O Game Pass vive seu melhor momento, mas é tarde demais para salvar o Xbox?

Mesmo no topo, o Game Pass expõe a fragilidade da plataforma Xbox.

em 11/06/2025
Comentários

Desde seu lançamento em 2017, o Xbox Game Pass foi apresentado pela Microsoft como a grande revolução da indústria dos jogos. Um serviço de assinatura com acesso a centenas de títulos por um preço mensal acessível (incluindo lançamentos) era uma proposta ousada, que causou adeptos e críticos desde sua criação.


A proposta era clara: levar ao universo dos games a mesma revolução que a Netflix trouxe para o cinema e a TV. No papel, o Game Pass prometia ser mais do que um serviço, era a aposta certa para reposicionar o Xbox, corrigir os erros que ela enfrentava na geração e criar um novo modelo de consumo para toda a indústria. Ao longo dos anos, a Microsoft investiu pesado, comprou estúdios, ampliou a oferta e refinou a experiência. Hoje, o Game Pass vive sua melhor fase. Mas junto com esse ápice, surge uma pergunta: esse sucesso veio a tempo de salvar a plataforma, ou o Game Pass vai seguir sem o Xbox?

A origem do Game Pass: uma resposta à crise de identidade

O Game Pass nasceu como uma resposta direta às dificuldades enfrentadas pela Microsoft na geração do Xbox One. A plataforma sofreu com um início conturbado, comunicação falha e falta de exclusivos impactantes. Enquanto o PlayStation 4 se consolidava como o console dominante, o Xbox precisava desesperadamente redefinir seu valor no mercado.

A ideia de um serviço de assinatura veio como tentativa de contornar a perda de território. O foco deixou de ser o “console” em si, e passou a ser o ecossistema. O jogo poderia estar no seu Xbox, mas também no seu PC, na nuvem, no celular. Onde o jogador estivesse, o Game Pass queria estar.

Ao adotar um serviço de assinatura como foco, comparações inevitáveis com modelos de streaming começaram a surgir. Afinal, a premissa parecia familiar: uma biblioteca de conteúdo acessível por um valor fixo mensal, com novas adições constantes. Mas à medida que o Game Pass evoluiu, ficava evidente que sua proposta era única e que os desafios da indústria de jogos eram bem diferentes dos enfrentados por plataformas como Netflix ou Spotify. A experiência de consumo de games exige tempo, dedicação e interação ativa, uma dinâmica que não se traduz diretamente para o modelo de consumo rápido e passivo do streaming tradicional.

Game Pass não é Netflix, e nunca vai ser

Muito se comparou o Game Pass à Netflix, e embora a lógica do modelo de negócios seja parecida, a forma como consumimos jogos é radicalmente diferente da forma como consumimos filmes e séries.

Na Netflix, um espectador pode assistir a uma temporada inteira em um fim de semana. O conteúdo é linear, passivo e facilmente rotativo. Já nos jogos, o consumo é ativo, imersivo e de longo prazo. Jogar 40 horas de Starfield ou The Elder Scrolls IV: Oblivion exige mais do que tempo, exige comprometimento.

Além disso, a produção de um jogo é infinitamente mais cara e demorada do que uma série de baixo orçamento para streaming. Enquanto a Netflix pode apostar em volume e variedade, o Game Pass precisa de qualidade consistente para manter a base engajada. E qualidade demanda tempo.

Não se cria um Indiana Jones e o Grande Círculo por mês. E, ao contrário de uma série de TV que pode ser cancelada sem grandes impactos, um jogo AAA carrega um peso muito maior, no qual um fracasso pode definir o destino de um estúdio inteiro, apagando anos de trabalho e dedicação. Sem uma qualidade consistente, a promessa de acesso ilimitado perde força, e o modelo que parecia revolucionário corre o risco de se tornar apenas um reflexo das dificuldades da indústria em sustentar seu ritmo de inovação.

Conteúdo é rei: a corrida por estúdios

Diante do desafio de abastecer o Game Pass com títulos de qualidade, a Microsoft adotou uma estratégia que iria mudar a trajetória da indústria: comprar conteúdo em escala. Nos anos seguintes, a empresa adquiriu dezenas de estúdios, incluindo nomes como Ninja Theory, Obsidian, Double Fine, e as gigantes distribuidoras Bethesda e Activision Blizzard.

Essas aquisições, no entanto, não trouxeram resultados imediatos. Muitas dessas equipes já estavam comprometidas com projetos anteriores. Outras precisavam de tempo para se adaptar à nova estrutura corporativa. Enquanto isso, o Game Pass crescia lentamente, com títulos interessantes, mas sem uma constância de jogos blockbusters que justificasse a assinatura como essencial.

O discurso era promissor, mas a entrega levou anos para realmente começar a se alinhar.

O melhor momento do Game Pass

O Game Pass vive o melhor momento de sua história. No fim de 2024, a compra, por 70 bilhões de dólares, da Activision Blizzard finalmente cumpriu seu propósito, colocou o novo Call of Duty (Call of Duty: Black Ops 6), uma das maiores franquias do entretenimento mundial, day one no gamepass. Ainda assim, o que parecia ser o ponto alto do Game Pass seria superado poucos meses depois.

Em abril de 2025, o serviço iniciou o mês com Blue Prince, um jogo de puzzle elogiado pela crítica, com nota 92 no Metacritic e presença garantida nas conversas sobre Jogo do Ano. Na última semana do mês, o catálogo foi atualizado com uma surpresa absoluta: o relançamento de The Elder Scrolls IV: Oblivion, em versão remasterizada produzida internamente por um estúdio da Microsoft. A recepção foi imediata, mas não durou tanto quanto o impacto do lançamento seguinte.

