Entrevista

Conversamos com os dois irmãos brasileiros que criaram Togges (Multi), um 3D platformer único

Dois irmãos, um gênero clássico, cinco anos de desenvolvimento e milhares de bloquinhos.


Os irmãos Lucas e Felipe Bonatti são a dupla de desenvolvedores de Togges, um jogo de plataforma 3D muito peculiar lançado em 7 de dezembro para PS4, PS5, PC, Xbox One, Xbox Series e Switch, publicado pela Thunderful Games.

Sendo um título brasileiro, Togges vem reforçar a indústria de jogos que está em crescimento no nosso país e mostra o potencial dos pequenos desenvolvedores e sua importância para esse meio.


GameBlast: Obrigado por aceitarem a entrevista. Primeiro, que tal uma apresentação do Regular Studio?

Lucas Bonatti: Eu agradeço pela oportunidade. Somos um pequeno estúdio no interior do Brasil. Nosso objetivo desde o início foi criar um jogo diferente de tudo que você já viu, ao mesmo tempo que lembre jogos que amamos. É um projeto bastante pessoal, seguindo o que mais gostamos em jogos. Espero que outros fãs do gênero acabem gostando da mesma maneira que eu amei trabalhar nesse projeto.

Felipe Bonatti: Olá a todos. Somos um exército de dois, fazendo um jogo por conta própria.
Nosso foco é criar mundos incríveis trazendo novas propostas de gameplay. Acreditamos que é possível expandir a mídia com novas ideias, e espero que possamos deixar nossa marca nesse gênero tão amado por muitos.



GB: Agora, cada um descreva Togges à sua maneira.

Lucas: Togges é um jogo onde você posiciona pequenos bloquinhos em mundos vibrantes, e descobre novos mistérios ao entender como manipular o mundo ao seu redor. É bastante divertido, eu garanto (rs).

Felipe: Nem eu sei explicar direito (haha). É um 3D Platformer collect-a-thon charmoso onde você espalha blocos para solucionar puzzles e superar os mais diversos desafios, numa aventura ao redor da galáxia para impedir que o universo seja dominado pelo vazio.


GB: Togges apresenta mecânicas simples que se desdobram em uma riqueza de variedade para a exploração. Como surgiu a ideia básica e como ela evoluiu com o tempo?

Lucas: A ideia surgiu de “adicionar blocos”, quase como um Bomberman reverso. Mas logo descobrimos que o que deixava isso divertido não era necessariamente o ato de espalhar blocos, mas sim onde você coloca os blocos. Com isso a ideia começou a se expandir naturalmente, e nosso foco foi em construir esses mundos massivos. 

É como se cada mundo fosse a estrela principal do jogo. Colocamos muito esforço e dedicação para trazê-los à vida. O desafio foi criar os desafios acoplados no mundo, de uma maneira crível, por mais absurdo que possa parecer. Usamos o termo: absurdo crível.

Dessa maneira, a todo instante surpreendemos o jogador com uma nova ideia, ou simplesmente combinando com outra mecânica previamente vista, deixando o jogador a instigado em como usar os bloquinhos para interagir com esses cenários ricos em atividades. O resultado é o usuário tendo momentos de “Eureka”, e isso pode ser muito prazeroso.

Felipe: Nosso objetivo foi criar mundos imersivos, tanto em termos de ambientação quanto de gameplay. As ideias não vieram meramente de se criar uma mecânica, mas sim de conceitos: “De qual maneira Togges se comportam em uma cidade grande?” ou “Como Togges subiriam em locais altos?”
 
E a partir disso, fomos desenvolvendo as mecânicas de cada nível, seguindo regras estabelecidas, como fazer as interações sempre seguirem a temática do mundo, ou então de não usar  plataformas flutuantes, fazendo os elementos terem conexão criando um mundo imersivo.




GB: Li um texto de Lucas sobre Captain Toad: Treasure Tracker; meu filho e eu havíamos mesmo notado semelhanças de design logo no começo. Quais jogos serviram de inspiração para chegar até aqui?

