Yakuza 0 é certamente um dos lançamentos mais emblemáticos da franquia,
uma vez que seu sucesso foi determinante para garantir a continuidade da
série, especialmente em um momento no qual o futuro da marca no Ocidente era
incerto. Lançado originalmente em 2015, o jogo revisita as origens de Kazuma
Kiryu e Goro Majima em meio ao Japão da bolha econômica dos anos 1980 e foi
capaz de finalmente conquistar uma audiência mais ampla, consolidando-se
rapidamente como uma das entradas mais importantes e celebradas da saga. Uma
década mais tarde, a SEGA decide revisitar o título, suplantando-o
completamente com o novo Yakuza 0: Director’s Cut.
A nova versão, disponibilizada primeiro como um exclusivo do Nintendo Switch
2, é o lançamento nativo e definitivo do título no PlayStation 5 e no Xbox
Series (que era acessível apenas por retrocompatibilidade), além de comutar
totalmente a versão anteriormente disponível para PC no Steam. Com um novo
modo multiplayer, localização textual para português e algumas alterações
narrativas discretas, embora significativas, a questão é: essa substituição
faz algum sentido?
Yakuza (máfia raiz) versus especulação imobiliária (máfia Nutella)
Yakuza 0 se passa em 1988, no auge da bolha econômica japonesa, um período
que foi marcado por euforia coletiva, ostentação e a sensação de que o
dinheiro simplesmente nunca acabaria. Era um período de bonança sem igual,
um milagre econômico, principalmente considerando o quão devastado o país
tinha ficado após a segunda guerra mundial, cujo desfecho havia ocorrido há
menos de cinquenta anos.
Dois dos palcos recorrentes da franquia, Kamurocho e Sotenbori, são espaços
retratados de forma vibrante, ambientes iluminados por néon, ditados por uma
energia festeira, consumo exagerado, cabarés lotados e uma vida noturna
pulsante. Esse contexto de prosperidade extrema não serve apenas como pano
de fundo qualquer. Tal como acontece com o panorama histórico de outros
jogos da série até hoje, ele define o tom do título e motiva diretamente os
conflitos da narrativa, especialmente a disputa feroz por um pequeno terreno
urbano que pareceria, em outra época, insignificante.
A bolha imobiliária que assolou o Japão naquele período chegou a ser bem
estudada e suas causas bem determinadas de maneira concreta, o que acabou sendo
traduzida no jogo de uma forma subtextual. Com a implementação de algumas
novas políticas econômicas (mais especificamente, o Acordo de Plaza de 1985), os
bancos começaram a aceitar propriedades territoriais como garantia de
empréstimo, o que solavancou a especulação imobiliária no país. Com
crédito fácil, isso fez com que os preços da terra disparassem, levando as áreas comerciais em centros urbanos a serem vistas como
investimento garantido de alto retorno — algo que é representado na campanha de Yakuza 0 pela obsessão pelo chamado Lote Vazio em Kamurocho.
É nesse ambiente de intriga que um jovem Kazuma Kiryu se encontra. Ao ser
acusado de um assassinato cujo pretexto tem a ver com o terreno em questão,
aquele que viria a se tornar o Dragão de Dojima acaba envolvido em uma
guerra interna da Yakuza impulsionada pela especulação imobiliária
desenfreada. Expulso temporariamente da Yakuza para não manchar o nome de
sua família, Kiryu decide investigar o caso por conta própria para provar
sua inocência, quando se envolve em uma conspiração marcada pela guerra de
poder entre as organizações criminosas.
Em Sotenbori, a trajetória de Goro Majima também reflete esse período de
excessos. Gerente de um cabaré de luxo, o Grand, ele está imerso de cabeça
nesse clima hedonista que marca o período. Apesar disso, o personagem que
havia caído em desgraça com a família Shimano estava proibido de retornar às
atividades cotidianas da Yakuza, sendo obrigado a gerenciar o clube como uma
espécie de redenção. Sua chance de voltar surge quando recebe a missão de
assassinar uma mulher cega chamada Makoto Makimura.
