Nas duas primeiras partes do nosso especial sobre os trinta anos de
Neon Genesis Evangelion, acompanhamos a história da série através das
suas diversas incursões, várias delas bastante experimentais ou pouco
tradicionais para um jogo de anime, na indústria de jogos de PCs e consoles
dedicados. Agora, nessa terceira e última etapa, chegou a hora de
relembrarmos as tentativas de consolidação da série no mercado mobile, sem
também deixarmos de refletir sobre a força dos pachinkos e como a marca
segue importante na cultura ao participar de outras IPs como uma convidada
especial.
Confira as outras partes da reportagemParte 1 (1996-2000) | Parte 2 (2001-2025) | Parte 3 (Extras)
Nos primórdios da tecnologia móvel
Considerando todo o impacto mercadológico que Neon Genesis Evangelion
exerceu na indústria de mídia como um todo, não é de se surpreender que a
franquia tenha feito incontáveis incursões em dispositivos mobile que não
fossem os consoles — como foi o caso, principalmente, do PlayStation
Portable, embora o Game Boy Color, Nintendo DS e até mesmo o Wonderswan
tenham feito parte dessa farra.
Assim, desde que tais plataformas começaram a oferecer jogos dentro de seus
pacotes de serviços, a série esteve lá presente, como foi o caso da
iniciativa Eva & Anime @ Gainax, detalhada na parte anterior, além de
outras aplicações pontuais disponibilizadas de forma independente. Era um
tempo bastante prolífico para os garakei, um tipo bastante específico de
celular exclusivo do Japão que se valia de vários recursos próprios bem antes da consolidação
dos smartphones.
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| Intitulado apenas Neon Genesis Evangelion, o jogo acima foi disponibilizado apenas na Coreia do Sul através de um serviço chamado Brew. O vídeo no YouTube de onde essas screens foram retiradas é um dos poucos registros de sua jogabilidade. |
Embora exista um número considerável de aplicações que foram pelo menos catalogadas, é importante lembrar que esse mercado mobile japonês do começo
dos anos 2000 é bastante nebuloso, uma vez que muito material era lançado
naquele momento, no entanto, pouco foi devidamente preservado.
Isso se aplica não apenas para boa parte desses títulos baseados em EVA
produzidos naquele momento, mas a um número imensurável de outras produções
em situação parecida, mesmo que vários delas sejam de franquias consagradas
na indústria dos jogos. Considerando que a tendência para esses celulares é
serem destruídos para eventual reciclagem, há grupos de entusiastas que se
esforçam para adquirir esses dispositivos a fim de hackeá-los e ver se há
algo importante a ser salvo dentro da memória deles e, por consequência,
impedir que o software se torne lost media.
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| Neon Genesis Evangelion: Fighting Operation, de 2007, é outro título lançado exclusivamente para garakei, embora algumas screenshots tenham se salvado. |
Isso, obviamente, vai muito além de Neon Genesis Evangelion — tema da nossa
pauta, afinal de contas —, porém a série é um exemplo bastante concreto
desse fenômeno, o que torna difícil delimitar de onde este artigo pode
partir no que diz respeito às investidas que ela promoveu nesse mercado.
Assim, considerando o que permeia o imaginário popular em relação ao mercado
mobile, nosso ponto de partida será o primeiro lançamento estilo gacha da
série, Evangelion Memoria. Antes, entretanto, há duas menções honrosas a
serem feitas por consistirem nas primeiras tentativas de levar a marca aos
dois principais sistemas vigentes, o Android e o iOS.
O primeiro deles é chamado apenas de Eva Card Game (acima) e trata-se de uma
aplicação temática meio obscura de carteado e que contava com três jogos de
baralho: paciência, pôquer e solteirona — ecoando um pouco a série Shinji
and Good Friends, da década de 1990.
Desenvolvido por uma empresa chamada MediaMagic, ele foi lançado para o
Android em 2012 e é um pouco difícil de encontrar qualquer registro a
respeito dele na internet, mas há alguns resultados discretos se a busca for
feita a partir do nome do jogo no alfabeto japonês acompanhado do nome da de
desenvolvedora.
