboy que permite que o personagem amarre os inimigos e os arremesse em diferentes posições; e a Serpente, os sapatos a jato que facilitam a locomoção e causam dano nos incautos que ficam pelo caminho.

Logo de cara, dá para perceber que o Aranha é o dispositivo mais útil por conta de sua versatilidade e baixo tempo de ativação. Entretanto, com o andar da campanha, o equipamento da Serpente acaba sendo desbloqueado e, quando bem evoluído no menu de habilidades, facilita a vida contra as hordas de inimigos que encontramos nas ruas de Sotenbori.




Apesar dessas possibilidades, devido ao enfoque contido de Like a Dragon Gaiden, as opções de técnicas acabam se mostrando um pouco limitadas, algo que também aconteceu com o The Kaito Files, o já mencionado DLC do spin-off Lost Judgment. Na reta final, inclusive, o combate se mostra relativamente desequilibrado caso o jogador tenha se preocupado em completar todas as atividades paralelas assim que ficam disponíveis.

Isso é porque as habilidades podem ser evoluídas ao custo combinado de uma quantia em dinheiro e de pontos da rede Akame. Se todas as tarefas forem realizadas ao longo da campanha, esses dois valores serão acumulados a ponto de conseguir fechar 100% das habilidades desbloqueáveis de Joryu, desequilibrando o desafio na reta final. É claro que vai depender do perfil de cada jogador e da dificuldade selecionada nas configurações, mas não deixa de ser um ponto de desequilíbrio na curva de evolução da campanha.



Para os fãs 

Há cerca de um mês, eu tive a oportunidade de testar o Assassin’s Creed Mirage (Multi), um produto que também era originalmente um DLC de um jogo maior (no caso, o Assassin’s Creed Valhalla) que a equipe de produção decidiu expandir e vendê-lo como um título próprio. Em resumo, Mirage foi uma experiência muito divertida para o meu lado que é fã da série, embora ainda assim tenha ficado à sombra de seus antecessores mais robustos.

A impressão deixada por Like a Dragon Gaiden: The Man Who Erased His Name (Multi) acaba sendo a mesma. Não é um produto perfeito e nem de longe pode ser recomendado como uma porta de entrada, especialmente porque os outros jogos da série principal fazem um trabalho mais competente ao oferecer uma experiência robusta. Entretanto, faz um trabalho competente ao encapsular as características da franquia e oferecer aos fãs da velha guarda uma última dose do Dragão de Dojima, agora já em seu crepúsculo como protagonista.

Prós

  • Tanto a quantidade quanto a qualidade das atividades paralelas conseguem se apresentar de forma equilibrada e ir de acordo com a proposta mais enxuta do game;
  • Os acessórios do estilo agente são bem divertidos de se usar durante os combates, especialmente contra as hordas de inimigos;
  • O Coliseu oferece uma quantidade até que robusta de desafios;
  • A emocionante cutscene final faz com que toda a aventura valha a pena.

Contras

  • Embora engraçadas à primeira vista, as interações do cabaré são um pouco constrangedoras;
  • O jogador que for completando 100% das atividades paralelas ao longo do título vai se deparar com uma reta final desequilibrada no que diz respeito ao grau de dificuldade oferecido;
  • Narrativa bem fraca em comparação a outras entradas da série;
  • Sistema de combate funcional, mas ainda meio limitado, mesmo com as duas posturas de Kiryu;
  • Inadequado para novos jogadores, já que um bom naco do contexto geral se perde devido à necessidade de conhecimento dos jogos anteriores da franquia;
  • A localização em português não ficou ruim, mas carece de consistência e se beneficiaria de mais uma revisão geral.
Like a Dragon Gaiden — PC/XBO/XSX/PS4/PS5 — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sega

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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