Análise: Delete After Reading (PC/Mobile): uma trupe de crianças em um desafio baseado em texto

A aventura textual da Patrones & Escondites tinha potencial para ser mais ousada.

em 28/03/2023
Embora visual novels tenham se tornado um gênero cada vez mais comum no mercado, aventuras textuais que exploram outras possibilidades de formato são bem mais raras. Delete After Reading é um desses jogos que tenta brincar com a disposição do texto e a forma como o jogador interage com ele. Infelizmente, o resultado é mais simples e monótono do que a sua rica proposta prometia.

Um adulto egoísta e o jogo escondido

Tudo começa em um dia terrível no qual tudo parece conspirar contra o seu personagem. Ainda criança, você volta para casa após as aulas e encontra um misterioso aparelho no ônibus. Chegando ao lar, você ativa a bugiganga e recebe um pequeno desafio.

Ao resolver o enigma, o protagonista passa a integrar um grupo que quer enfrentar a crueldade do Destino. Junto dos fantasminhas Nina, Cinco e Tomate, cabe ao jogador resolver múltiplos enigmas para que a turma possa resgatar o jogo mais recente da série Penguin Island, uma óbvia referência ao clássico Secret of Monkey Island. 

Acontece que o milionário Martin Skrilhex é a única pessoa que possui o jogo, que está guardado a sete chaves. Ou seja, o resto do mundo foi privado da oportunidade de experimentar o que o novo Penguin Island tem a oferecer e o nosso grupo de crianças quer corrigir essa injustiça.

Um mergulho em um mundo textual

Delete After Reading é uma aventura textual, o que implica não apenas na obra ter bastante texto, mas também em dar destaque à interação do jogador com o que está escrito. No Ocidente, o gênero teve o seu pico durante a década de 1980 e acabou caindo em desuso, mas ficções interativas construídas de várias formas têm se tornado mais comum nos últimos anos, especialmente após a popularização das visual novels.

No caso específico de Delete After Reading, temos acesso a um grande texto disposto pela tela como se fosse um livro. O jogo divide as cenas em pequenos trechos, exigindo que o jogador clique em palavras destacadas em laranja para avançar a trama. Dependendo do capítulo, isso pode significar aumentar a disposição vertical do texto, forçando o jogador a utilizar o scrolling (arrastar para cima e para baixo) para ler mais, ou uma espécie de mudança de página com links para voltar ou acessar outras áreas.

Também há algumas imagens com as quais o jogador deve interagir para resolver enigmas e avançar. Por exemplo: algumas pistas podem indicar a hora que deve ser colocada na imagem de um relógio no quarto do protagonista para que ele desbloqueie um código que abrirá uma passagem secreta em outra imagem.

Infelizmente, a maior parte da campanha envolve apenas interações muito simples com o texto, sendo possível ver momentos de desperdício de potencial. Boa parte da interação é focada em cliques simples e os enigmas são bem fáceis.

Fiquei com a sensação de que poderiam ter brincado mais com a forma desses cliques ao longo do jogo. Por exemplo: em um momento no qual o jogador deve interagir com seu inventário para ativar o botão de cortar no texto, poder arrastar a imagem de uma ferramenta até o trecho em destaque já seria uma forma muito mais interessante de explorar o texto.

A obra só vai trabalhar outras lógicas por trás dos cliques no último capítulo, que é um momento que escancara todo o potencial da proposta. Em uma sequência de eventos que demandam a atenção do jogador, é necessário entender os conceitos apresentados no texto e clicar em palavras específicas no tempo adequado. Nesse momento, finalmente temos o jogo no seu ponto alto, mas todo o resto da experiência acaba sendo simplório e pouco ousado.

Outros elementos

Além da questão do texto, vale destacar que o estilo visual de Delete After Reading é bem colorido e com traços pontiagudos e arredondados de forma exagerada. Trata-se de uma história mais infantil, voltada a um público mais novo, e essa escolha é bem pensada para chamar a atenção. Alguns momentos do texto também brincam com as cores para dar um destaque que lembra um pouco os apêndices e trechos destacados de livros didáticos.

Porém, há também alguns outros defeitos que preciso destacar. Primeiramente, existem alguns pontos da trama que são apresentados apenas em áudio. A ausência de legendas, mesmo que totalmente temporárias, torna o entendimento do que está sendo dito bem complicado. Outro ponto importante é a ausência de save. Caso o jogador precise parar de jogar por algum motivo, terá que recomeçar o capítulo desde o início — um incômodo desnecessário.

Por fim, o jogo não oferece métodos dinâmicos de navegação textual. Se o jogador precisar, por exemplo, chegar a um determinado trecho de uma página longa, terá que arrastar para cima ou para baixo até alcançar o ponto desejado do texto. Um pequeno atalho para voltar ao topo tornaria a experiência muito melhor. Da mesma forma, quando é preciso vasculhar múltiplas páginas, seria muito útil ter um mapa ou alguma outra estrutura que facilite a orientação.

Uma joia pouco lapidada

Delete After Reading é uma aventura textual que não consegue aproveitar tão bem sua proposta. Embora o último capítulo seja um bom exemplo do que poderia ter sido alcançado, os desafios são muito básicos e limitados e a interação com os textos carece de ousadia e inovação. Fãs de histórias infantis que gostam de brincar com o texto talvez ainda apreciem o jogo, mas provavelmente notarão que ele poderia ter ido muito além.

Prós

  • O último capítulo da campanha explora bem as possibilidades de desafio na interação com o texto;
  • Visual colorido e bem chamativo.

Contras

  • As formas de interagir com os textos são muito simplórias;
  • A ausência de legendas para o áudio dificulta o entendimento;
  • A ausência de save força o jogador a recomeçar os capítulos do início caso precise parar;
  • O scrolling poderia ter também um atalho simplificado.
Delete After Reading — PC/Android/iOS — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Patrones & Escondites

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é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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