Apesar do nome consideravelmente agressivo, EVA Slide Puzzle: Operation
Angel Annihilation é um jogo de quebra-cabeça temático da franquia, mais um
desenvolvido pela MediaMagic em 2012 e vindo também para o iOS, além do
Android.
Nele, os jogadores basicamente precisavam ir juntando as peças similares no
tabuleiro, o que aumentava a pontuação e causava dano no Anjo da fase em
questão. Embora restrito ao mercado japonês, ele aparentemente ainda pode
ser adquirido através de algumas plataformas, como a Amazon App Store.
Evangelion Memoria (2012-2014)
Evangelion Memoria foi a primeira representação realmente de destaque
da série no mercado mobile. Utilizando como base o principal produto da
época — a série de filmes Rebuild — o principal mote dele era basicamente
avançar em uma história exclusiva para o título e desbloquear cartas com
ilustrações especiais.
Há pouco registro a respeito do jogo, além de algumas dessas ilustrações,
mas há notícias que apontam que ele chegou a alcançar a marca de dois
milhões de usuários em seu lançamento. Adicionalmente, ele era um verdadeiro
game as service, com artes próprias produzidas para o título e uma forte
manutenção de eventos online e campanhas limitadas como forma de incentivar
o engajamento contínuo dos jogadores.
Lançado em 2012 pela Taito e desenvolvido pela COPRO, ele saiu de circulação
em 2014, sendo que há pouco registro de sua jogabilidade factual, embora
algumas das imagens exclusivas tenham se salvado desse expurgo.
EVA Arcade Series (2012-2014)
Mais uma obra do MediaMagic, essa minissérie é composta por quatro joguinhos
distintos, todos tematizados da série Rebuild, algo que basicamente se
tornou o padrão durante esse momento da franquia. EVA Jigsaw, de
2012, é uma aplicação bem tradicional de quebra-cabeca em que os jogadores
precisavam reconstruir cenas dos filmes. No ano seguinte,
EVA Coin Driver recriou o sistema de máquinas de cassino coin pusher,
em que o jogador precisa depositar suas próprias moedas no tempo e local
certo para que ela consiga ajudar a máquina a empurrar para fora já estão lá
junto de outros prêmios em potencial.
Também chegando em 2013, EVA Arcade Series: Puzzle Buster, por sua
vez, é um clone de Candy Crush e chegou a receber uma sequência no ano
seguinte, intitulada Eva Puzzle Buster: Break. Todos os quatro
receberam versões para Android e iOS.
Evangelion: Catharsis of the Soul (2014-2015)
Desenvolvido pela DeNA em parceria com a Bushiroad,
Evangelion: Catharsis of the Soul (Tamashii no Katarushisu , no
original) colocava o jogador no papel de comandante responsável pela defesa
de Tóquio-3, em um sistema de estratégia em tempo real no qual era preciso
construir bases, gerenciar recursos e posicionar as Unidades Evangelion
contra sucessivas invasões de Anjos. Entre os armamentos disponíveis estavam
bombas N2, canhões positron e outros equipamentos clássicos da série, usados
de forma tática conforme o avanço das ondas inimigas.
Disponibilizado originalmente em março de 2014, o título não teve uma vida
útil muito longa, tendo sido exatamente um ano depois de sua introdução, em
março de 2015, sem que nenhuma versão internacional tenha sido lançada.
Evangelion Battle Mission (2014-2016)
A jogabilidade de Evangelion Battle Mission consiste em um
simplificado sistema de quebra-cabeças de combinação, ou seja, mais um
desses em que é necessário conectar os blocos de mesma cor a fim de fomentar
combos e derrotar os oponentes que atrapalham o tabuleiro em tempo real.
Aqui, o diferencial está na coleta das ilustrações, especialmente
redesenhadas para o jogo.
