Analógico

Rindo se castigam os costumes: o humor nos games

Ridendo Castigat Moris (rindo se castigam os costumes) foi o princípio adotado pelo dramaturgo português Gil Vicente em suas peças, como ... (por Pedro Vicente em 05/05/2013, via GameBlast)

Ridendo Castigat Moris (rindo se castigam os costumes) foi o princípio adotado pelo dramaturgo português Gil Vicente em suas peças, como em o "Auto da Barca do Inferno" na qual satiriza os vários tipos sociais de sua época. De lá pra cá uma série de tipos de humor se desenvolveram, da sátira ao sitcom, da charge ao stand-up comedy, do corporal aos memes. O humor também se desenvolveu nos videogames, tanto através de uma linguagem aproximada aos padrões dos blockbusters do cinema, assim como em outros tipos diferentes de texto humorístico, tanto na própria narrativa quanto na arte gráfica e sonora do game. E, assim como no teatro vicentino, os jogos também são capazes de castigar os costumes sociais de nossa época através do humor.

O que diabos é humor?

Assim como qualquer outro tipo de categoria da cognição e da emoção humana é muito difícil classificar o que é humor. Os gregos antigos (sempre eles) chamavam seu estado de espírito de "humores", daí podemos dizer que alguém está com bom ou mau humor. A palavra como conhecemos hoje está para além da simples ação que causa o riso, sendo um conceito importante para desvendar culturas e sociedades através da história. Do que se ri? Qual grupo ri de qual grupo? 

Existem uma série de teorias sobre o humor e a partir de diversas áreas do conhecimento, como psicologia, linguística, sociologia, etc, podemos encontrar diferentes abordagens e perspectivas. No entanto, cabe ressaltar que o humor, assim como outros aspectos da vida, não estão descolados da cultura e da forma de organização da sociedade, desta forma, rir de uma coisa e não de outra explicita algumas relações sociais, da mesma forma que o faz se criticamos quem oprime ou se rimos de quem é oprimido.

Mais do que tentar definir uma conceituação do que é humor (o que não tenho, inclusive, formação para fazer) a ideia aqui é tentar desvendar de que forma o humor está presente nos jogos e na cultura gamer em geral.

O humor presente nos cenários e estágios dos jogos

Nos jogos, os próprios cenários e ambientações podem ter um aspecto humorístico. Desde os jogos de side-scrolling das eras dos 8 e 16 bits podemos identificar a criação de cenários bem humorados e cheios de elementos visuais que, se não fazem o jogador rir, conseguem criar uma sensação de alívio e descontração. Street Fighter 2 é um exemplo da quantidade de elementos geradores de humor presentes no cenário, não deixa de ser, porém, uma representação de culturas estereotipada e até desrespeitosa.

O "Brasil" é retratado de maneira prosopopeica e estereotipada, assim como os outros países
Em alguns jogos recentes podemos ver um grande desenvolvimento no uso do cenário. Luigi´s Mansion: Dark Moon é um claro exemplo. Os mapas do jogo são grandes protagonistas, mansões mal assombradas com desafios e quartos engraçados, nas quais se desenvolve um humor simples e leve através do diálogo com as referências culturais que o jogador possui. Outro jogo que utiliza bem o cenário, e a partir de um conceito novo nos jogos, é The Cave, no qual a própria caverna é a narradora da aventura, e uma narradora   assustadoramente engraçada.

O humor corporal e a sitcom

Retomemos o jogo de retorno do Luigi à vida de aspirador de fantasmas. Além da bela utilização dos cenários, outro fator é primordial na criação do humor no jogo: o próprio encanador. Toda a atividade corporal de Luigi (desde a maneira medrosa que se move, até o jeito que espera no elevador) representa uma linguagem humorística singela e sensível, análoga aos filmes do gênio Charles Chaplin, e do grande Buster Keaton (confira abaixo um vídeo que mostra a comédia corporal). A corporalidade de Chaplin em obras como "Tempos Modernos" diz muito sobre a relação do homem com o trabalho no mundo contemporâneo, da mesma forma através do corpo e das expressões de Luigi evidencia-se a relação do enfrentamento do medo, mesmo quando este é grande.


Já as sitcoms, as famosas comédias de situação da televisão norte-americana (Friends, Seinfield, etc.), são um tipo mais recente de humor. Exemplos dessa herança nos videogames são jogos como Sam & Max da Telltale, um game distribuido em episódios e bem focado na parte humorística, sendo inclusive um belo exemplar de jogo que "castiga os costumes". Catherine é outro jogo que funciona de maneira parecida, mas trazendo um humor distinto e até sinistro, mas que nos faz refletir sobre a maneira como conduzimos nossos relacionamentos.

O humor e o horror das situação criadas pelo amor

Uma pitada de Palhaçitos

É comum nos jogos a presença de alguns personagens com veia cômica. Nos JRPGs é quase certeza que no mínimo um dos indivíduos do grupo será um fanfarrão: Jansen (Lost Odyssey) e Irvine (Final Fantasy VIII), por exemplo. Mas não é exclusividade do gênero, é comum também a presença de um sidekick (ajudante) bem humorado, como o Daxter da série Jak and Daxter.

Outros jogos bebem da fonte da comédia. Os jogos do Mario, em especial Super Mario RPG: The Legend of the Seven Stars e Paper Mario: The Thousand Year Door, são um exemplo. Ramon de Souza, redator do GameBlast, apontou o momento em que Bowser Jr revela para o Mario que a princesa Peach e o seu pai, Bowser, tiveram um relacionamento, como um dos momentos mais engraçados da série e dos videogames.

