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Análise: Assassin’s Creed: Valhalla (Multi) fecha a geração com competência burocrática

O terceiro jogo de uma trilogia iniciada com Assassin’s Creed Origins resgata elementos do passado e do presente da franquia em uma sólida aventura.


Nos últimos dez anos, a cultura nórdica se expandiu consideravelmente no imaginário popular. Sua rica mitologia, que por muitas vezes era preterida em relação a outras como a grega, romana ou até mesmo egípcia, conseguiu bastante espaço na indústria cultural ao longo desse período, seja por conta da abordagem lúdica trazida pelo Thor do Universo Cinematográfico Marvel, seja pelo denso enredo do seriado Vikings. Assassin’s Creed: Valhalla (Multi), é mais uma peça que chega para surfar nessa onda.
 
Depois de um período de experimentação promovido em Origins (Multi) e Odyssey (Multi), a Ubisoft decidiu jogar seguro nesse novo game que muito provavelmente será o último da série para a geração vigente. Assim, muitas das características consagradas pela franquia em sua era de ouro — que vai da trilogia Ezio até mais ou menos Black Flag (Multi) — retornam para uma experiência relativamente tradicional.
 
O que isso significa? Que o lado RPG dos dois antecessores diretos foi deixado em segundo plano para que o stealth que consagrou a IP retornasse em termos de jogabilidade prática, misturando as inovações recentes com as raízes da propriedade intelectual, uma espécie de celebração, até, marcando o fim da geração. Entretanto, existe um problema nessa ideia: vikings não são exatamente conhecidos por sua discrição.



Arriscando pouco com um roteiro previsível

O primeiro contato da cultura viking com as Irmandade dos Assassinos — aqui ainda conhecida como Ordem dos Ocultos — se deu quando Eivor, nosso protagonista cujo gênero pode ser selecionado pelo jogador, conheceu dois viajantes provenientes da Constantinopla e trazidos à Noruega por seu irmão adotivo, Sigurd, após uma incursão por terras longínquas do oriente.
 
A ambição de Eivor é vingar-se de Kjotve, um senhor da guerra de outro clã que foi responsável direto pelo assassinato de seus pais. A queda de Kjotve tem como consequência a unificação da Noruega sob o comando do Rei Harald. Não gostando muito dessa situação, o clã do corvo, do qual o protagonista faz parte, acaba se rachando.
 
Esse braço discordante do clã decide então partir para a Grã-Bretanha. Era sabido que lá havia um território completamente dividido e bagunçado por conta dos conflitos entre os cristãos e os povos pagãos que ali habitavam. Era, afinal, a oportunidade de expandir e começar um novo domínio em outras terras.



Assim, a estrutura básica da história se dá com Eivor realizando uma série de missões no intuito de estabelecer alianças com territórios vizinhos ao mesmo tempo em que estabiliza as recorrentes guerras pelos tronos, especialmente contra os cristãos — que, na verdade, são controlados pela Ordem dos Anciões, que posteriormente passariam a ser conhecido como os Templários. Esse foi, certamente, um inteligente encaixe histórico que foi responsável pela manutenção da premissa da franquia.
 
Além dessas quests enxergadas como principais e que fazem a campanha andar, vale lembrar que outras missões paralelas completamente opcionais estão lá para serem completadas. O valor delas, que estão espalhadas por todo o mapa da Bretanha, faz com que aquele mundo pareça vivo, visto que são pequenos contos que ajudam a montar um painel de como é a vivência dos habitantes daquele mundo aberto a ser explorado.
 
Nota-se ainda que a narrativa de Assassin’s Creed Valhalla é, tranquilamente, uma das que mais trabalham o lado sobrenatural da marca. Por conta da proximidade dos vikings com seus próprios deuses, a mitologia da série que envolve os míticos Isu, ancestrais da humanidade dotados de extrema sabedoria e responsável por artefatos como a Maçã do Éden, se faz presente como nunca, chegando ao ponto de permitir que Eivor faça, com o auxílio de alucinógenos, viagens até Asgard, o reino do panteão nórdico.



Essa abordagem para com a faceta mística da IP também se faz presente em um gancho da linha temporal que se passa no presente, dando continuidade às descobertas realizadas por Layla Hassan em sua jornada contra as atividades da Abstergo. Introduzida em Assassin’s Creed Origins, esses segmentos do mundo atual com uma personagem palpável — ao contrário da inserção em primeira pessoa do próprio jogador dentro da Animus, como foi o caso dos títulos a partir de Black Flag —  e que ajudam a complementar com maior propriedade o verdadeiro mosaico que é o universo em expansão da série, como um todo.
 
Outras duas considerações a serem levadas em conta são a forma como o jogo permite escolher entre duas versões de Eivor (masculina e feminina) e como as opções de romances não variam entre elas. Além disso, a história se ramifica em mais de um final e certas escolhas do jogador acabam influenciando diretamente em determinados aspectos posteriores de campanha, como no recrutamento de certos personagens específicos e na reação de certos inimigos diante da presença do protagonista.

Batalhe. Conquiste. Saqueie. Comemore. Repita.

Mecanicamente, Assassin’s Creed Valhalla segue a mesma linha dos dois últimos games da franquia, com um sistema de combate com alguma reminiscência de For Honor. Como era de se esperar dos vikings, trata-se de movimentos agressivos e dinâmicos, muitas vezes dando prioridade à força bruta em favor da agilidade, por exemplo.