Lançado em novembro de 2014 para Android e em dezembro do mesmo ano para
iOS, foi desenvolvido pela Mobcast em parceria com a Khara, estúdio fundado
pelo Hideaki Anno e responsável pelos Rebuilds. Sem nunca ter chegado ao
Ocidente, o aplicativo foi descontinuado em janeiro de 2016.
Yurushito: Angel Drop (2015)
Yurushito foi uma ação de merchandising completamente voltada para os Anjos,
mas em representações bastante cartunescas e de visual bem inofensivo, quase
infantil.
Evangelion: Dawn Break (2018-2021)
Depois de Evangelion Memoria, Evangelion: Dawn Break é o que mais se
assemelha a um gacha em seu formato mais tradicional e recorrente. Trata-se
de um beat 'em up em que o jogador precisa avançar por estágios bem curtos
enquanto enfrenta os inimigos e coleta recursos a fim de desbloquear novos
personagens, sejam eles humanos, Anjos ou Evangelions, cada um com versões
em níveis distintos de raridade. Além do sistema de colecionismo, o título
também contava com recursos multiplayer, como ranking mensal, PvP e sistema
de guilda/clã.
Primariamente baseado na série de filmes Rebuild, o jogo chegou a
disponibilizar também algumas Unidades EVA de Anima, uma série de light
novels lançada entre 2008 e 2013 situada em um futuro alternativo em que o
Terceiro Impacto foi impedido e Shinji e companhia seguem operando em uma
NERV reformulada.
Conhecido como Evangelion: Breaking Dawn no mercado asiático, o
título foi uma das primeiras instâncias em toda a franquia que chegou ao
Ocidente de forma oficial, em 2018. Desenvolvido e gerenciado pela SINA
Games, da China, foi descontinuado em 2021, embora tenha havido alguns
esforços dos fãs para mantê-lo de forma não oficial vivo através de
servidores privados.
Evangelion Battlefields (2020-2023)
O último lançamento da série até aqui, Evangelion Battlefields foi um
shooter online no qual o jogador controla unidades EVA em conflitos situados
em arenas circulares. Nele, cada equipe era composta por duas unidades EVA e
contava com combate que envolvia tanto ataques corpo a corpo quanto disparos
à distância, envolvendo gerenciamento de recursos como os Weapon Points a
fim de controlar o uso de armas.
Além do sistema de cores que define vantagens e desvantagens entre os EVAs,
também era possível ativar vários tipos de ataques especiais. Essa
jogabilidade se estendia a vários modos, como PvP (Battlefields),
cooperativo PvE (Operation: Angel Annihilation) e desafios diários (Ground
Zero), além de pequenas missões narrativas para desbloquear recompensas.
A monetização de Battlefields era um ponto característico do jogo, uma vez
que, além de contar com um sistema de gacha tradicional para obter novos
pilotos, EVAs e armas, os jogadores podiam desbloquear conteúdo digital
usando brinquedos físicos, inserindo códigos de produtos de colecionáveis
oficiais para obter itens especiais dentro do game.
Lançado em 2020 e tocado em parceria pela Takara Tomy e pela LIONA, o título
contava com operação baseada em temporadas que traziam novos conteúdos a
serem desbloqueados e colecionados — acompanhando, inclusive, a estreia do
último filme da série Rebuild, que ocorreu em 2021. Apesar do sucesso entre
os fãs, o jogo, que nunca recebeu um lançamento fora do Japão, foi
descontinuado em 2023.
E os Pachinkos?
O pachinko é um tipo de entretenimento muito popular no Japão em que o
jogador dispara pequenas bolinhas de metal que ricocheteiam por um campo de
obstáculos e, dependendo do resultado, podem liberar prêmios ou bônus.
Basicamente um jogo de azar, sua mecânica lembra a de um caça-níquel e a
experiência é consideravelmente integrada à cultura japonesa, contando com
estabelecimentos próprios espalhados por todo o país.
Como várias outras marcas do entretenimento local, Neon Genesis Evangelion
tornou-se um tema recorrente nesse mercado, com uma infinidade de máquinas
de pachinko temáticas sendo lançadas ao longo dos anos.
