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Análise: Togges (Multi): empilhe cubinhos neste 3D platformer brasileiro, único e brilhante

O Regular Studio mostrou que há maneiras inteligentes de reinventar o básico.

Em Togges, você é… vocẽ mesmo, o jogador, que foi admitido como estagiário do Rei Presidente em seus planos de dominar o universo (para salvá-lo, logicamente). O enredo em si é simples e nos leva a diferentes locais no espaço sideral para conseguir aliados e tentar entender porque os Voids estão invadindo e o que eles pretendem.


O principal da narrativa está nos personagens excêntricos que conhecemos e nos diálogos que travamos com eles, começando pelo próprio Rei Presidente, seus tios trigêmeos e até o Lorde das Portas, um tamanduá ex-vilão paranoico que carrega as portas mágicas que usamos para acessar as fases de bônus.
 


Até o fim do mundo, que é o começo de todas as coisas

Togges tem bem mais texto do que é costume para um platformer 3D, mas são divertidos e dão personalidade ao jogo com seu tom de ironia ingênua, sem cair na acidez. Para quem não quer ler, basta segurar um botão para pular os textos e partir para a exploração.

Para alcançar os objetivos de conquista, o jogador-estagiário é incumbido da tarefa de ajudar os simpáticos e cúbicos togges a encontrar suas comidas favoritas, as frutas e, assim, poder expandir sua área de ação e poder seguir até a Muralha do Fim, que mantém o Universo Conhecido a salvo dos perigos do Desconhecido, de onde vêm os Voids.


Você encontrará pelo caminho caju, pitanga e… foi assim que desconfiei que esse jogo é brasileiro. A sátira dos tios trigêmeos ranzinzas que falam com maneirismos de Portugal também contribuiu para a suspeita. Há referências a várias frutas da nossa terra (tem até jabuticaba e açaí, mas cadê o cupuaçu?) e também coisas como bandeirinhas de São João, pipas e arquitetura de casa de sítio.

Togges foi produzido ao longo de cinco anos por Lucas e Felipe Bonatti, dois irmãos do interior de São Paulo que compõem o Regular Studio. Entrei em contato com eles e fizeram a gentileza de conceder uma entrevista, que será publicada daqui a dois dias (8).

Onde eu estava mesmo?

Ah, sim: você controla Toomba, um dispositivo vivo capaz de espalhar e recolher os togges, contanto que um esteja em contato com outro de mesma cor, formando uma longa linha de cubinhos conectados.
Esse é um dos pontos que diferenciam esse game de seus primos do gênero plataforma 3D: para atingir seus objetivos, em vez de correr, você fará uma trilha de blocos. Em vez de pular, vai empilhar togges para alcançar lugares mais altos.

Se isso parece tornar o movimento mais trabalhoso, não se preocupe, há uma compensação: manobrando o Toomba que espalha as criaturinhas, seu movimento é ágil, preciso, tem um enorme pulo duplo, sobe automaticamente para o topo de superfícies verticais e é  invulnerável, sem game over. Pode passar pela água e pela lava, pelos espinhos e Voids. Pode cair no abismo e voltar no mesmo instante. Desprovido de conceito de vida e morte, Toomba é livre.



Se isso parece tornar tudo fácil demais, não se preocupe, essas duas formas de se movimentar se complementam perfeitamente. Como Toomba, você pode explorar como quiser, procurando objetivos e segredos, mas, fora algumas interações, apenas os togges podem coletar e atuar sobre os elementos do cenário. Isso significa que você chegará rapidamente a praticamente qualquer lugar, mas então terá que descobrir uma maneira de conduzir seus togges até ali para coletar o que encontrar.

Uma pilha de criatividade

Essa dinâmica entre o Toomba e os togges envolve planejamento e estratégia, como um puzzle. Vocẽ começa com 1.000 togges para espalhar e há seis cores diferentes deles, cada uma com suas particularidades. O vermelho pode empilhar até uma altura de cinco cubos e não é destruído pelo fogo; o amarelo empilha até sete e conduz eletricidade, mas custa o dobro, e por aí vai.



É nisso que Togges brilha: dá as ferramentas e os problemas e te deixa à vontade para buscar a solução. O tutorial é um tanto longo e, no começo, pode parecer que há muito a ser aprendido, mas tudo é muito intuitivo e logo percebe-se como o que se tem à disposição é simples e funciona de forma orgânica ao mundo.

A maior parte das mecânicas empregadas pelo jogador surgem logo nas primeiras horas, sem deixar habilidades para serem obtidas no final. As novidades que mantêm a jogabilidade fresca estão no excelente e versátil design de níveis, seja acionando botões, ateando fogo à palha, levando eletricidade a um dispositivo, esmagando coisas com seu peso acumulado, espantando animais, arrastando chaves, coletando cadeados, manobrando sobre projéteis explosivos, destruindo lasers, descobrindo uma nova forma de escalar, etc.



Há ainda power-ups de bumerangues, shurikens, nuvens, bomba, radar de frutas e sementes… enfim, uma porção de mecânicas criativas e intuitivas que aprofundam a sensação de liberdade, a interação exploradora e o prazer da descoberta. 