Uma das melhores sensações promovidas no jogo, inclusive, é quando enfrentamos verdadeiras hordas de inimigos, pequenos exércitos contra os quais podemos bater de frente ao lado de aliados, por conta da possibilidade de convocá-los a qualquer momento, desde que estejamos próximos de um corpo d’água — afinal, eles chegam de Dracar, a famosa embarcação viking que inclusive é utilizada para explorar os rios da Grã-Bretanha e a costa da Noruega.
 
Os vários momentos de clímax dos segmentos da campanha consistem, na maioria das vezes, em invasões contra fortalezas e monastérios. Pontualmente, em vez de apenas investirmos contra tais muradas pela porta da frente, o stealth também é uma maneira em potencial para fazer a limpa nesses locais.
 
O revés é que, considerando toda a ambientação viking, a brutalidade sempre fala mais alto do que a sutileza de se esgueirar em silêncio pelos matagais enquanto nos aproximamos de nossas vítimas. Assim, a volta do incentivo por tal estilo de jogo é muito bem-vinda, mas ela não poderia ter sido feita em pior contexto histórico.



 A evolução de Eivor se dá em uma robusta árvore de habilidades a ser desenvolvida por três ramificações temáticas diferentes: lobo, urso e corvo. Habilidades variadas, como arremesso de machado ou a convocação de um parceiro lobo em meio ao combate, são coletadas em livros ao redor do mundo aberto e equipadas.
 
Também existe espaço para aprimoramento nas vestimentas e armas, que existem em uma quantidade diversa, com vários estilos diferentes: equipamentos de uma mão, de duas mãos, estilos que podem ser combinados com escudos, etc. A graça é que cabe ao jogador entender qual é o melhor momento de usar cada uma dessas combinações.
 
De um modo geral, Assassin’s Creed Valhalla é absurdamente amplo, se estendendo por dezenas de horas apenas se seguirmos pelas missões da campanha principal. Entretanto, o mundo é tão vasto que não é incomum que nos percamos em missões paralelas ou tenhamos vontade de cavalgar a esmo pela Grã-Bretanha, que, apesar de parecer genérica na primeira impressão que temos dela — especialmente após deixarmos para trás os belos cenários banhados pela aurora norueguesa —, vai, aos poucos, se mostrando bem variada ao longo de seus pântanos e pradarias.



O problema do tempo de jogo, na verdade, recai na própria narrativa de estrutura cíclica, visto que pouquíssimas vezes somos realmente surpreendidos por algum acontecimento. A Ubisoft utilizou-se do roteiro mais padrão possível para uma narrativa de viking e a seguiu à risca com essa história de viajarmos pelos territórios devastados pelos ingleses e resolvermos os conflitos de vácuo de poder pelos feudos a fora.
 
O fato de o game ser muito longo também não ajuda nem um pouco nesse aspecto, o que muito provavelmente acaba justificando o motivo da atenção do jogador se voltar para a exploração e preterir a campanha em si. O fluxo do título logo se torna cansativo e desestimulante, tornando a progressão uma tarefa automática que visa menos a degustação em detrimento da simples finalização para dar a tarefa como cumprida.
 
Essa exaustão provocada pelo game acaba se combinando com os problemas técnicos pontuais e até costumeiros para um Assassin’s Creed. Apesar de contar com paisagens de tirar o fôlego — algo que fez com que o robusto modo câmera seja um recurso bastante aproveitável —, em vários momentos as texturas demoram para carregar ou simplesmente são de baixa definição, quebrando a imersão proporcionada. Aliás, crashes não são necessariamente comuns, mas acontecem, da mesma forma que certos carregamentos demoram um tempo que não deveriam. Considerando que, a essa altura do campeonato, a expertise de desenvolvimento para o PlayStation 4 deveria ter sido completamente dominada, esses tropeços se tornam mais sérios e incômodos do que parecem.



O Ragnarok de uma IP

A despeito dos pesares, Assassin’s Creed Valhalla é uma experiência sólida dentro dos padrões da marca. Sem se propor a inovar, como aconteceu em Origins, ele conseguiu mesclar as implementações feitas pelas iterações modernas da franquia com várias das características icônicas das mais clássicas, só que revisadas dentro de um novo contexto, fazendo um jogo seguro em relação ao conteúdo entregado.

No fim, a aventura de Eivor é uma entrada bastante consistente dentro do universo da propriedade intelectual. Para os fãs — e não necessariamente os assíduos, somente —, trata-se de um produto essencial dentro do rol dos títulos principais da franquia. Para os que nunca tiveram algum contato com a marca ou apenas não se importam, é um game que pode ser visto com menos prioridade, embora ainda valha ficar de olho e aproveitar a oportunidade de jogá-lo, caso ela surja.

Prós:

  • Vasto mapa aberto capaz de contar histórias por si;
  • As ações do jogador têm consequências no mundo;
  • Interessante utilização dos elementos místicos da franquia;
  • Jogabilidade envolvente;
  • Um elaborado sistema de evolução de personagem;
  • Retorno do sistema de stealth.

 Contras:

  • Stealth pouco valorizado dentro do contexto viking;
  • Problemas de texturas;
  • Carregamento demorado;
  • Crashes ocasionais e bugs que já são de praxe;
  • Narrativa previsível, simplória e pouco inspirada.
Assassin’s Creed Valhalla — Multi — Nota: 8.5
Versão Utilizada para Análise: PS4
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia cedida pela Ubisoft

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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