O que interessa, entretanto, é que a febre por essas máquinas é tão forte
que acaba motivando a sua recriação nos videogames, permitindo que os fãs
jogassem versões virtuais das máquinas de pachinko temáticas de Evangelion
em uma série de plataformas domésticas, com edições próprias que recriam
elementos estéticos e sonoros de determinados modelos de máquina escolhidas
para serem adaptadas.
Ao longo dos anos, algumas das plataformas para os quais os Pachinkos de
Evangelion chegaram a ser adaptadas foram o PlayStation 2, PlayStation 3,
PlayStation Portable e Nintendo DS. Dispositivos mobile, por sua vez, também
foram contemplados.
Aparições em outros jogos
Dada tanta sua influência na esfera popular quanto seu potencial de lucro, é
de se esperar que Evangelion fosse uma marca cobiçada em crossovers e outras
colaborações similares, fazendo com que os personagens e elementos da IP
aparecessem em outros universos.
A mais emblemática dessas situações é a sua inclusão recorrente na série
Super Robot Wars, uma série de RPG tático da Bandai Namco cuja premissa é
justamente reunir, em um único título, a maior variedade possível de mechas
— o termo técnico para robô gigante — de diferentes franquias, como
Mazinger, Gundam, e Getter Robo. A primeira aparição de Evangelion foi em
1997, no Super Robot Wars F, uma revisão para Saturn e PlayStation do quarto
jogo da série, e vem sendo figurinha carimbada desde então.
Com uma premissa similar, a obra de Hideaki Anno também apareceu em um jogo
chamado Kyoei Toshi, outra marca da Bandai. Uma sucessora moral da série Disaster, o jogador, no papel de um
cidadão comum, precisa sobreviver em um ambiente urbano constantemente
assolado por ataques de Kaijus ou pela própria batalha entre eles e os
Mechas que tentam proteger a cidade em questão.
Cada uma das 17 fases oferece um desafio diferente e, além de séries como
Ultraman, Godzilla e Patlabor, Rebuild of Evangelion marca presença não só
com as três unidades EVA principais, bem como com três Anjos distintos.
Para mais do que essas duas participações de maior escopo, Evangelion também
participou a nível temático em séries como Taiko no Tatsujin, que traz o
tema principal da série de TV, Cruel Angel Thesis, como uma das músicas do
jogo. Phantasy Star Portable, do PSP, chegou a incluir vestimentas e armas
baseadas em EVA, algo repetido em um DLC especial de Tales of Zestiria.
Essas mesmas duas marcas — Phantasy Star e Tales — repetiram a parceria em
suas respectivas iterações online, com colaborações que introduziram os
personagens da série em Phantasy Star Online 2 e Tales of Wind.
Da mesma maneira, esse tipo de colaboração rendeu adicionalmente uma dungeon
especial em Puzzle & Dragons, um RPG tático da GungHo, bem como uma
participação dos personagens nas campanhas sazonais de títulos como Tower of
Fantasy, Nyanko Daisensou, Shironeko Project, Honkai Impact 3rd ou Goddess of
Victory Nikke. Até PUBG Mobile e Brawl Stars entraram na onda.
Essa abordagem acaba tendo uma eficácia maior de forma curiosa até, uma vez
que a série não chegou a consolidar nenhum título mobile próprio de forma
inquestionável, apesar de alguns sucessos medianos, como Battlefields e Dawn
Break. Ainda assim, é uma forma de entender que os personagens são atrativos
e a marca segue poderosa a nível mercadológico ao ponto de justificarem sua
utilização. Afinal, não dá para subestimar a força de um verdadeiro marco na
história da cultura midiática japonesa.
Revisão: Thomaz Farias
Referenciais: The Video Games Museum, Beyond Electric Sheep, Evageeks, VNDB, Keitai Wiki, Pachinko K8
Referenciais: The Video Games Museum, Beyond Electric Sheep, Evageeks, VNDB, Keitai Wiki, Pachinko K8





















