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Análise: Like a Dragon: Ishin! (Multi) é, em vários sentidos, um retrato de gerações passadas

Revisitação de um título da primeira leva do PlayStation 4 corresponde ao que se esperava de um lançamento em 2014, mas oferece pouco para um remake.



Atualmente, a série Yakuza já se encontra relativamente consolidada dentro de seu nicho no mercado ocidental, mas é de se notar que a Sega, no passado, acreditava que a franquia não atendia às expectativas do Ocidente no que diz respeito a se tornar um produto de sucesso. Entre os fatores, estão provavelmente o tom dramático exagerado e a narrativa extensivamente densa — o que, de quebra, traz consigo a dificuldade de localização do material. Nos últimos anos, entretanto, nota-se uma boa vontade da empresa para com a marca, o que passa por uma espécie de rebranding (promovendo-a como Like a Dragon, que é mais próximo do seu nome original em japonês) e por diversos ports para outras plataformas além do PlayStation, como o Xbox e o PC.


Além disso, outro movimento relevante é a produção de spin-offs, como Judgment (Multi) e Lost Judgment (Multi), além de Fist of the North Star: Lost Paradise (PS4), game baseado em Hokuto no Ken, série de anime e mangá da Shōnen Jump que se utilizou (com muita naturalidade, ressalta-se) do motor de jogo e da estrutura da propriedade intelectual desenvolvida pelo Ryu Ga Gotoku. Entretanto, o receio da Sega em relação à franquia fez com que o Ocidente acabasse ficando sem alguns lançamentos, como é o caso de Like a Dragon: Ishin! (Multi), um título de primeira leva do PlayStation 4 (e da última do PS3) que só agora foi revisitado e disponibilizado para o resto do globo. 

Era uma vez no Bakumatsu...

Enquanto a série principal tem como cenário o Japão moderno (ou quase, uma vez que Yakuza 0 se passa nos anos 80), Like a Dragon: Ishin! leva os jogadores a uma viagem no tempo até o Bakumatsu, período histórico do Japão cuja turbulência política resultou no fim do xogunato Tokugawa e no início da era Meiji (popularizada por Rurouni Kenshin). No meio de toda essa confusão está o protagonista Sakamoto Ryoma, um samurai que é acusado de um assassinato que não cometeu e é jogado no meio de uma conspiração.




Após um longo período de treinamento, Sakamoto Ryoma finalmente volta para casa, mas seu retorno é abruptamente interrompido quando é acusado injustamente do assassinato de seu pai adotivo. Agora exilado de sua terra natal, ele se estabelece em Kyo e se envolve em uma conspiração que o leva a investigar o verdadeiro culpado. Determinado a limpar seu nome, Sakamoto mergulha nas entranhas do Shinsengumi, a antiga força especial do império Tokugawa, em busca de respostas.

Uma das principais características de Ishin é a maneira como o jogo utiliza a aparência dos personagens clássicos da série como se fossem “atores” interpretando novos papéis, como Ryoma, cuja aparência é idêntica à de Kazuma Kiryu, e Okita Souji, que se assemelha a Goro Majima. Personagens de jogos posteriores ao original também fazem algumas participações, como Koichi Adachi, de Yakuza: Like a Dragon (Multi), vulgarmente conhecido como Yakuza 7.




Nota-se também que essas personagens existiram de verdade. Tratam-se, obviamente, de versões ficcionalizadas, mas são personalidades históricas verídicas que trazem um charme a mais nessa reinvenção. É importante ressaltar, contudo, que se trata de uma história de ficção tecida através de acontecimentos reais e elevada a um nível que faça jus às tramas rocambolescas que a série Yakuza tem o costume de oferecer. Imagine algo próximo ao que foi feito no filme Era Uma Vez em Hollywood, de Quentin Tarantino.

Em termos de ritmo, ele segue bastante o que se espera de um jogo da linha principal, tanto nas qualidades quanto nos defeitos. Na prática, isso se traduz em uma introdução relativamente cansativa que leva a um miolo que parece não levar a lugar algum. No entanto, o jogo consegue se recuperar em uma reta final empolgante, capaz de envolver até o mais rabugento dos jogadores.




Nesse aspecto, o principal revés está relacionado à atmosfera de Kyo e, por consequência, do jogo em si. Enquanto a série principal traz todo o frenesi e dinamismo do ambiente urbano de Kamurocho, a campanha em Kyo é consideravelmente monótona na maior parte do tempo, quase bucólica; o que a aproxima mais da cidade murada do universo pós-apocalíptico de Fist of the North Star: Lost Paradise. Até mesmo a paleta de cores em ambos os títulos é bastante semelhante.

É claro que, enquanto a campanha principal se desenvolve, as histórias paralelas e os mini-games, tão característicos da franquia, estão presentes em abundância e acabam inflando, de forma positiva, a duração do título. A vantagem de se passar em um cenário diferente do que estamos acostumados é que essas missões secundárias trazem conflitos bastante distintivos em relação à época retratada, o que ajuda a manter o interesse do jogador durante a jornada.




De quebra, a inclusão do glossário deixa o nosso entendimento sobre o período ainda mais completo. Enquanto a série principal faz um trabalho (nem sempre bom) de incluir discussões políticas contemporâneas ao longo da trama, Ishin assume aqui um tom de aula de história interessante e que é suficiente para nos manter entretidos. É claro que não vai deixar ninguém especialista no assunto e nem substituir um professor de verdade, mas é uma iniciativa louvável de despertar o interesse do jogador no assunto.

