Análise: Yakuza 0 Director’s Cut é um documento histórico inapropriadamente conservado

Nova versão do emblemático prólogo da icônica marca do Ryu Ga Gotoku parece uma daquelas obras de arte prejudicadas na mão dos seus restauradores.

em 18/12/2025


Yakuza 0 é certamente um dos lançamentos mais emblemáticos da franquia, uma vez que seu sucesso foi determinante para garantir a continuidade da série, especialmente em um momento no qual o futuro da marca no Ocidente era incerto. Lançado originalmente em 2015, o jogo revisita as origens de Kazuma Kiryu e Goro Majima em meio ao Japão da bolha econômica dos anos 1980 e foi capaz de finalmente conquistar uma audiência mais ampla, consolidando-se rapidamente como uma das entradas mais importantes e celebradas da saga. Uma década mais tarde, a SEGA decide revisitar o título, suplantando-o completamente com o novo Yakuza 0: Director’s Cut.


A nova versão, disponibilizada primeiro como um exclusivo do Nintendo Switch 2, é o lançamento nativo e definitivo do título no PlayStation 5 e no Xbox Series (que era acessível apenas por retrocompatibilidade), além de comutar totalmente a versão anteriormente disponível para PC no Steam. Com um novo modo multiplayer, localização textual para português e algumas alterações narrativas discretas, embora significativas, a questão é: essa substituição faz algum sentido?

Yakuza (máfia raiz) versus especulação imobiliária (máfia Nutella)

Yakuza 0 se passa em 1988, no auge da bolha econômica japonesa, um período que foi marcado por euforia coletiva, ostentação e a sensação de que o dinheiro simplesmente nunca acabaria. Era um período de bonança sem igual, um milagre econômico, principalmente considerando o quão devastado o país tinha ficado após a segunda guerra mundial, cujo desfecho havia ocorrido há menos de cinquenta anos. 


Dois dos palcos recorrentes da franquia, Kamurocho e Sotenbori, são espaços retratados de forma vibrante, ambientes iluminados por néon, ditados por uma energia festeira, consumo exagerado, cabarés lotados e uma vida noturna pulsante. Esse contexto de prosperidade extrema não serve apenas como pano de fundo qualquer. Tal como acontece com o panorama histórico de outros jogos da série até hoje, ele define o tom do título e motiva diretamente os conflitos da narrativa, especialmente a disputa feroz por um pequeno terreno urbano que pareceria, em outra época, insignificante.

A bolha imobiliária que assolou o Japão naquele período chegou a ser bem estudada e suas causas bem determinadas de maneira concreta, o que acabou sendo traduzida no jogo de uma forma subtextual. Com a implementação de algumas novas políticas econômicas (mais especificamente, o Acordo de Plaza de 1985), os bancos começaram a aceitar propriedades territoriais como garantia de empréstimo, o que solavancou a especulação imobiliária no país. Com crédito fácil, isso fez com que os preços da terra disparassem, levando as áreas comerciais em centros urbanos a serem vistas como investimento garantido de alto retorno — algo que é representado na campanha de Yakuza 0 pela obsessão pelo chamado Lote Vazio em Kamurocho.




É nesse ambiente de intriga que um jovem Kazuma Kiryu se encontra. Ao ser acusado de um assassinato cujo pretexto tem a ver com o terreno em questão, aquele que viria a se tornar o Dragão de Dojima acaba envolvido em uma guerra interna da Yakuza impulsionada pela especulação imobiliária desenfreada. Expulso temporariamente da Yakuza para não manchar o nome de sua família, Kiryu decide investigar o caso por conta própria para provar sua inocência, quando se envolve em uma conspiração marcada pela guerra de poder entre as organizações criminosas.

Em Sotenbori, a trajetória de Goro Majima também reflete esse período de excessos. Gerente de um cabaré de luxo, o Grand, ele está imerso de cabeça nesse clima hedonista que marca o período. Apesar disso, o personagem que havia caído em desgraça com a família Shimano estava proibido de retornar às atividades cotidianas da Yakuza, sendo obrigado a gerenciar o clube como uma espécie de redenção. Sua chance de voltar surge quando recebe a missão de assassinar uma mulher cega chamada Makoto Makimura.