No entanto, ao conhecê-la, Majima — que naquele período era ainda uma figura
centrada e bem distante do Cão Louco de Shimano que os fãs já conhecem —
hesita em sua tarefa e passa a protegê-la, entrando em conflito direto com
assassinos profissionais e com seus próprios superiores.
O dinheiro, então, acaba sendo a principal força motriz de Yakuza 0, uma vez
que a propriedade era o principal asset financeiro da época e, por
consequência, há uma correlação entre ela e o poder efetivo. Assim, conforme
a narrativa avança, fica claro que os destinos de Kiryu e Majima estão
entrelaçados pelo Lote Vazio e por Makoto, cuja existência é a chave para o
controle do terreno.
Essa construção contextual — que consegue inserir os personagens em um
contexto tão determinante do Japão e fazê-los reagir de acordo — é um dos
principais trunfos que fizeram com que o jogo original fosse responsável por
consolidar a marca no Ocidente. Mais do que só contar uma história de origem
para Kiryu e Majima, ele faz um trabalho excelente de retratar um período
cujo declínio provocou feridas profundas que ditam a sociedade e o contexto
político-econômico japoneses — e a própria Yakuza — até hoje.
Para se ter uma ideia, o estouro da bolha econômica no começo dos anos 1990
(que coincide, inclusive, com a morte do Imperador Hirohito e o início da
era Heisei) muda radicalmente o panorama, sendo que o tom dos jogos
seguintes, um tanto mais dramáticos e até melancólicos condizem, em
comparação, com o sentimento de amargura promovida pela chamada Década
Perdida, já que o preço dos terrenos despencou, os bancos enfrentaram perdas
consideráveis e o próprio clima festivo cessou, dando lugar a um sentimento
de austeridade marcado pela deflação.
Além disso, durante o período de euforia de Yakuza 0, a relação entre o
crime organizado e seus negócios de fachada era óbvia, quase que
institucionalizada. A população sabia como os negócios locais eram
administrados e os normalizava no ecossistema urbano. Com o estouro da
bolha, o cenário mudou. O que antes era tolerado e minimizado passou a ser
socialmente repudiado, uma vez que qualquer vínculo com o crime organizado
seria capaz de destruir carreiras e negócios inteiros.
Aliás, muito do mérito do enredo do jogo vem do distanciamento histórico,
uma vez que se trata de um período bem documentado, ao contrário dos títulos
seguintes, que se passam contemporaneamente ao seu lançamento. Enquanto há
algumas abordagens bastante certeiras e que envelheceram muito bem — como o
enredo originalmente ficcional de
Like a Dragon: Infinite Wealth
que meses depois se tornou quase realidade em relação à exportação de lixo
promovida pelo crime organizado — outras se mostram um tanto insensíveis,
como é o caso do enredo de
Lost Judgment
como um todo.
Tigre de Sotenbori e o Dragão de Kamurocho
Enquanto a história é de suma importância para sucesso inquestionável de
Yakuza 0, é na jogabilidade que o título consolida sua identidade como um
jogo de ação e aventura distinto dentro do gênero. O sistema de combate em
tempo real, um dos últimos suspiros antes da adoção da Dragon Engine, adota
uma abordagem acessível e versátil, estruturando o combate em vários estilos
diferentes — aplicáveis tanto ao Kiryu quanto ao Majima —, que se distinguem
em ritmo e técnicas distintas voltadas aplicações situacionais.
O combate se destaca pelo uso intenso do ambiente urbano, sendo que a
transição de jogabilidade para os momentos de porradaria é bastante sutil.
Característica tão marcante da série, os objetos do cenário, como placas,
cones e bicicletas, podem ser utilizados como armas improvisadas, sendo que
um dos estilos do futuro Dragão de Dojima é inclusive especializado na
utilização desse recurso.
Além disso, o sistema de Heat Action, golpes especiais que podem ser
acionados em condições específicas, adiciona impacto às brigas e pode ser
utilizado de acordo com o preenchimento dos três níveis de medidor indicados
abaixo da vida do personagem controlado.
