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Análise: Darkest Dungeon (PC) é tensão e estresse em forma de RPG

Mecânicas interessantes e alto desafio permeiam a aventura que se passa em calabouços sombrios e repletos de perigos.

Lembro-me até hoje do momento em que conheci Darkest Dungeon por meio de um trailer. O vídeo mostrava o novo RPG para PC, que tinha uma premissa muito interessante: os heróis eram suscetíveis a estresse e mudavam drasticamente durante a aventura. O título, que foi financiado por meio do Kickstarter e também será lançado para PlayStation 4 e PS Vita, passou quase um ano inteiro no programa de Acesso Antecipado do Steam antes de ter sua versão final lançada, e pude acompanhar de perto todas as atualizações. O resultado de tanto empenho é um jogo sombrio, difícil e intenso, capaz de evocar inúmeras sensações.

Uma herança maldita

Terror, loucura e estresse são os temas centrais de Darkest Dungeon. A trama é simples: o jogador assume o papel de um herdeiro de uma propriedade decadente, corrompida por algum tipo de mal ancestral. O objetivo é descobrir e acabar com a origem do problema, ao mesmo tempo em que se restaura a vila. Para isso, é necessário contratar heróis que vão explorar os vários calabouços do local.


A narrativa é fragmentada e tem vários focos. Um deles é o narrador, supostamente o proprietário do lugar, e, por meio de seus diálogos e comentários, entendemos um pouco o que aconteceu na propriedade. Além disso, durante as missões é possível encontrar anotações dos heróis anteriores, que enriquecem um pouco o universo do jogo. Contudo, nada é explicado completamente, fazendo com que muitas coisas precisem ser deduzidas pelo jogador. A ambientação e a temática são claramente inspiradas nas obras de H.P. Lovecraft: os monstros são bizarros, a loucura está em todo canto e, pouco a pouco, os personagens vão perdendo a sanidade. É possível ver outras referências, como criaturas que lembram Cthulhu.

Mundo sombrio

A direção de arte contribui muito na construção da ambientação: tudo é bem sombrio e surreal, e os calabouços dão realmente uma sensação de angústia e tensão. O jogo utiliza gráficos 2D estilizados que lembram quadrinhos desenhados com tinta nanquim — o resultado é incrível. Além disso, o design dos heróis e monstros sai do lugar comum e o jogo apresenta elementos bem interessantes, como uma classe baseada em médicos da peste do século XVII, um leproso espadachim e uma freira guerreira.

A música segue a mesma direção e complementa muito bem a experiência. As composições exploram sentimentos como melancolia, desolação e tensão. Destaque especial para os temas de batalha, que mudam de acordo com a luminosidade dos calabouços: quanto mais escura a sala, mais elaborada será a música. O jogo conta também com ótima narração, que é feita de acordo com os acontecimentos na aventura. E os jogadores brasileiros não terão problema para entender os diálogos: todo o texto do jogo foi localizado para o português do Brasil.

Explorando calabouços

Darkest Dungeon se denomina RPG, mas ele também apresenta características de roguelikes e dungeon crawlers. O objetivo é sempre explorar calabouços com um grupo de quatro heróis em busca de tesouros e dinheiro, utilizados depois para restaurar a vila, comprar itens e melhorar o equipamento dos personagens. Durante as missões, o grupo explora várias salas interconectadas, que apresentam mapas gerados aleatoriamente. Infelizmente, a variedade de missões é bem pequena, causando a sensação de que são todas iguais; depois de algumas horas, tudo pode parecer um tanto repetitivo. O jogo ao menos tenta compensar isso com algumas características como manutenção de inventário de tamanho reduzido e um sistema de iluminação — quanto menor a luz da tocha, maiores são os perigos e as recompensas.


O combate é por turnos e a posição dos personagens determina que tipo de ataques eles podem executar. O ritmo dos embates é rápido e tudo é visualmente atraente — a câmera se inclina e se aproxima, deixando a ação bem dramática. A variedade de estratégias é grande, pois estão disponíveis 14 classes, cada qual com habilidades únicas. O jogo te incentiva a sempre experimentar combinações diferentes, e gostei muito de tentar coisas novas de acordo com cada situação.

Dominar as habilidades dos personagens e entender como montar estratégias é essencial para sobreviver. O motivo disso é que a dificuldade é alta, e os oponentes podem acabar rapidamente com um grupo — perdi a conta das vezes nas quais os monstros fizeram ataques críticos devastadores que bagunçaram completamente minha estratégia. Para deixar as coisas ainda mais complicadas, os heróis morrem permanentemente.


As recompensas das missões ajudam a amenizar a morte dos personagens e traz a sensação de leve progressão. Com o dinheiro e heranças coletados, é possível melhorar as instalações da vila, que oferecem serviços para diminuir o estresse dos personagens ou melhorar suas habilidades.

Aventura estressante

O que diferencia Darkest Dungeon de outros vários jogos do gênero é o sistema de estresse e traços de personalidade. Conforme exploram os labirintos, os heróis vão ficando cada vez mais estressados, sendo que praticamente tudo aumenta a tensão: levar golpes críticos, cair em uma armadilha, ouvir um comentário negativo de um companheiro. Durante as incursões, eles também adquirem traços de personalidade que afetam seus atributos e ações fora e dentro de combate — masoquistas se recusam a receber tratamento médico, cleptomaníacos roubam itens, vesgos têm precisão diminuída. Os calabouços alteram profundamente os heróis.