No entanto, ao conhecê-la, Majima — que naquele período era ainda uma figura centrada e bem distante do Cão Louco de Shimano que os fãs já conhecem — hesita em sua tarefa e passa a protegê-la, entrando em conflito direto com assassinos profissionais e com seus próprios superiores.

O dinheiro, então, acaba sendo a principal força motriz de Yakuza 0, uma vez que a propriedade era o principal asset financeiro da época e, por consequência, há uma correlação entre ela e o poder efetivo. Assim, conforme a narrativa avança, fica claro que os destinos de Kiryu e Majima estão entrelaçados pelo Lote Vazio e por Makoto, cuja existência é a chave para o controle do terreno.




Essa construção contextual — que consegue inserir os personagens em um contexto tão determinante do Japão e fazê-los reagir de acordo — é um dos principais trunfos que fizeram com que o jogo original fosse responsável por consolidar a marca no Ocidente. Mais do que só contar uma história de origem para Kiryu e Majima, ele faz um trabalho excelente de retratar um período cujo declínio provocou feridas profundas que ditam a sociedade e o contexto político-econômico japoneses — e a própria Yakuza — até hoje.

Para se ter uma ideia, o estouro da bolha econômica no começo dos anos 1990 (que coincide, inclusive, com a morte do Imperador Hirohito e o início da era Heisei) muda radicalmente o panorama, sendo que o tom dos jogos seguintes, um tanto mais dramáticos e até melancólicos condizem, em comparação, com o sentimento de amargura promovida pela chamada Década Perdida, já que o preço dos terrenos despencou, os bancos enfrentaram perdas consideráveis e o próprio clima festivo cessou, dando lugar a um sentimento de austeridade marcado pela deflação.




Além disso, durante o período de euforia de Yakuza 0, a relação entre o crime organizado e seus negócios de fachada era óbvia, quase que institucionalizada. A população sabia como os negócios locais eram administrados e os normalizava no ecossistema urbano. Com o estouro da bolha, o cenário mudou. O que antes era tolerado e minimizado passou a ser socialmente repudiado, uma vez que qualquer vínculo com o crime organizado seria capaz de destruir carreiras e negócios inteiros.

Aliás, muito do mérito do enredo do jogo vem do distanciamento histórico, uma vez que se trata de um período bem documentado, ao contrário dos títulos seguintes, que se passam contemporaneamente ao seu lançamento. Enquanto há algumas abordagens bastante certeiras e que envelheceram muito bem — como o enredo originalmente ficcional de Like a Dragon: Infinite Wealth que meses depois se tornou quase realidade em relação à exportação de lixo promovida pelo crime organizado — outras se mostram um tanto insensíveis, como é o caso do enredo de Lost Judgment como um todo.



Tigre de Sotenbori e o Dragão de Kamurocho

Enquanto a história é de suma importância para sucesso inquestionável de Yakuza 0, é na jogabilidade que o título consolida sua identidade como um jogo de ação e aventura distinto dentro do gênero. O sistema de combate em tempo real, um dos últimos suspiros antes da adoção da Dragon Engine, adota uma abordagem acessível e versátil, estruturando o combate em vários estilos diferentes — aplicáveis tanto ao Kiryu quanto ao Majima —, que se distinguem em ritmo e técnicas distintas voltadas aplicações situacionais.

O combate se destaca pelo uso intenso do ambiente urbano, sendo que a transição de jogabilidade para os momentos de porradaria é bastante sutil. Característica tão marcante da série, os objetos do cenário, como placas, cones e bicicletas, podem ser utilizados como armas improvisadas, sendo que um dos estilos do futuro Dragão de Dojima é inclusive especializado na utilização desse recurso.




Além disso, o sistema de Heat Action, golpes especiais que podem ser acionados em condições específicas, adiciona impacto às brigas e pode ser utilizado de acordo com o preenchimento dos três níveis de medidor indicados abaixo da vida do personagem controlado.