Lucas: Vários. Captain Toad, como você já mencionou, por conta da abordagem de level design fazendo o jogador explorar cada cantinho do mundo - Katamari, por causa da maluquice com um gameplay simples e  divertido - Super Mario Galaxy e Odyssey, pela  fórmula collect-a-thon - Pikmin, e o sistema light-hearted de gerenciamento de múltiplas cores com diferentes habilidades… E outros jogos mais absurdos de se imaginar também serviram de inspiração, como Hitman, Persona e Dishonored. É um jogo que mistura muitos conceitos, dentro do que fazem 3D Platformers serem tão gostosos de jogar.

Felipe: Obviamente que jogos da Nintendo são as principais referências, principalmente no quesito de estética e design. Mas não somente eles como o Lucas comentou, mas immersive sims também são uma boa parte das inspirações, por conta do gameplay emergente, onde o jogo te oferece ferramentas e situações de gameplay que permitem ser criativo e superar desafios de diversas maneiras.
Esboço para o Rei Presidente
GB: Você colocaram easter eggs de outros indies de plataforma 3D que já saíram, como Demon Turf (Multi) e Frogun (Multi), e outros que ainda serão lançados, como Clive 'N' Wrench. Foi apenas uma homenagem ou vocês têm relação com esses outros desenvolvedores? Vocês se veem como uma comunidade do gênero?

Lucas: Sim, nós possuímos contato direto com uma pequena comunidade de desenvolvedores de 3D platformers. Isso aconteceu por conta do evento Hubworld do ano passado, quando reunimos um pequeno grupo de indies para fazer uma apresentação no estilo "Nintendo Direct", totalmente destinada a 3D platformers [veja o vídeo no final da entrevista]. Desde então, o pessoal vem trocando ideias. Os devs gostaram tanto que surgiu a ideia de fazer aparições em outros jogos!



GB: Como é ser uma dupla de irmãos desenvolvedores? Há muita disputa, o mais velho manda, vocês decidem no par ou ímpar ou apenas sabem dialogar muito bem?

Lucas: As ideias na maior parte das vezes vem de mim, eu simplesmente tenho sorte que ele gosta dessas maluquices (rs), e continua adicionando em cima delas.

Felipe: Nada, nos damos super bem, ou pelo menos eu acho (rs). Sendo um estúdio pequeno, nós dois fazemos tudo, independente da situação. Ele me pergunta se posso fazer isso, e eu vou lá e faço. É uma loucura, principalmente por conta do tamanho do projeto que é Togges, mas com certeza nunca ficamos entediados.
Planejando o visual de Toomba, o dispositivo controlado pelo jogador para espalhar e recolher togges.
GB: No começo do jogo, eu suspeitei que fosse um título brasileiro antes de saber sobre vocês. O que em Togges representa essa identidade nacional?

Lucas: Muito se fala de representação nacional de maneira literal, mas eu acredito em algo mais sútil e enraizado. Togges é abarrotado de referências culturais brasileiras em todo cantinho. Seja na escrita, nos conceitos ou nos objetos do mundo. 

Por exemplo, um dos mundos se passa numa cidade grande, e um dos elementos para compor o cenário é um orelhão, algo completamente icônico nas cidades brasileiras. É nesses detalhes que vamos inserindo nossa cultura e costumes. Isso junto com os conceitos do jogo, torna tudo muito único.

Felipe: Além do que ele disse, a própria essência do jogo é algo "abrasileirado". Nós somos um povo bastante misto, e o jogo também tem um pouco disso. É um 3D Platformer que puxa inspirações de vários locais, e não somente  de jogos do gênero. Uma mistura de platformer, Immersive Sims, e até mesmo Visual Novels! Pode parecer estranho a princípio, mas acaba fazendo sentido, assim como o Brasil no todo, nos tornando um povo rico e diverso.




GB: Como o pequeno desenvolvedor sobrevive no Brasil? Como foi sustentar o trabalho de cinco anos para fazer um jogo como Togges? Teve financiamento? Vocês têm/tiveram outros trabalhos nesse tempo ou se dedicaram apenas ao desenvolvimento?