Quando o estresse chega a um nível crítico, a determinação do personagem é testada e ele pode surtar, o que faz com que receba um traço de personalidade único e extremo até o final daquela missão. É uma situação extremamente complicada, pois o herói costuma fazer o máximo para deixar o grupo ainda mais estressado. Acontece que mesmo depois de surtar, tal herói continua acumulando estresse que, caso alcance o nível crítico novamente, resultará em um ataque cardíaco que o deixará à beira da morte. Sendo assim, administrar o estresse é de extrema importância. Em raros casos, os heróis encontram forças nas adversidades e se tornam virtuosos ao surtar, o que faz com que recebam várias melhorias positivas — mas é melhor não contar com isso.

Sentindo a tensão na própria pele

Toda vez que me aventuro nos calabouços de Darkest Dungeon eu me sinto muito tenso, como se tudo fosse dar errado ao explorar o próximo corredor — o que é, de longe, a melhor característica do jogo. Isso acontece porque  todos os lugares estão repletos de perigos como armadilhas e monstros, prontos para destruir meus personagens tanto fisicamente quanto mentalmente. É muito comum pensar com cuidado em um grupo para alguma missão, já prevendo os possíveis perigos. Ao adentrar no lugar, venço algumas poucas batalhas e penso “essa vai ser fácil!”, mas normalmente as coisas acabam não sendo como o esperado: os heróis se machucam, ficam estressados e, em alguns casos, morrem. Sair ileso de uma missão é difícil, e a sensação de alívio e vitória é forte.

Também gostei muitíssimo dos sistemas de jogo, em especial o combate e mecânica de estresse. Em uma primeira olhada, parecem que os personagens têm poucos ataques à disposição, mas logo percebi que era necessário montar minhas estratégias levando em conta as forças de todo o grupo: me diverti montando várias estratégias diferentes. Já a questão do estresse é algo único que adiciona ainda mais desafio e variedade ao jogo. Sempre fiquei atento aos níveis de pressão psicológica e características de personalidade dos personagens, já que tudo isso poderia definir minha vitória ou derrota. A combinação de traços de personalidade faz também com que cada herói seja significativamente diferente um do outro.

Repetição e desbalanceamento

Eu me envolvi muito com o jogo e gostei muito da experiência, mas é difícil ignorar seus problemas. Uma reclamação frequente é que a dificuldade é desbalanceada: os heróis erram com facilidade, enquanto os monstros fazem ataques críticos com frequência. De fato isso acontece em alguns vários momentos, mas em boa parte das vezes é possível contornar as perdas com estratégia. Concordo que em alguns momentos o dano e fator sorte parecem pesar demais, o que leva a momentos de frustração. A desenvolvedora está ciente disso e está sempre tentando balancear melhor a dificuldade do jogo.

Outro problema é a pequena variedade de missões. Na teoria existem vários tipos diferentes de tarefas (derrotar todos os inimigos de um calabouço ou mapear uma área, por exemplo), mas na prática é tudo a mesma coisa: explorar salas e corredores. Existem algumas variações, como diferentes inimigos, chefes e perigos, mas a ausência de puzzles e outras situações pode deixar as coisas bem repetitivas — depois de algumas horas, já estava cansado de fazer as mesmas coisas.

Darkest Dungeon também apresenta o temível grinding, ou seja, o ato de fazer coisas repetidas vezes. O combate é muito divertido e a tensão constante traz uma ótima sensação, mas algumas escolhas de design te obrigam a ter heróis em certos níveis para poder avançar na jornada — o último calabouço, por exemplo, exige personagens no nível máximo. Sendo assim, em alguns momentos, é necessário grinding para melhorar os personagens. Essa tarefa pode ser cansativa, se você levar em conta a pequena variedade de missões. É especialmente frustrante quando um guerreiro morre: todas as horas gastas o treinando são jogadas no lixo, já que nada dele é reaproveitado. A sensação que eu tive é que tudo isso é uma maneira artificial de estender a aventura.

Jornada tensa, mas recompensadora

Darkest Dungeon cumpre sua proposta de trazer um RPG com forte atmosfera de tensão. A diversão está justamente em tentar sobreviver aos horrores e dificuldades, tentando superar tudo da melhor maneira possível. As mecânicas, que apresentam um misto de novo e clássico, funcionam muito bem. A ambientação é complementada com um ótimo visual e música. Alguns problemas que podem atrapalhar a experiência, mas são facilmente contornáveis. Darkest Dungeon é para aqueles que procuram um RPG inusitado, intenso e com alto desafio.

Prós

  • Perfeita atmosfera de tensão e perigo;
  • Combate divertido e repleto de possibilidades;
  • Sistema de estresse e personalidade interessantes e únicos;
  • Dificuldade intensa, mas na medida certa;
  • Excelente visual;
  • Ótima trilha sonora.

Contras

  • Pouca variedade de missões;
  • Necessidade de grinding pode deixar a experiência cansativa;
  • Balanceamento de dano pode ser frustrante em alguns momentos.
Darkest Dungeon — PC — Nota: 9.0
Revisão: Bruno Alves

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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