A progressão evolutiva de Kiryu e Majima também é integrada de forma direta à ação. O dinheiro, que, como já discorrido, é elemento central de Yakuza 0, é utilizado para desbloquear habilidades e melhorias, conectando mecânicas de jogo ao tema principal do título —um dos personagens inclusive comenta que o melhor investimento é sempre em si mesmo.




De um modo geral, trata-se de um sistema de combate fluido e versátil, embora a evolução dos personagens possa se mostrar um pouco lenta ao longo da campanha, uma vez que a árvore de habilidade é dividida por níveis cujo custo das técnicas vai dando saltos exponenciais. Paralelamente, é possível atrelar alguns equipamentos ofensivos e defensivos ao mesmo passo em que certas técnicas podem ser desbloqueadas através dos mestres de combate em Kamurocho e Sotenbori.

Fora da porradaria, Yakuza 0 segue como os outros jogos da marca, estruturando a exploração em dois ambientes principais relativamente compactos — Kamurocho e Sotenbori —, porém densos devido à quantidade de atividades paralelas possíveis de se completar. Por exemplo, a campanha traz um número robusto de histórias secundárias (as substories), que funcionam como pequenas narrativas paralelas em forma de missão, quase sempre independentes da trama principal.




Aqui, diferentemente dos lançamentos mais recentes da franquia, essas missões não são claramente sinalizadas no mapa. O jogador precisa explorar os dois bairros com atenção, se metendo em becos aleatórios e explorando cada esquina para se deparar com esses eventos. Essa ausência de marcação colabora para trazer uma imprevisibilidade maior ao título, embora os jogadores mais acostumados à abordagem moderna da série — e que querem fazer 100% com um pouco mais de facilidade — possam sentir falta de marcações mais objetivas no mapa.

Os minigames, tão característicos da série, também são abundantes em Yakuza 0, sendo que aqui eles se destacam por integrar essas atividades diretamente àquele contexto histórico da bolha econômica, reforçando a ambientação de excessos e entretenimento típico do fim dos anos 1980.




Além do karaokê, a discoteca traz outro minigame de ritmo no mesmo pique, com músicas que evocam alguns clássicos da época, como I'm Gonna Make Her Mine ou I Wanna Take You Home (que são claramente inspiradas por Bad, do Michael Jackson, e Let’s Dance, do David Bowie, respectivamente). Em contrapartida, há também o Telephone Club, que explora um estabelecimento comum do período e permite que o jogador o utilize para conhecer mulheres — sendo que a experiência de as conhecer e elas não corresponderem às fantasias fomentadas durante a conversa à distância é algo aparentemente atemporal.

Adicionalmente, há uma série de colecionáveis que reforçam essa identidade. Os cartões telefônicos espalhados por Kamurocho e Sotenbori trazem ilustrações de modelos e funcionam como um aceno direto a um item hoje praticamente esquecido — o que é hilário, já que enquanto o Japão já usava cartões telefônicos nos anos 1980, por aqui nossos orelhões só foram abandonar de vez as fichas na década seguinte.




Já o clube Gandhara, que é um estabelecimento para maiores de idade, é um caso mais peculiar. Com vídeos live action um tanto soft core, traz algumas gravações tão exageradas das moças que a situação toda implora para não ser levada tão a sério. Ainda assim, é um tanto esquisito assisti-las — embora a própria década em questão também seja um marco por ter sido a época em que o Japão começou a abrandar algumas de suas visões em relação à indústria de entretenimento adulto.

O importante é que essas atividades paralelas não existem de forma isolada. Algumas delas estão conectadas a sistemas de progressão, recompensas ou substories, o que incentiva o engajamento sem torná-los obrigatórios. Essa integração faz com que o conteúdo opcional se sinta integrado ao ecossistema do jogo, e não apenas distrações desconectadas — elas fazem parte da experiência.