A progressão evolutiva de Kiryu e Majima também é integrada de forma direta
à ação. O dinheiro, que, como já discorrido, é elemento central de Yakuza 0,
é utilizado para desbloquear habilidades e melhorias, conectando mecânicas
de jogo ao tema principal do título —um dos personagens inclusive comenta
que o melhor investimento é sempre em si mesmo.
De um modo geral, trata-se de um sistema de combate fluido e versátil,
embora a evolução dos personagens possa se mostrar um pouco lenta ao longo
da campanha, uma vez que a árvore de habilidade é dividida por níveis cujo
custo das técnicas vai dando saltos exponenciais. Paralelamente, é possível
atrelar alguns equipamentos ofensivos e defensivos ao mesmo passo em que
certas técnicas podem ser desbloqueadas através dos mestres de combate em
Kamurocho e Sotenbori.
Fora da porradaria, Yakuza 0 segue como os outros jogos da marca,
estruturando a exploração em dois ambientes principais relativamente
compactos — Kamurocho e Sotenbori —, porém densos devido à quantidade de
atividades paralelas possíveis de se completar. Por exemplo, a campanha traz um
número robusto de histórias secundárias (as substories), que funcionam como
pequenas narrativas paralelas em forma de missão, quase sempre independentes
da trama principal.
Aqui, diferentemente dos lançamentos mais recentes da franquia, essas missões não
são claramente sinalizadas no mapa. O jogador precisa explorar os dois
bairros com atenção, se metendo em becos aleatórios e explorando cada
esquina para se deparar com esses eventos. Essa ausência de marcação
colabora para trazer uma imprevisibilidade maior ao título, embora os
jogadores mais acostumados à abordagem moderna da série — e que querem fazer
100% com um pouco mais de facilidade — possam sentir falta de marcações mais
objetivas no mapa.
Os minigames, tão característicos da série, também são abundantes em Yakuza
0, sendo que aqui eles se destacam por integrar essas atividades diretamente
àquele contexto histórico da bolha econômica, reforçando a ambientação de
excessos e entretenimento típico do fim dos anos 1980.
Além do karaokê, a discoteca traz outro minigame de ritmo no mesmo pique,
com músicas que evocam alguns clássicos da época, como
I'm Gonna Make Her Mine
ou
I Wanna Take You Home
(que são claramente inspiradas por
Bad, do Michael Jackson, e
Let’s Dance, do David Bowie, respectivamente). Em contrapartida, há também o Telephone
Club, que explora um estabelecimento comum do período e permite que o
jogador o utilize para conhecer mulheres — sendo que a experiência de as
conhecer e elas não corresponderem às fantasias fomentadas durante a
conversa à distância é algo aparentemente atemporal.
Adicionalmente, há uma série de colecionáveis que reforçam essa identidade.
Os cartões telefônicos espalhados por Kamurocho e Sotenbori trazem
ilustrações de modelos e funcionam como um aceno direto a um item hoje
praticamente esquecido — o que é hilário, já que enquanto o Japão já usava
cartões telefônicos nos anos 1980, por aqui nossos orelhões só foram
abandonar de vez as fichas na década seguinte.
Já o clube Gandhara, que é um estabelecimento para maiores de idade, é um
caso mais peculiar. Com vídeos live action um tanto soft core, traz algumas
gravações tão exageradas das moças que a situação toda implora para não ser
levada tão a sério. Ainda assim, é um tanto esquisito assisti-las — embora a
própria década em questão também seja um marco por ter sido a época em que o
Japão começou a abrandar algumas de suas visões em relação à indústria de
entretenimento adulto.
O importante é que essas atividades paralelas não existem de forma isolada.
Algumas delas estão conectadas a sistemas de progressão, recompensas ou
substories, o que incentiva o engajamento sem torná-los obrigatórios. Essa
integração faz com que o conteúdo opcional se sinta integrado ao ecossistema
do jogo, e não apenas distrações desconectadas — elas fazem parte da
experiência.