O espaço sideral

São sete mundos para explorar e quase todos têm 50 frutas e 200 sementes para coletar, além das seis letras T-O-G-G-E-S. As frutas, uma vez devoradas, tornam-se um Togge Estrela fixo, do qual você pode começar uma trilha de cubos de qualquer cor, o que funciona como um “checkpoint” para retomar sua exploração ao voltar àquele mundo, sem ter que sempre recomeçar a trilha do ponto inicial. Quanto mais frutas encontrar, mais eficiente se tornará seu raio de ação.

Para falar dos mundos, vou recorrer à comparação com outros títulos do gênero. Pense em fases gigantescas como em Super Mario Odyssey (Switch), mas com uma atenção aos detalhes, ângulos e segredos como em Captain Toad: Treasure Tracker (Multi), tudo isso com a ambientação espacial de mundos flutuantes de Super Mario Galaxy (Wii/Switch), mas sem nada disso parecer derivativo.

Além de sua própria lógica singular, o mundo de Togges é dotado de personalidade. Tem o mundo da cidade com palácio, mas é feita de bolo de cenoura e tem canais de calda de chocolate e é cercada pelo deserto de farinha. Tem o mundo da árvore gigante, mas com ornamentos japoneses e repleto de bambuzais, neve e sushi de um peixe-gato cujo corpo atravessa todo o lugar.



Tem o mundo de fantasia medieval, mas é uma lua crescente povoada por preguiçosos dragões construtores de luas, que dormem enquanto coelhos piratas espaciais aproveitam para pilhar tesouros. O centro é uma grande área horizontal com torres e casas de pedra, enquanto as pontas da lua se inclinam para o alto em um design de nível com muita verticalidade; as laterais têm anexos que funcionam como fases menores. É tudo muito variado e organizado, registrando as estatísticas de coletáveis por setor para o jogador acompanhar seu nível de completude.

As proporções desses mundos são enormes e sempre há muito a encontrar, sem grandes vazios. O campo de visão mantém a coesão dos elementos em tela, mesmo os distantes. Isto é, quando um jogo precisa mostrar áreas muito grandes, é comum que recorra a uma redução da qualidade de texturas e geometria dos elementos distantes para manter a performance. Nos piores casos, o elemento só é renderizado e aparece de repente quando você se aproxima, o incômodo pop-in.



Não é o caso de Togges, que usa outra abordagem: diminui o campo de profundidade, desfocando o cenário até seus componentes mais longínquos parecerem pontos luminosos. O efeito de desfoque não é sutil, mas é gradual e permite que mais coisas sejam mantidas na tela ao invés de sumir, como as centenas de togges que você espalhou por aí e os numerosos coletáveis, que ainda podem ser vistos a grandes distâncias e continuarão lá até que você resolva recolhê-los ou saia daquele mundo.

Para testar isso, fiz as três trilhas de togges vermelhos, amarelos e azuis para ver até que ponto eles ainda são vísíveis, como pode conferir na imagem abaixo. É um grande alcance de visão.



A taxa de quadros por segundo também é perceptivelmente reduzida nos objetos móveis distantes, mas ainda com certa consistência, de forma que, junto com o desfoque, considerei que esse custo-benefício representou mais uma solução aceitável do que um prejuízo técnico.

E os defeitos, onde estão?

Eu listei três falhas para apresentar, mas uma atualização pré-lançamento já corrigiu duas delas devidamente, inclusive um bug que anulava uma mecânica específica e me impediu de coletar algumas frutas e sementes de uma região. A falha que ainda permanece, creio eu, são os erros na ortografia da língua portuguesa, sendo um deles recorrente.

Em questão de qualidade de vida, só senti falta de uma coisa: um mapa simples, apenas para me orientar mais facilmente nos mundos mais vastos, colocar marcadores e acessar facilmente as estatísticas de cada setor do mundo; o jogo só mostra as daquele em que você está.



A conquista do universo

Cheguei ao final de Togges em 21 horas, após ter completado 49% (continuei jogando e agora estou nos 75% em 32 horas). Há muito, mas muito ainda a fazer no jogo e, de quebra, se conseguir fechar o total, haverá uma fase extra.

O que sei é que Togges me surpreendeu ao trazer uma forma totalmente nova de abordar um gênero antigo, sem ficar na emulação da nostalgia. A novidade é aliada ao design de níveis amplo, à exploração repleta de segredos para descobrir e ao carisma do pacote como um todo. Ainda pretendo completar esse “empilhaforma” 3D inventivo e divertido que se tornou um dos meus favoritos.

Prós

  • Maneira inovadora de conduzir um gênero antigo;
  • O design de níveis variado, gigantesco e denso incentiva a exploração
  • e recompensa a curiosidade;
  • Estrutura aberta para solução de problemas a partir das ideias do jogador;
  • Charme, bom humor e simpatia;
  • Textos em português brasileiro.

Contras

  • Erros de ortografia.
  • Um mapa não é imprescindível, mas seria bem-vindo.
Togges - PS4/PS5/PS/XBO/XSX/Switch - Nota: 9.5
Versão analisada: PS5
Análise realizada com cópia digital cedida pela Thunderful
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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