O dilema do Unicórnio de Origami

O Unicórnio de Origami é um conceito mencionado por Neil Young (um designer da EA, não o cantor) que passou a representar uma pequena alteração inserida na história e cujo impacto na obra é suficiente para mudar completamente a visão da audiência em relação a ela. Esse termo vem do próprio elemento presente em Blade Runner (de 1982), que se tornou público principalmente após o lançamento da chamada Versão do Diretor (de 1992), que inclui o tal unicórnio de origami como uma maneira de insinuar certas interpretações a respeito da natureza do protagonista Rick Deckard.

Essa versão do diretor, lançada dez anos depois, foi uma divisora de águas que colaborou para consolidar o conceito de visão autoral no cinema, reforçando a ideia de que o diretor é o verdadeiro autor da obra. Ao remover interferências do estúdio, como a narração em off e o final imposto, o Director’s Cut evidenciou como decisões comerciais podem diluir o sentido artístico de um filme. É um caso que mostrou que uma produção artística não é algo fixo, mas pode existir em versões distintas, cada uma refletindo disputas criativas diferentes.




É a partir daí que pode ser questionada a nomenclatura utilizada para definir Yakuza 0. Trata-se de uma edição supostamente de luxo e que traz, certamente, algumas cinemáticas adicionais (por volta de meia hora a mais) que alteram o destino de alguns personagens presentes na história, inclusive revertendo algumas mortes que ocorreram ao longo da campanha. Entretanto, considerando que membros importantes da equipe criativa de Yakuza 0 já deixaram o Ryu Ga Gotoku e a Sega — como o próprio diretor, Kazuki Hosokawa —, essa é uma forma justa e honesta de se referir ao título?

Dá para dizer que os games podem passar por revisões a fim de se adequar à visão original da equipe e que essa tenha sido impedida por limitações técnicas, mas a questão é que quase todo conteúdo inédito era plenamente capaz de pintar na versão de lançamento, o que denota que tais cortes foram escolhas deliberadas durante sua própria concepção. Assim, logo de cara, chega a ser um pouco complicado engolir a forma com que essa nova versão do jogo está sendo vendida para a audiência.




A única alteração mais robusta nesse aspecto é um recurso novo — o Red Light Raid — que consiste em um modo com suporte multiplayer e que reduz a experiência de combate de Yakuza 0 a um beat ‘em up puro no qual o jogador segue lutando contra hordas sequenciais de inimigos. Embora sirva para passar o tempo, não é nada realmente substancial. Nota-se, ainda, que essa modalidade foi adicionada em uma atualização após o lançamento e não conta com cooperativo local, apenas online.

Na prática, trata-se de um adicional interessante, mas não é uma inclusão substancial ou que realmente colabore para aumentar ainda mais a vida útil do produto. Um suporte eventual ao multiplayer local poderia servir para passar o tempo, mas hoje em dia parece que isso seria pedir demais do time de desenvolvimento. A ausência de crossplay também é sentida e parece que não houve um esforço sincero na concepção da modalidade.




Desconsiderando, então, a nomenclatura e considerando apenas como um port para a atual geração de consoles, o que Yakuza 0 Director’s Cut teria a oferecer? Certamente, algumas melhorias que aprimoram a experiência geral do produto, certo? A principal delas certamente é a inclusão da possibilidade de salvar em qualquer lugar em vez de restringir o recurso aos orelhões específicos do mapa.

Outra otimização muito bem-vinda foi a erradicação prática das telas de loading que, ao menos no PlayStation 4, eram consideravelmente longas e um tanto recorrentes. Aqui elas se resumem basicamente a fades que mais servem como transições do que de fato algo para pausar o fluxo do jogo enquanto ele fica lá carregando.




Internacionalmente, a nova versão do jogo traz não só as vozes originais em japonês como também inclui atuações em inglês e chinês. O Brasil recebeu apenas o serviço de localização em texto que, apesar de bem-vindo, não é isento de problemas.