Na série Metal Gear Solid somos brindados com uma série de palhaçadas, talvez para aliviar o pulsante sofrimento dos temas e personagens da série. As conversas pelo Codec são recheadas de referências, e alguns momentos em que Kojima quebra a quarta parede também têm sua dose de humor, como quando o Psycho Mantis tenta bagunçar com o jogador em MGS4, mas leva a pior.

Existem alguns jogos que têm como a sua principal veia o humor, é o caso de Conker´s Bad Fur Day, que conta com cenas do naipe de paródias do filme "Laranja Mecânica" até momentos do humor mais sórdido possível. Outros, como a mísogina série Leisure Suit Larry, fazem piada das relações, do sexo e do mundo da noite.

"Porque todo mundo é tão ofensivo por aqui?"

Adaptações e o diálogo com outras mídias

A partir de um certo estágio do desenvolvimento dos jogos as empresas começaram a investir em roteiros e narrativas mais próximas às do cinema, e assim o próprio uso do humor fica mais próximo aos dos "arrasa-quarteirão" de Hollywood. Tanto Uncharted quanto Gears of War utilizam de uma linguagem próxima para fazer valer o efeito do humor, o que é interessante quando pensamos no peso que cada franquia tem para seus respectivos consoles.

Para além disso, os jogos também contam com adaptações de séries, quadrinhos ou animes engraçados. São jogos como da engraçadíssima animação japonesa One Piece, ou dos famosos seriados americanos Simpsons e Family Guy, este último com um jogo recente que conta com os dubladores do desenho. Outro desenho famoso que tinha um jogo promissor anunciado era South Park, mas o futuro do jogo Stick of Truth é incerto, dada a situação da THQ.

Está para chegar aos consoles o jogo de um dos super-heróis mais engraçadinhos e pimpões, Deadpool. Assim como alguns heróis, e vilões, dos quadrinhos esse personagem tem um enfoque muito grande na parte do humor. Se tratando de HQs, não poderiamos deixar de citar o genio e supersão Joker (Coringa) que a cada aparição pode tanto fazer rir como desesperar.

Qual é? Qual foi? Porque que tu tá nessa?

Ovos de páscoa e memes

Uma forma bem utlizada de humor nos games é o que se dá através das Easter Eggs, que nada mais são do que mensagens ou elementos escondidos dentro do jogo. Desde alusões a outros universos como a homenagem de Skyrim à Star Wars, até piadas envolvendo estrelas do cinema na ilha de Vaas (Far Cry 3).

Para fora dos jogos, mas completamente dentro do universo dos jogadores, estão os memes e as formas de humor da internet. Com uma série de sites dedicados apenas a piadas sobre jogos, podemos nos deliciar e rir dos absurdos dos jogos e do próprio jogar.



Os sons da descontração

O alívio e o humor também podem ser passados através das músicas. São temas alegres que guiam os sentimentos e reações do jogador para um caminho descontraído.


Temos, até, jogos musicais. Um desses é PaRappa the Rapper, um jogo sensacional do PlayStation One, repleto de humor em suas malucas canções e personagens.

Castigando os costumes

Por fim, mas não menos importantes (muito pelo contrário), estão jogos que exemplificam muito bem a ideia do teatro de Gil Vicente. Nesse quesito duas produtoras, com momentos muito distintos, são as principais: Rockstar, indo muito bem e preparando o lançamento do esperadíssimo GTA V, e a LucasArts, fechada pela nefasta megacorporação Disney (LucasArts, nos nossos corações você jamais morrerá !). 

A Rockstar vêm colocando um humor ácido e crítico em seus jogos. As conversas, missões e narrativa como um todo contém uma boa dose de reflexão crítica e humorística sobre nossa sociedade. Não é só nos próprios diálogos e situações que esse humor acontece, mas também em momentos extremamente ímpares, como nos programas de rádio dos jogos da série GTA. Tais programas satirizam uma série de costumes, como a loucura dos americanos por reality shows, a questão da violência, e até da relação com as drogas. Outros jogos da produtora como Bully e Red Dead Redemption mantém essa característica.

Não, eu não quero jogar boliche
No lado da já saudosa LucasArts temos uma série de jogos de adventure e Point and Click que são verdadeiros oásis da comédia crítica. Jogos como Full Throttle, Monkey Island e Day of the Tentacle são ótimos exemplos de toda a capacidade humorística da produtora, assim como da sua natureza de refletir a cultura e a sociedade. Ora, em Grim Fandango o mundo de los muertos é completamente burocratizado, além de ter sido transformado em um sujo lugar de enriquecimento e enganações, ao invés do lugar médio entre a vida e o além.

A burocracia chegou até a terra dos "muertos"
Far Cry 3: Blood Dragon é outro exemplo de brincadeira com a cultura. Um jogo cheio de referências e sacanagens com a década de 1980, assim como com a nossa própria época e com o "realismo" nos jogos.

Cada geração traz novas possibilidades para a jogabilidade e narrativa dos jogos, traz também novas chances de utilização do humor. Espero que as desenvolvedoras nos surpreendam cada vez mais com jogos bem humorados, desde os mais leves e singelos tipos de humor, até aqueles capazes de realizar uma crítica dos costumes.
E você, que jogo te fez rir? Que tipo de humor presente nos jogos não apareceram aqui? Quais cenas de comédia nos jogos você não esquece?

Revisão:  Ramon Oliveira de Souza
Capa: Felipe Araujo

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google