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Análise: The Cub (Multi) — Um filhote sobrevivendo ao caos dos adultos

A Terra está em ruínas e uma criança precisa aprender o que aconteceu com o planeta, enquanto afasta invasores que são as pessoas que o destruíram.

The Cub
é um jogo de plataforma que traz inspirações diversas, tanto para suas mecânicas quanto para sua estética. Os desenvolvedores mesmo já deixaram bem claro no lançamento algumas de suas fontes, como Aladdin, Rei Leão e Mogli.

Mais do que um emaranhado de referências, este título conseguiu extrair o que tinha de melhor em diversos pontos e conseguiu criar uma experiência única e bastante comovente, o que chega a ser um pouco surpreendente para um jogo de plataforma.

“O homem é o lobo do homem”

A frase acima, do filósofo inglês Thomas Hobbes, denota que o homem pode se tornar o seu pior inimigo, isso em uma interpretação simples e fugindo do contexto político da obra na qual foi publicada. E eu fiz questão de trazer essa forma simplificada pois ela resume exatamente o enredo de The Cub, que tem uma história que também traz alguns elementos que bebem de Tarzan e Mogli misturados com uma distopia futurística, mas não muito longe da nossa realidade.

Em uma versão da Terra, os humanos não fazem grandes esforços para manter a saúde do nosso planeta. Isso leva a um evento grave, chamado de Grande Catástrofe Ecológica, o que torna todo o ambiente praticamente insalubre. Os mais ricos e poderosos fretaram naves para Marte e foram embora assim que puderam. Já os que não tinham condições acabaram perecendo em meio aos destroços que eram reclamados pela mãe Natureza.

Em meio a todo esse caos muitas crianças foram deixadas de lado, entregues à própria sorte. Curiosamente, muitos deles acabaram sendo criados por outros animais, como lobos, e desenvolveram a capacidade de sobreviver ao novo bioma da Terra. Entre eles, está nosso protagonista, até então sem nome.

Como a ganância é uma semente ruim que nunca para de crescer, aqueles que migraram para Marte começam a custear expedições para retornarem à Terra e avaliarem o que pode ser feito para que eles obtenham algum lucro. É aí que os exploradores descobrem sobre a tal criança, que passa a ser referida como “o filhote”. 

Todo esse contexto dá o tom da aventura, pois controlamos o pequeno aventureiro em uma jornada de descobrimento, na qual encontramos traços da civilização que foi embora, ao mesmo tempo em que fugimos dos exploradores, que querem nos caçar e levar para fazer estudos que expliquem como uma criança pode ter sobrevivido ao que aconteceu com o mundo.

Um filhote fugitivo

As ações do protagonista são básicas, como saltar, agachar, puxar objetos e dar uma ombrada para destruir barreiras pelo caminho, mas isso não significa que The Cub seja um jogo simplista. A constituição de cada capítulo é puramente feita por plataformas, sem nenhum tipo de combate. O que difere o ritmo da ação é quando aparece alguém para nos perseguir ou capturar; e sim, há diferença nestes dois cenários. Vamos por partes.

Quando somos perseguidos, o inimigo nos segue pelo cenário com uma rede de captura, como se fossemos uma borboleta. Neste caso específico pode acontecer uma pequena falha, na qual podemos ser capturados logo em seguida do trecho recomeçar após perdermos uma vida. Não é algo que atrapalhe gravemente o andamento, mas que acabará exigindo um pouco mais de atenção dos jogadores.

Nas fases de captura, há uma mistura interessante de velocidade e stealth, condicionada pela posição do inimigo. Se ele está em primeiro plano, como se partilhasse o mesmo ponto de vista de quem está no controle, é hora de revezar corrida com saltos precisos, pois serão disparadas redes de captura em nosso caminho e um pulo mal calculado pode ser nossa ruína. Agora, se eles estiverem voando ao fundo do cenário será necessário se esgueirar por pilastras e escombros, para passarmos despercebidos. Se formos notados, a criança será atordoada com um dardo tranquilizante e lá se vai mais uma vida.

Toda essa prontidão conversa muito bem tanto com a jogabilidade ágil quanto com a história em si. Mesmo com toda a urgência da fuga, as fases anteriores já prepararam o jogador com perigos similares, mas que tinham origem na natureza, como pular sobre jacarés, esquivar de tatus que disparam projéteis e se esconder de drones esquecidos que ainda estão ativos.