O dilema do Unicórnio de Origami
O Unicórnio de Origami é um
conceito mencionado por Neil Young (um designer da EA, não o cantor)
que passou a representar uma pequena alteração inserida na história e cujo
impacto na obra é suficiente para mudar completamente a visão da audiência
em relação a ela. Esse termo vem do próprio elemento presente em Blade
Runner (de 1982), que se tornou público principalmente após o lançamento da
chamada Versão do Diretor (de 1992), que inclui o tal unicórnio de origami
como uma maneira de insinuar certas interpretações a respeito da natureza do
protagonista Rick Deckard.
Essa versão do diretor, lançada dez anos depois, foi uma divisora de águas
que colaborou para consolidar o conceito de visão autoral no cinema,
reforçando a ideia de que o diretor é o verdadeiro autor da obra. Ao remover
interferências do estúdio, como a narração em off e o final imposto, o
Director’s Cut evidenciou como decisões comerciais podem diluir o sentido
artístico de um filme. É um caso que mostrou que uma produção artística não
é algo fixo, mas pode existir em versões distintas, cada uma refletindo
disputas criativas diferentes.
É a partir daí que pode ser questionada a nomenclatura utilizada para
definir Yakuza 0. Trata-se de uma edição supostamente de luxo e que traz,
certamente, algumas cinemáticas adicionais (por volta de meia hora a mais)
que alteram o destino de alguns personagens presentes na história, inclusive
revertendo algumas mortes que ocorreram ao longo da campanha. Entretanto,
considerando que membros importantes da equipe criativa de Yakuza 0 já
deixaram o Ryu Ga Gotoku e a Sega — como o próprio diretor, Kazuki Hosokawa
—, essa é uma forma justa e honesta de se referir ao título?
Dá para dizer que os games podem passar por revisões a fim de se adequar à
visão original da equipe e que essa tenha sido impedida por limitações
técnicas, mas a questão é que quase todo conteúdo inédito era
plenamente capaz de pintar na versão de lançamento, o que denota que tais
cortes foram escolhas deliberadas durante sua própria concepção. Assim, logo
de cara, chega a ser um pouco complicado engolir a forma com que essa nova
versão do jogo está sendo vendida para a audiência.
A única alteração mais robusta nesse aspecto é um recurso novo — o Red Light
Raid — que consiste em um modo com suporte multiplayer e que reduz a
experiência de combate de Yakuza 0 a um beat ‘em up puro no qual o jogador
segue lutando contra hordas sequenciais de inimigos. Embora sirva para
passar o tempo, não é nada realmente substancial. Nota-se, ainda, que essa
modalidade foi adicionada em uma atualização após o lançamento e não conta
com cooperativo local, apenas online.
Na prática, trata-se de um adicional interessante, mas não é uma inclusão
substancial ou que realmente colabore para aumentar ainda mais a vida útil
do produto. Um suporte eventual ao multiplayer local poderia servir para passar
o tempo, mas hoje em dia parece que isso seria pedir demais do time de
desenvolvimento. A ausência de crossplay também é sentida e parece que não
houve um esforço sincero na concepção da modalidade.
Desconsiderando, então, a nomenclatura e considerando apenas como um port
para a atual geração de consoles, o que Yakuza 0 Director’s Cut teria a
oferecer? Certamente, algumas melhorias que aprimoram a experiência geral do
produto, certo? A principal delas certamente é a inclusão da possibilidade
de salvar em qualquer lugar em vez de restringir o recurso aos orelhões
específicos do mapa.
Outra otimização muito bem-vinda foi a erradicação prática das telas de
loading que, ao menos no PlayStation 4, eram consideravelmente longas e um
tanto recorrentes. Aqui elas se resumem basicamente a fades que mais servem
como transições do que de fato algo para pausar o fluxo do jogo enquanto ele
fica lá carregando.
Internacionalmente, a nova versão do jogo traz não só as vozes originais em
japonês como também inclui atuações em inglês e chinês. O Brasil recebeu
apenas o serviço de localização em texto que, apesar de bem-vindo, não é
isento de problemas.