Embora as traduções dos últimos jogos da linha principal sejam impecáveis, Yakuza 0 Directors' Cut definitivamente não conta com tamanho esmero. No caso, é possível sentir um estranhamento não só por conta de algumas construções gramaticais desconexas, mas também devido a exemplos claros de termos que provavelmente foram adaptados sem o contexto. Por exemplo, o indicativo clear, referente às missões já completadas, foi traduzido como limpo em vez de cumprido (ou algo parecido). Adicionalmente, algumas inconsistências são percebidas, já que um mesmo elemento pode, por vezes, ser mencionado tanto em inglês quanto em português.




Visualmente, o jogo ainda é o mesmo de dez anos atrás. Enquanto alguns relançamentos para a atual geração de consoles conseguem retrabalhar, ao menos pontualmente, o aspecto gráfico. A partir daí, siga o raciocínio: Yakuza 0 Director’s Cut é um produto lançado primeiro para o Nintendo Switch 2, sendo uma reedição de um título de PlayStation 3 cuja versão de PlayStation 4 foi desenvolvida simultaneamente, mas que agora foi portada para o PlayStation 5 e o Xbox Series, além de suplantar a já existente opção para o PC.

Ou seja, é um relançamento que provavelmente nunca foi cunhado no intuito de fazer jus à capacidade técnica dessas novas plataformas além da otimização das telas de carregamento. Não é como se Yakuza 0 fosse um jogo desagradável, mas existe um contraste bastante evidente quando o comparamos com outros da série.




Não é necessário ir muito longe ao ponto de fazer isso com Infinite Wealth, por exemplo. Esse salto já é bem evidente ao lado de Yakuza 6, Judgment ou Kiwami 2, que saíram originalmente no PS4 para a Dragon Engine, o motor de jogo proprietário do Ryu Ga Gotoku. É claro que seria impraticável transplantar todo o game no novo sistema — para isso, eles provavelmente teriam achado mais prático até fazer um remake — mas alguns modelos se beneficiariam de um trabalho um pouco mais rebuscado.

Em contrapartida, um sistema dos títulos atuais e que poderia ser implementado é a forma através da qual as cinemáticas são exibidas, possibilitando um avanço ainda mais rápido das falas — pulando as cenas até o próximo diálogo — do que aquele já disponível, especialmente considerando que não há opção de ajuste para fazer com que o texto apareça todo de uma vez ao invés de letra por letra. É um tipo de alteração pequena que certamente colaboraria para uma experiência mais personalizada e direta, especialmente para os jogadores veteranos que estão revisitando o game em vez de experimentá-lo pela primeira vez.




Por fim, nota-se que Yakuza 0 Director’s Cut é um produto consideravelmente inchado. Sem qualquer upgrade gráfico (a não ser suporte a resoluções mais altas) substancial, será mesmo possível que as novas cutscenes pré-renderizadas e os pacotes de áudio em chinês e inglês sejam inteiramente responsáveis por praticamente dobrar o espaço de armazenamento ocupado pelo game em relação ao seu lançamento original? Isso no PlayStation 5, já que no PC há toda uma questão de exigir requisitos ainda mais robustos sem aparente necessidade.

Como um Dragão dançando no céu noturno

De um modo geral, a experiência de Yakuza 0 Director’s Cut lembra bastante o que foi feito em Like a Dragon: Ishin!, que se vendeu como uma reedição de luxo e definitiva, mas não apresentou mudanças suficientes para fazer jus a essa nova nomenclatura. No caso de Ishin!, ao menos, havia toda uma mística a respeito do título, já que ele nunca tinha sido lançado fora do Japão antes. Com Yakuza 0, entretanto, essa revisão não parece fazer muito sentido e, mesmo a nível de marketing, até acaba operando contra o excelente produto que ele é por si só.




Partindo do princípio de que um corte do diretor se propõe a ser uma edição definitiva, mais refinada e completa, Yakuza 0; Director’s Cut falha em justificar plenamente a própria existência. O tratamento adicional dado a este relançamento é surpreendentemente tímido para um jogo que carrega um rótulo de prestígio, especialmente considerando o cuidado e a consistência que a Ryu Ga Gotoku Studio — um dos estúdios mais eficientes da indústria atual — costuma demonstrar em seus projetos.