A única coisa que me incomodou de maneira geral no controle do filhote foi a variação de intensidade nos saltos. Por muitas vezes, um pulo simples parece pouco e um duplo é muito. Fazer este cálculo em setores que demandam mais urgência nos levam a perder algumas chances a mais que o necessário. 

Beleza e tristeza andando de mãos dadas

A história de The Cub não deixa de ser triste, mas isto contribuiu de maneira muito positiva para sua identidade visual e sonora. As primeiras fases na mata fechada já dão indícios da vida selvagem retomando sua força na Terra, e isso se intensifica ao passarmos por laboratórios escuros ou compostos militares destruídos e invadidos por animais exóticos e plantas.

Em contrapartida, ao escalarmos prédios e construções, nos deparamos com um céu azul vibrante, tanto o ciano matutino rajado com feixes de luz solar, quanto o cerúleo do por-do-sol iluminado pelos letreiros em neon que não desistiram de funcionar. Tudo isso é retratado em um belíssimo estilo 2D, no qual os produtores também já confessaram ter se debruçado sobre clássicos como O Caminho Para El Dorado, Atlantis, Tarzan e a animação Primal, de Genndy Tartakovsky - criador de nomes como Laboratório de Dexter, Samurai Jack e Star Wars: Guerras Clônicas.

Para invocar o aspecto primitivo ao qual a Terra estava retornando, entre cada capítulo o filhote narra o acontecimento acompanhado por uma pequena cena pintada em pedra, como se fosse um desenho feito por um homem das cavernas. As animações para quando perdemos uma vida também seguem o mesmo estilo, trazendo um pouco mais de um bom-humor infantil. É um equilíbrio muito bem pontuado entre um ponto de vista de uma criança e uma história um pouco mais séria e pesada.

Os colecionáveis do jogo também estão presentes mais para engrossar a história do que como objetivos em si. Pelo caminho, perto de corpos, achamos mensagens gravadas, televisões com filmes antigos, jornais passados e livros, todos eles com uma mensagem que casa muito bem com o contexto.

Por fim, outro acerto estrondoso está na trilha sonora. Ela é tocada de uma rádio diretamente de Marte, o que nos leva a ter algumas trocas de perspectiva interessantes sobre como o povo que está lá enxerga o que sobrou do planeta, enquanto exploramos com o filhote com uma outra ótica.

Há canções leves, agitadas, românticas, tristes; mas todas elas, sem exceção, são acompanhadas pelos locutores da rádio. Um destaque especial que faço para quem for jogar The Cub é em um dos últimos capítulos, no qual encontramos o explorador Charlie e ele se torna nosso amigo. As mensagens que encontramos, em conjunto com a fala dos locutores e uma música em específico, criam um clima de melancolia que faz um contraponto poético enquanto sobrevoamos entre o que sobraram dos arranha-céus ao entardecer.

Uma maneira única de contar uma história

The Cub foi desenvolvido de uma maneira única, na qual ele funciona como um jogo de plataforma, um livro de contos ou uma animação, na qual cada capítulo é uma história isolada do protagonista, ou um episódio. Ele foi feito para passar uma mensagem e consegue fazê-lo com louvor, respeitando todas as suas referências, mas sem usá-las de muleta e criando uma experiência muito rica e tocante.

Prós

  • História densa e muito boa;
  • Sessões de plataforma muito bem desenvolvidas e com variações entre velocidade e stealth;
  • Boa jogabilidade, com comandos simples e objetivos;
  • Excelente composição visual, que vai além da estética e auxilia na narrativa;
  • Trilha sonora com mudanças de clima perfeitas para cada situação.

Contras

  • Em alguns momentos, os saltos são imprecisos;
  • O respawn após perder uma vida pode te colocar muito próximo de um inimigo. 
The Cub — PC/PS4/PS5/Switch/XBO/XSX — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise feita com cópia digital cedida pela Untold Tales

é amante de joguinhos de luta, corrida, plataforma e "navinha". Também não resiste se pintar um indie de gosto duvidoso ou proposta estranha. Pode ser encontrado falando groselhas no seu twitter @carlos_duskman
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