Embora as traduções dos últimos jogos da linha principal sejam impecáveis, Yakuza 0 Directors' Cut definitivamente não conta com tamanho esmero. No caso, é possível sentir
um estranhamento não só por conta de algumas construções gramaticais
desconexas, mas também devido a exemplos claros de termos que provavelmente
foram adaptados sem o contexto. Por exemplo, o indicativo clear, referente
às missões já completadas, foi traduzido como limpo em vez de cumprido (ou
algo parecido). Adicionalmente, algumas inconsistências são percebidas, já que
um mesmo elemento pode, por vezes, ser mencionado tanto em inglês quanto em
português.
Visualmente, o jogo ainda é o mesmo de dez anos atrás. Enquanto alguns
relançamentos para a atual geração de consoles conseguem retrabalhar, ao
menos pontualmente, o aspecto gráfico. A partir daí, siga o raciocínio:
Yakuza 0 Director’s Cut é um produto lançado primeiro para o Nintendo Switch 2, sendo uma reedição de um título de PlayStation 3 cuja versão de PlayStation 4
foi desenvolvida simultaneamente, mas que agora foi portada para o
PlayStation 5 e o Xbox Series, além de suplantar a já existente opção para o PC.
Ou seja, é um relançamento que provavelmente nunca foi cunhado no intuito de
fazer jus à capacidade técnica dessas novas plataformas além da otimização
das telas de carregamento. Não é como se Yakuza 0 fosse um jogo
desagradável, mas existe um contraste bastante evidente quando o comparamos
com outros da série.
Não é necessário ir muito longe ao ponto de fazer isso com Infinite Wealth,
por exemplo. Esse salto já é bem evidente ao lado de Yakuza 6,
Judgment ou Kiwami 2, que saíram originalmente no PS4 para a Dragon Engine, o
motor de jogo proprietário do Ryu Ga Gotoku. É claro que seria impraticável
transplantar todo o game no novo sistema — para isso, eles provavelmente
teriam achado mais prático até fazer um remake — mas alguns modelos se beneficiariam de um trabalho um pouco mais rebuscado.
Em contrapartida, um sistema dos títulos atuais e que poderia ser
implementado é a forma através da qual as cinemáticas são exibidas,
possibilitando um avanço ainda mais rápido das falas — pulando as cenas até
o próximo diálogo — do que aquele já disponível, especialmente considerando
que não há opção de ajuste para fazer com que o texto apareça todo de uma
vez ao invés de letra por letra. É um tipo de alteração pequena que
certamente colaboraria para uma experiência mais personalizada e direta,
especialmente para os jogadores veteranos que estão revisitando o game em
vez de experimentá-lo pela primeira vez.
Por fim, nota-se que Yakuza 0 Director’s Cut é um produto consideravelmente
inchado. Sem qualquer upgrade gráfico (a não ser suporte a resoluções mais altas) substancial, será mesmo possível que as novas
cutscenes pré-renderizadas e os pacotes de áudio em chinês e inglês sejam
inteiramente responsáveis por praticamente dobrar o espaço de armazenamento
ocupado pelo game em relação ao seu lançamento original? Isso no PlayStation
5, já que no PC há toda uma questão de exigir requisitos ainda mais robustos
sem aparente necessidade.
Como um Dragão dançando no céu noturno
De um modo geral, a experiência de Yakuza 0 Director’s Cut lembra bastante o
que foi feito em Like a Dragon: Ishin!, que se vendeu como uma reedição de
luxo e definitiva, mas não apresentou mudanças suficientes para fazer jus a
essa nova nomenclatura. No caso de Ishin!, ao menos, havia toda uma mística
a respeito do título, já que ele nunca tinha sido lançado fora do Japão
antes. Com Yakuza 0, entretanto, essa revisão não parece fazer muito sentido
e, mesmo a nível de marketing, até acaba operando contra o excelente produto
que ele é por si só.
Partindo do princípio de que um corte do diretor se propõe a ser uma edição
definitiva, mais refinada e completa, Yakuza 0; Director’s Cut falha em
justificar plenamente a própria existência. O tratamento adicional dado a
este relançamento é surpreendentemente tímido para um jogo que carrega um
rótulo de prestígio, especialmente considerando o cuidado e a consistência
que a Ryu Ga Gotoku Studio — um dos estúdios mais eficientes da indústria
atual — costuma demonstrar em seus projetos.
