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Análise: Rising Dusk (Multi): evite moedas no Japão folclórico neste criativo 2D platformer

Explorando novos usos para velhos tesouros.


Provando como videogames são uma mídia criativa e dinâmica, até mesmo um gênero antigo e experimentado como o de plataforma 2D ainda pode revelar boas ideias que sustentam experiências únicas. Às vezes, só é preciso subverter um vértice para moldar uma nova forma. É isso que Rising Dusk faz com a premissa de ser um jogo “antimoedas”.

O ato de coletar coisas pelo cenário é algo que acompanha esse ramo há quase 30 anos, geralmente envolvendo apenas pontuação, vantagens imediatas ou desafio de completude. A pergunta que move Rising Dusk é: e se fizermos a protagonista evitar moedas?



Dinheiro demais é problema?

As respostas ao questionamento acima levam a vários desdobramentos interessantes. Não me entenda errado, este não é um jogo revolucionário, mas um que sabe explorar bem as possibilidades de gameplay a partir de um único conceito de design, entregando uma experiência simples, eficiente e divertida.

Tudo realmente gira em torno da ideia de coletar ou não as moedas. O caminho é pavimentado por blocos com números de um a doze. Se você tiver uma quantidade de moedas igual ou maior que o número, o bloco se dissolve ao ser tocado. Logo, temos uma faca de dois gumes: você não vai querer que os blocos no chão sumam sob seus pés, mas também terá que acabar com os blocos que obstruem seu caminho.




Por isso, o objetivo é gerenciar bem sua carteira para abrir novos caminhos sem destruir os que já existem. Sendo assim, que tal fazer as duas coisas? Ao avançar pela fase evitando moedas, pode haver um bloco inacessível que exige que você alcance um número exato. Atrás desse bloco pode haver um caminho alternativo ou colecionável, mas para descobrir você terá que rejogar a fase com aquele novo objetivo financeiro em mente.

Todos os estágios, portanto, oferecem replay para explorar os segredos. Vários deles possuem mais de uma saída, que, no mapa-múndi, levam a novos locais opcionais, no melhor estilo Super Mario World. Rising Dusk leva essa estrutura de forma mais aberta: são 22 fases, mas é possível alcançar o final passando por apenas dez delas, tornando todas as demais opcionais. Até enfrentamos alguns chefes, mas são pontos fracos que não merecem menção.




Levei cerca de duas horas para chegar aos créditos com mais ou menos 50% de completude, e, no total, foram cinco horas aumentando a exploração até o ponto que estimo equivaler a 80-90%, incluindo o templo Kin-Neko-Ji, onde há dez fases extras desbloqueadas com a obtenção de estátuas de maneki-neko, o gato da sorte. 

Os segmentos opcionais do templo servem para brincar com o potencial de puzzle que a gameplay de evitar moedas e abrir caminhos traz em seu DNA, proporcionando momentos bastante diversos em relação à campanha normal.

Para acompanhar o progresso, Rising Dusk bebe da fonte de Donkey Kong Country, colocando símbolos ao lado dos nomes dos locais, cabendo aos jogadores a tarefa de interpretação. Não chega a ser algo obscuro, mas gera dúvidas desnecessárias que poderiam ser sanadas com um pequeno glossário que caberia até nas falas de algum NPC da cidade.



Não conheci o outro mundo por querer!

Como já deve ter dado para perceber pelas imagens, Rising Dusk se passa em um Japão folclórico, repleto de criaturas sobrenaturais. A menina Tamako estava acendendo incenso em um altar quando resolve seguir uma menina por curiosidade, acabando presa naquele mundo sobrenatural. Ela seguirá por campo, pântano, cidade, mar e caverna até chegar ao topo da montanha onde ela fará… Bem, ela apenas vai até lá, uma fase por vez, sem noção de objetivo.

O próprio nome da menina e o fato de ter se perdido no mundo espiritual são informações que eu só soube ao ler a descrição do jogo no Steam. Mesmo com uma história tão simples, não há qualquer indicação de contexto e motivo, dando a impressão de que a menina está apenas em uma aventura a esmo.




É claro que os anos de 1990 eram cheios de títulos com pegada semelhante, mas não acho que os jogos inspirados no passado precisam se limitar a esse ponto. Afinal, se existe uma motivação acontecendo nos bastidores, ela deveria ser usada na própria campanha.

No caso de Rising Dusk, bastaria usar um formato também muito comum na era que lhe serve de referência: o livro ilustrado. Isto é, algumas imagens em pixel art com textinho abaixo. A simplicidade da história não exime o jogo de contá-la; ao contrário, a ausência de algo básico só passa a noção de que a contação da história foi feita pela metade.




Também não espere por tradução para português brasileiro. Isso não chega a ser um grande problema, mas há dicas e pedidos de NPCs que precisarão de um mínimo de leitura em outros idiomas, como o inglês ou o espanhol.

Outro ponto que se encaixa no rótulo “não é um problema, mas podia ser melhor” é o visual. Dá para perceber o cuidado com as animações, personagens e a profundidade dos cenários, mas, no fim das contas, não é um jogo muito atraente e, em algumas poucas partes, não ilustra bem a distinção entre o que é plataforma sólida e o que é apenas pano de fundo.

Um elemento fundamental da gameplay atrapalha a composição visual, tornando-a mais artificial: os blocos com números. Eles estão ali e pronto, no meio do caminho, sem sutilezas. Portanto, mesmo com uma arte que cumpre seu propósito ilustrativo, o visual é um fator secundário no pacote geral.



Lo-fi youkai

Uma curiosidade: a maior parte do projeto foi produzida por uma pessoa só, Lukas Stobie, um australiano que reside em Tóquio. Lançado primeiramente para PC em 2018, agora chegou aos consoles.

Rising Dusk trilha seus próprios rumos em plataforma 2D com uma nova perspectiva sobre as moedas colecionáveis que preencheram o gênero por décadas. A execução se sai tão bem quanto a ideia, e o conceito de “antimoedas” é usado para criar puzzles intuitivos e fator replay por meio de segredos, caminhos secundários e saídas alternativas.

O visual pode não chamar a atenção, mas as músicas lo-fi levam a batida da calmaria para conduzir uma campanha de estrutura flexível que vai agradar aos apreciadores de jogos 2D.



Prós

  • A ideia central de evitar moedas é bem executada em uma campanha agradável;
  • As mecânicas variadas fazem o jogo ter identidade em meio ao gênero de plataforma 2D e tornam as fases interessantes, sem cair na repetição de ideias;
  • As fases contêm segredos ou saídas alternativas para incentivar a exploração e o retorno a elas, sem se estender demais;
  • As músicas no estilo lo-fi dão um clima sereno e agradável à aventura;
  • Ambientação simpática baseada no folclore japonês.

Contras

  • Mesmo com uma história simples, o jogo falha em comunicá-la e dar contexto à aventura;
  • Algumas informações não são claras, como as de completude e de itens;
  • O aspecto visual emula os 16 bits com competência, mas não contribui para deixar o jogo mais atraente;
  • Sem localização em português brasileiro.
Rising Dusk - PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch - Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Shinyuden

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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