Jogamos

Análise: Delete After Reading (PC/Mobile): uma trupe de crianças em um desafio baseado em texto

A aventura textual da Patrones & Escondites tinha potencial para ser mais ousada.

Embora visual novels tenham se tornado um gênero cada vez mais comum no mercado, aventuras textuais que exploram outras possibilidades de formato são bem mais raras. Delete After Reading é um desses jogos que tenta brincar com a disposição do texto e a forma como o jogador interage com ele. Infelizmente, o resultado é mais simples e monótono do que a sua rica proposta prometia.

Um adulto egoísta e o jogo escondido

Tudo começa em um dia terrível no qual tudo parece conspirar contra o seu personagem. Ainda criança, você volta para casa após as aulas e encontra um misterioso aparelho no ônibus. Chegando ao lar, você ativa a bugiganga e recebe um pequeno desafio.

Ao resolver o enigma, o protagonista passa a integrar um grupo que quer enfrentar a crueldade do Destino. Junto dos fantasminhas Nina, Cinco e Tomate, cabe ao jogador resolver múltiplos enigmas para que a turma possa resgatar o jogo mais recente da série Penguin Island, uma óbvia referência ao clássico Secret of Monkey Island. 

Acontece que o milionário Martin Skrilhex é a única pessoa que possui o jogo, que está guardado a sete chaves. Ou seja, o resto do mundo foi privado da oportunidade de experimentar o que o novo Penguin Island tem a oferecer e o nosso grupo de crianças quer corrigir essa injustiça.

Um mergulho em um mundo textual

Delete After Reading é uma aventura textual, o que implica não apenas na obra ter bastante texto, mas também em dar destaque à interação do jogador com o que está escrito. No Ocidente, o gênero teve o seu pico durante a década de 1980 e acabou caindo em desuso, mas ficções interativas construídas de várias formas têm se tornado mais comum nos últimos anos, especialmente após a popularização das visual novels.

No caso específico de Delete After Reading, temos acesso a um grande texto disposto pela tela como se fosse um livro. O jogo divide as cenas em pequenos trechos, exigindo que o jogador clique em palavras destacadas em laranja para avançar a trama. Dependendo do capítulo, isso pode significar aumentar a disposição vertical do texto, forçando o jogador a utilizar o scrolling (arrastar para cima e para baixo) para ler mais, ou uma espécie de mudança de página com links para voltar ou acessar outras áreas.

Também há algumas imagens com as quais o jogador deve interagir para resolver enigmas e avançar. Por exemplo: algumas pistas podem indicar a hora que deve ser colocada na imagem de um relógio no quarto do protagonista para que ele desbloqueie um código que abrirá uma passagem secreta em outra imagem.

Infelizmente, a maior parte da campanha envolve apenas interações muito simples com o texto, sendo possível ver momentos de desperdício de potencial. Boa parte da interação é focada em cliques simples e os enigmas são bem fáceis.

Fiquei com a sensação de que poderiam ter brincado mais com a forma desses cliques ao longo do jogo. Por exemplo: em um momento no qual o jogador deve interagir com seu inventário para ativar o botão de cortar no texto, poder arrastar a imagem de uma ferramenta até o trecho em destaque já seria uma forma muito mais interessante de explorar o texto.

A obra só vai trabalhar outras lógicas por trás dos cliques no último capítulo, que é um momento que escancara todo o potencial da proposta. Em uma sequência de eventos que demandam a atenção do jogador, é necessário entender os conceitos apresentados no texto e clicar em palavras específicas no tempo adequado. Nesse momento, finalmente temos o jogo no seu ponto alto, mas todo o resto da experiência acaba sendo simplório e pouco ousado.

Outros elementos

Além da questão do texto, vale destacar que o estilo visual de Delete After Reading é bem colorido e com traços pontiagudos e arredondados de forma exagerada. Trata-se de uma história mais infantil, voltada a um público mais novo, e essa escolha é bem pensada para chamar a atenção. Alguns momentos do texto também brincam com as cores para dar um destaque que lembra um pouco os apêndices e trechos destacados de livros didáticos.

Porém, há também alguns outros defeitos que preciso destacar. Primeiramente, existem alguns pontos da trama que são apresentados apenas em áudio. A ausência de legendas, mesmo que totalmente temporárias, torna o entendimento do que está sendo dito bem complicado. Outro ponto importante é a ausência de save. Caso o jogador precise parar de jogar por algum motivo, terá que recomeçar o capítulo desde o início — um incômodo desnecessário.

Por fim, o jogo não oferece métodos dinâmicos de navegação textual. Se o jogador precisar, por exemplo, chegar a um determinado trecho de uma página longa, terá que arrastar para cima ou para baixo até alcançar o ponto desejado do texto. Um pequeno atalho para voltar ao topo tornaria a experiência muito melhor. Da mesma forma, quando é preciso vasculhar múltiplas páginas, seria muito útil ter um mapa ou alguma outra estrutura que facilite a orientação.

Uma joia pouco lapidada

Delete After Reading é uma aventura textual que não consegue aproveitar tão bem sua proposta. Embora o último capítulo seja um bom exemplo do que poderia ter sido alcançado, os desafios são muito básicos e limitados e a interação com os textos carece de ousadia e inovação. Fãs de histórias infantis que gostam de brincar com o texto talvez ainda apreciem o jogo, mas provavelmente notarão que ele poderia ter ido muito além.

Prós

  • O último capítulo da campanha explora bem as possibilidades de desafio na interação com o texto;
  • Visual colorido e bem chamativo.

Contras

  • As formas de interagir com os textos são muito simplórias;
  • A ausência de legendas para o áudio dificulta o entendimento;
  • A ausência de save força o jogador a recomeçar os capítulos do início caso precise parar;
  • O scrolling poderia ter também um atalho simplificado.
Delete After Reading — PC/Android/iOS — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Patrones & Escondites


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google