Embora não tão interessante quanto o gerenciamento do cabaré do Majima em Yakuza 0, da boate em Lost Paradise ou da confeitaria do Ichiban em Yakuza 7, também há um sistema de management paralelo em Ishin chamado Another Life. Nele, Ryoma acaba se envolvendo em uma sidequest que engloba uma série de afazeres envolvendo desde a agricultura à cozinha dos ingredientes cultivados. 



A arma que dispara o medo contra a espada que carrega a honra

Considerando que Yakuza: Like a Dragon assume um gênero de RPG completamente diferente do que a franquia já apresentava e que Judgment decidiu assumir o manto da porradaria com um sistema extremamente dinâmico e fluido (graças à Dragon Engine), a decisão de manter a jogabilidade original de Like a Dragon: Ishin! é, no mínimo, questionável. Com isso, Ishin ostenta um estilo de movimento mais travado; ao contrário do thriller policial protagonizado por Takayuki Yagami, além de Yakuza 6: The Song of Life (Multi) e Yakuza Kiwami 2 (Multi), que também utilizaram o motor de jogo em questão.

Por mais que o próprio estúdio Ryu Ga Gotoku tenha declarado que considera a Dragon Engine já defasada, ela certamente apresenta uma jogabilidade muito mais imersiva e moderna do que a tentativa de replicar um título cujo lançamento é ainda anterior. É claro que esse tipo de ponto de vista sobre engines passa muito pela questão da compatibilidade com novas plataformas e pela facilidade de programá-la sob o ponto de vista de desenvolvimento, mas a experiência sentida pela própria audiência também deveria ser levada em conta.




Em relação a isso, o que podemos esperar é que o sistema utilizado em Ishin siga o mesmo caminho da própria Dragon Engine, que foi considerada um retrocesso quando implementada originalmente em Yakuza 6, mas que acabou sendo revisada em suas utilizações posteriores até chegar ao estado atual.

Enfim, depois de todo esse blá-blá-blá, qual é a toada do sistema de combate, afinal? Bem, há quatro diferentes estilos de combate disponíveis para se utilizar contra os diversos inimigos que Ryouma precisa enfrentar ao longo da trama, cada um com sua utilidade. Como um samurai, seria de se esperar que a Katana fosse sua arma principal, mas não a única, uma vez que a pistola também faz parte do nosso arsenal. Em um terceiro estilo, as duas ferramentas podem ser utilizadas simultaneamente (de forma bem eficaz contra grandes quantidades de inimigos) e, caso o jogador queira se aproximar de uma experiência Ryu Ga Gotoku mais tradicional, há também a possibilidade de brigar mano a mano contra os oponentes.




Lutando em tempo real, o jogador pode alternar entre golpes fracos e fortes em combos diferentes, ganhar bônus ao efetuar defesas e esquivas nos momentos certos e ainda utilizar as Heat Actions, golpes especiais que podem ser ativados ao apertar um botão durante determinados cenários que se desenrolam ao longo das batalhas. Embora haja quatro estilos de combate diferentes, que trazem certa variedade em meio a tanta briga, é possível perceber a escassez de elementos do próprio ambiente para serem utilizados como arma com alguma frequência.

De um modo amplo, a impressão que se tem do quarteto de estilos é que ele é consideravelmente desequilibrado, como se os game designers responsáveis por concebê-los não conversassem entre si a fim de tentar estabelecer uma sinergia entre eles. Por exemplo, em mais de uma situação eu decidi trocar para o estilo de arma de fogo e ficar só atacando à distância contra certos inimigos mais frustrantes.




A falta de balanceamento acaba ficando mais evidente quando cada uma dessas modalidades evolui de forma individual de acordo com o uso, rendendo pontos que vão sendo convertidos em novas técnicas nas respectivas árvores de habilidades. Ou seja, eu ganho mais pontos para desenvolver determinados estilos enquanto os outros, menos utilizados, acabam entrando em uma espiral de negligência, sendo preteridos por longos períodos no desenrolar da campanha.

O maior diferencial do sistema de combate de Ishin é a implementação do sistema de cartas. Quando adquiridas, elas podem ser equipadas e possuem efeitos diferentes em combate, indo desde cura até outros efeitos ofensivos. Anteriormente, tal sistema estava presente apenas em um modo de exploração de dungeons envolvendo o Shinsengumi, mas, neste alegado remake, foi liberado para a campanha principal.



Repensando a definição de “remake”

Analisando objetivamente o que a franquia já alcançou com seus títulos mais recentes, vender Like a Dragon: Ishin! como remake pode ter sido uma decisão estratégica errada, visto que vários de seus sistemas não foram revitalizados a ponto de fazer jus à nomenclatura, permanecendo arcaicos sob um olhar moderno. Além disso, o tom mais lento e bucólico tanto da atmosfera quanto da narrativa nos faz compreender o motivo pelo qual o Ishin original foi ignorado para um lançamento ocidental. Com isso em mente, torna-se um pouco difícil recomendá-lo para os novatos na franquia, mas, para aqueles que já estão familiarizados com todos os defeitos recorrentes da série, trata-se de uma experiência suficientemente sólida.

Prós:

  • Releitura histórica bastante interessante, sendo que a utilização de personagens conhecidos para dar vida às personalidades que existiram no período é uma ideia charmosa;
  • Missões secundárias e mini-games em abundância, que ajudam a inflar positivamente a duração do jogo e mantêm o interesse do jogador.

Contras

  • Defeitos recorrentes na série Yakuza, como introdução arrastada e miolo aparentemente sem rumo;
  • Atmosfera de Kyo monótona na maior parte do tempo;
  • Movimentação travada em batalha, bem como estilos de combate desbalanceados entre si;
  • Vendê-lo como “remake” pesou negativamente na percepção geral do produto.
Like a Dragon: Ishin! — PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PlayStation 4
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sega

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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