Resultado de uma aposta de Phil Spencer, Clair Obscur: Expedition 33, um RPG de turno criado por um estúdio francês estreante, foi lançado diretamente no Game Pass e se tornou um fenômeno. Inspirado pelos clássicos japoneses do gênero, o jogo conquistou crítica e público e passou a ser tratado como uma das maiores surpresas dos últimos anos e principal candidato a jogo do ano até o momento.

Pouco tempo depois, DOOM: The Dark Ages veio para coroar essa sequência incrível, mostrando que o Game Pass não apenas aposta em surpresas, mas também sabe entregar grandes sucessos first party. Com sua brutalidade característica e uma nova roupagem medieval sombria, o jogo reforçou o compromisso da Microsoft com experiências de alta qualidade.

O paradoxo atual: Game Pass em alta, Xbox em crise

A biblioteca nunca foi tão forte. A diversidade de gêneros nunca foi tão clara. A proposta, enfim, materializou-se. O Game Pass está, finalmente, entregando aquilo que prometia desde seu lançamento: acesso facilitado, curadoria sólida e uma sequência de lançamentos relevantes que rivalizam com qualquer plataforma concorrente.

O problema? O Xbox, como plataforma, perdeu relevância.

Em 2025, enquanto o serviço prospera, o console que deveria ser o centro do ecossistema parece cada vez mais irrelevante. A chegada de jogos exclusivos ao PlayStation, como Sea of Thieves e Forza Horizon 5, abalou a percepção de fidelidade da marca. A Microsoft abandonou o hardware como prioridade e, com isso, o Xbox se tornou uma ferramenta entre várias formas de acessar o Game Pass. De símbolo da plataforma, o console virou coadjuvante.

Nesse cenário, o que sustenta o Game Pass não é mais o Xbox, e sim o valor entregue em comparação direta com a concorrência. Enquanto alguns jogos de grande porte custam 70 dólares no PlayStation e em outras plataformas, os assinantes do Game Pass têm acesso aos mesmos títulos no dia do lançamento, sem custo adicional. Ainda assim, essa vantagem levanta uma questão desconfortável: se o Game Pass é o centro da experiência e está acessível no PC e na nuvem, qual é, de fato, o papel do Xbox? Afinal, os jogos dos estúdios que a Microsoft adquiriu por bilhões de dólares também chegam ao PlayStation (mesmo que com preço cheio). Se a plataforma não oferece exclusividade real, e sua maior força é um serviço que pode ser aproveitado em outro lugar, o que ainda justifica a escolha pelo hardware da marca?

É tarde demais?

A pergunta inevitável surge: o sucesso recente do Game Pass ainda pode salvar o Xbox, ou ele simplesmente o substituiu?

Hoje, o Game Pass é uma vitória isolada. Um serviço forte dentro de um ecossistema confuso. O Xbox precisa de mais do que um catálogo.

Ainda há tempo para reconstruir essa identidade? Talvez. Mas não será o Game Pass, por melhor que esteja, que fará isso sozinho.

Para muitos jogadores, a plataforma Xbox se tornou um aplicativo, e não uma escolha.

ROG Xbox Ally: um novo caminho

No dia 8 de junho de 2025, a Microsoft anunciou o ROG Xbox Ally, um console portátil desenvolvido em parceria com a ASUS. O dispositivo, que roda Windows e é otimizado para o Game Pass, XCloud e até Steam, representa uma mudança significativa na estratégia de hardware da marca. A Microsoft agora aposta na flexibilidade e portabilidade, posicionando o Xbox como uma plataforma acessível onde quer que o jogador esteja.

Esse movimento não substitui a necessidade de um novo console tradicional, mas mostra que a empresa está disposta a experimentar novos formatos. Mais do que isso, o Ally reforça a ideia de que o Xbox não é mais um hardware fixo, mas uma camada de serviço que pode habitar diferentes dispositivos. O portátil da ASUS pode não ser a resposta definitiva, mas é um indício claro de qual caminho a Microsoft pretende seguir, e talvez uma primeira tentativa de reconstruir a relevância perdida da marca.

Entre o legado e a reinvenção: Tudo ou nada para o futuro do Xbox

O Game Pass enfim vem cumprindo o que prometeu. Virou referência, entregou jogos e provou valor, mas, ironicamente, seu sucesso tornou ainda mais evidente a crise de identidade do Xbox como plataforma. O que deveria ser a salvação virou solução parcial e, talvez, o início de uma transformação definitiva.

Com o anúncio do Xbox Ally, a Microsoft começa a traçar um novo caminho. A parceria com a ASUS sinaliza que o futuro do Xbox pode estar menos ligado ao formato tradicional de consoles e mais centrado em acesso flexível ao ecossistema, onde e como o jogador quiser. É uma jogada ousada, mas também carregada de riscos.

Se o Ally falhar, reforçará a percepção de que o Xbox perdeu seu rumo. Mas se for bem-sucedido, pode redefinir o que significa ser uma “plataforma” na indústria de games. A Microsoft já fez sua jogada. Agora, resta saber se os jogadores estão dispostos a seguir esse novo caminho, e se o nome Xbox ainda carrega peso suficiente para liderar essa transição.

A nova investida da marca precisa oferecer algo além do Game Pass: um diferencial que recoloque o Xbox na disputa e dê ao jogador um motivo claro para escolher sua plataforma. O ROG Xbox Ally é a primeira prova disso. Se a Microsoft falhar nessa missão, o Game Pass pode continuar forte, mas o Xbox, como conhecemos, não.

Revisão: Vitor Tibério
Siga o Blast nas Redes Sociais
Matheus Oliveira
Entusiasta de games e cinema, sempre explorando novos gêneros e estilos enquanto acumula um backlog infinito. X e Instagram
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).