Nesse sentido, o relançamento soa quase como um reflexo temático e involuntário do próprio período de bolha econômica que o jogo retrata. Assim como no Japão dos anos 1980, em que a crença no crescimento infinito levou à inflação de valor e à exploração excessiva de ativos, a força da marca atualmente parece sustentar demais em lançamentos cujo peso real não acompanha a importância que eles tentam incutir no rótulo.




Isso tudo não diminui, obviamente, o valor de Yakuza 0 como o jogo divertidíssimo que ele é, nem sequer apaga a relevância do estúdio na indústria atual — só lembrar que várias das supostas reinvenções tão comemoradas no ano de 2025 para o gênero de RPG foi encabeçada anos antes pela ousadia de reformular por completo a série em Yakuza: Like a Dragon.

No entanto, o tratamento insosso despendido serve para reforçar a sensação de que o relançamento existe mais como uma capitalização pouco honesta da atual popularidade da franquia do que para aprofundar ou preservar de forma significativa um de seus capítulos mais emblemáticos. Quando até um estúdio conhecido por sua solidez começa a forçar a barra desse jeito, o resultado é um produto competente, embora carente de intenção e justificativa.

É claro que Yakuza 0 Director’s Cut ainda é Yakuza 0. A experiência clássica continua excelente, sustentada por toda a excentricidade e personalidade tão características da franquia — funcionando como uma impecável porta de entrada para a série. Mesmo vítima de uma justificativa mercadológica que infelizmente não condiz com o resultado entregue, o título mantém intacta sua mística, exalando espetáculo, barulho e uma intensidade e que, ainda bem, se recusa a apagar as luzes da festa cedo demais.

Prós

  • A remoção da limitação dos orelhões para salvar o progresso é uma melhoria significativa na qualidade de vida;
  • As longas telas de carregamento das versões anteriores foram praticamente eliminadas, substituídas por fades rápidos que mantêm o fluxo do jogo;
  • Sotenbori e Kamurocho são retratados de forma vibrante, densos em atividade e coerentes com o clima de euforia, ostentação e vida noturna do período;
  • Enredo sólido e intrigante que funciona como um recorte social, econômico e político do Japão da década 1980;
  • A alternância entre os dois protagonistas foi implementada com excelência tanto a nível narrativo quanto mecânico, devido ao fluido sistema de posturas de aplicação situacional;
  • Quantidade robusta de atividades paralelas, sendo que a maioria parece colaborar com o sentimento de vivacidade da ambientação que o Ryu Ga Gotoku teve êxito em construir;
  • A experiência geral continua sólida, envolvente e divertida.

Contras

  • As novas cutscenes ou são irrelevantes, ou influenciam na história de forma negativa, entrando em contradição com o resto da série ou montando uma desnecessária colcha de retalhos;
  • O modo multiplayer não adiciona profundidade real, não aumenta de forma significativa a vida útil do jogo e ainda é limitado a partidas online, mas sem o suporte técnico (como crossplay) que ajude que a modalidade perdurar de alguma forma;  
  • Tradução nacional traz problemas gramaticais, termos mal adaptados e descontextualizados e inconsistência entre inglês e português, o que prejudica a qualidade geral da localização;
  • Equipe de desenvolvimento não parece ter trabalhado a fundo no intuito de averiguar melhor as possibilidades para aprimoramento da qualidade de vida;
  • Algumas atividades paralelas continuam estranhas e desconfortáveis, como os vídeos do Gandhara e os cartões telefônicos que retratam modelos de biquíni;
  • No conjunto, o relançamento parece inflado em tamanho e intenção, sem correspondência em conteúdo ou refinamento técnico.
Yakuza 0 Director’s Cut — PC/PS5/XSX — Nota: 7.0
 Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela SEGA
OpenCritic
Siga o Blast nas Redes Sociais
João Pedro Boaventura
É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 4.0).