Lucas: Assim como o próprio desenvolvimento, o investimento também foi pessoal. Usamos nossas próprias economias para a criação do projeto, mas entendo perfeitamente que isso não é uma realidade comum. Existem pessoas lá fora dispostas a investir dinheiro na produção de games... Se souber aproveitar isso,  seu sonho pode se tornar realidade.

Felipe: De início nós tentamos manter outros projetos em paralelo, mas logo descobrimos o monstro que é game dev (rs). Desenvolvimento de jogos é longo, e se você não botar um limite na brincadeira, nunca vai ter fim. Nós tivemos investimento e pudemos continuar o desenvolvimento em tempo integral.

Se tem interesse em seguir a carreira, diria para criar uma demo robusta que chame a atenção, e então busque por investimento lá fora. A demo é sua principal arma de negociação, então foque nele antes de qualquer outra coisa, antes mesmo até  do que um documento de design! É possível, pois nós conseguimos.

GB: Qual parte foi mais difícil em todo o processo de criação? Qual foi mais satisfatória?

Lucas: O mais difícil é o marketing, sem dúvidas. Essa sempre foi a nossa principal desvantagem. Comunicação é uma arte que requer muito tempo, esforço, talento e recurso, e mesmo com tudo isso a seu favor, pode não ser o suficiente. Como indie dev, isso pode ser bastante frustrante. Mas ver a reação das pessoas se divertindo com um sorriso no rosto enquanto joga é uma experiência inigualável.

Felipe: Level Design. Transformar um conceito num nível funcional e divertido requer uma quantidade enorme de trabalho, que muitas vezes, não se tem certeza alguma de que está no caminho certo. É um processo que depende muito do tato dos envolvidos, ao mesmo tempo que vai ajustando conforme feedback. Porém, ter um jogo como Togges feito somente por nós dois é extremamente satisfatório, e nos enche de orgulho.



GB: Togges é publicado pela Thunderful Games. Como se deu essa relação e qual é a importância de uma publisher para o indie dev?

Lucas: Foi com a cara e a coragem, nós entramos em contato com eles, e eles gostaram muito do jogo, simples assim. Além de obviamente o jogo ser a principal peça da parceria, existem outros fatores. Jogos são feitos por pessoas, então a relação entre ambas as partes tem que fluir bem, e é uma das coisas que um publisher mais busca na parceria. Além de outros aspectos como escopo do projeto, nível produção e orçamento realista.

Felipe: Uma publisher é normalmente visto como algo ruim, mas eu diria que é completamente fundamental no cenário atual de desenvolvedores indies. Bom, nós moramos no Brasil, e temos limitações do que conseguimos alcançar, e a Publisher é uma porta para o resto do mundo. Sem eles não iríamos conseguir atingir nossos planos em muitos aspectos.



GB: Como vocês vêem a indústria de games no Brasil nos últimos anos e quais são as suas perspectivas para o futuro desse campo no nosso país?

Lucas: A indústria brasileira vem crescendo e está se tornando cada vez mais comum jogos de sucesso. Games como Horizon Chase, Blazing Chrome e Fobia estão aí pra provar. A posição sócio-econômica do Brasil perante o mundo pode ser uma vantagem se souber aproveitá-la. No fim, jogadores desejam apenas um bom jogo, e nesse sentido não tenho dúvidas que se expandirá cada vez mais.

Felipe: Acredito que é um caminho longo, e sem atalhos. Aos poucos a área vai expandindo e criando uma identidade nacional. Com recursos certos e podendo desenvolver livremente sem maiores empecilhos, veremos ainda mais casos de sucesso, sem dúvidas nenhuma. Game Dev é a arte de saber usar suas armas a seu favor, e não o contrário. Sabendo juntar o útil com o agradável, iremos longe.

Agradecemos pela entrevista e espero que tenham gostado de saber um pouco por trás do desenvolvimento de Togges. Uma das vantagens de ser indie dev é a honestidade e ter contato direto com os consumidores, sintam-se a vontade de entrar em contato conosco em um dos nossos canais:
Veja também o blog do Rei Presidente dos Togges, em inglês e o evento Hubworld 2021 no vídeo abaixo.


Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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