Nesse sentido, o relançamento soa quase como um reflexo temático e
involuntário do próprio período de bolha econômica que o jogo retrata. Assim
como no Japão dos anos 1980, em que a crença no crescimento infinito levou à
inflação de valor e à exploração excessiva de ativos, a força da marca
atualmente parece sustentar demais em lançamentos cujo peso real não
acompanha a importância que eles tentam incutir no rótulo.
Isso tudo não diminui, obviamente, o valor de Yakuza 0 como o jogo
divertidíssimo que ele é, nem sequer apaga a relevância do estúdio na
indústria atual — só lembrar que várias das supostas reinvenções
tão comemoradas no ano de 2025 para o gênero de RPG foi encabeçada anos
antes pela ousadia de reformular por completo a série em Yakuza: Like a Dragon.
No entanto, o tratamento insosso despendido serve para reforçar a sensação
de que o relançamento existe mais como uma capitalização pouco honesta da
atual popularidade da franquia do que para aprofundar ou preservar de forma
significativa um de seus capítulos mais emblemáticos. Quando até um estúdio
conhecido por sua solidez começa a forçar a barra desse jeito, o resultado é
um produto competente, embora carente de intenção e justificativa.
É claro que Yakuza 0 Director’s Cut ainda é Yakuza 0. A experiência clássica
continua excelente, sustentada por toda a excentricidade e personalidade tão
características da franquia — funcionando como uma impecável porta de entrada para a série. Mesmo vítima de uma justificativa mercadológica que
infelizmente não condiz com o resultado entregue, o título mantém intacta
sua mística, exalando espetáculo, barulho e uma intensidade e que, ainda
bem, se recusa a apagar as luzes da festa cedo demais.
Prós
- A remoção da limitação dos orelhões para salvar o progresso é uma melhoria significativa na qualidade de vida;
- As longas telas de carregamento das versões anteriores foram praticamente eliminadas, substituídas por fades rápidos que mantêm o fluxo do jogo;
- Sotenbori e Kamurocho são retratados de forma vibrante, densos em atividade e coerentes com o clima de euforia, ostentação e vida noturna do período;
- Enredo sólido e intrigante que funciona como um recorte social, econômico e político do Japão da década 1980;
- A alternância entre os dois protagonistas foi implementada com excelência tanto a nível narrativo quanto mecânico, devido ao fluido sistema de posturas de aplicação situacional;
- Quantidade robusta de atividades paralelas, sendo que a maioria parece colaborar com o sentimento de vivacidade da ambientação que o Ryu Ga Gotoku teve êxito em construir;
- A experiência geral continua sólida, envolvente e divertida.
Contras
- As novas cutscenes ou são irrelevantes, ou influenciam na história de forma negativa, entrando em contradição com o resto da série ou montando uma desnecessária colcha de retalhos;
- O modo multiplayer não adiciona profundidade real, não aumenta de forma significativa a vida útil do jogo e ainda é limitado a partidas online, mas sem o suporte técnico (como crossplay) que ajude que a modalidade perdurar de alguma forma;
- Tradução nacional traz problemas gramaticais, termos mal adaptados e descontextualizados e inconsistência entre inglês e português, o que prejudica a qualidade geral da localização;
- Equipe de desenvolvimento não parece ter trabalhado a fundo no intuito de averiguar melhor as possibilidades para aprimoramento da qualidade de vida;
- Algumas atividades paralelas continuam estranhas e desconfortáveis, como os vídeos do Gandhara e os cartões telefônicos que retratam modelos de biquíni;
- No conjunto, o relançamento parece inflado em tamanho e intenção, sem correspondência em conteúdo ou refinamento técnico.
Yakuza 0 Director’s Cut — PC/PS5/XSX — Nota: 7.0Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela SEGA

























