Uma figura de vital importância para o cinema hollywoodiano é, mesmo que ainda minimizada em relação à figura do diretor, a do produtor. Embora o diretor seja considerado o cabeça criativa de um longa-metragem, durante a maior parte das vezes é a produção, faceta executiva e financeira, que conduz o processo todo. Para se ter uma ideia, os recipientes do prêmio de Melhor Filme no Oscar são justamente os produtores, ainda que nada impeça que o diretor também acumule essa função. The Executive — Movie Industry Tycoon é um jogo que simula a tarefa de gerenciar, por trás das câmeras, um estúdio responsável pela produção dos longas-metragens cujos temas é você quem vai escolher. Ou quase.
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O título desenvolvido pela Aniki Games é um simulador do estilo Tycoon que se inicia no primeiro mês da década de 1970, período que coincide com o fim da Era Dourada do Cinema e com o surgimento de um movimento conhecido como Nova Hollywood. Esse movimento foi marcado pelo declínio de um modelo específico de produção dominado por um grupo de estúdios conhecido como Big Five, formado pela MGM, Warner Brothers, Paramount Pictures, 20th Century Fox e a RKO Radio Pictures.
Durante muito tempo, toda a indústria Hollywoodiana foi basicamente monopolizada por esses cinco conglomerados, mas com o colapso desse sistema as empresas menores, influenciadas pela vanguarda europeia, conseguiram encontrar espaço para crescimento. Esse contexto é importante para entender um pouco da proposta de The Executive, que coloca o jogador como fundador e primeiro funcionário de um pequeno estúdio de produção caseiro e iniciando com recursos bem limitados.
Logo de início, a primeira escolha a ser feita tem a ver com a origem da condição financeira, visto que a verba disponível para começar, bem como a sua origem, vai condizer com a dificuldade escolhida para a campanha. Isso determina se o estúdio foi aberto com apoio familiar ou mediante um empréstimo que deverá ser quitado ao longo de um período específico.
Com o primeiro escritório estruturado, o primeiro projeto já pode entrar em produção. O jogador tem liberdade para criar o título que quiser e definir o gênero, o tema e outros elementos, como diretor e ator principal. Esses profissionais são escolhidos a partir de uma extensa lista de nomes parodiados, cada um com atributos próprios que indicam em quais aspectos do filme sua presença exerce influência. Esse prestígio também está ligado a outras particularidades da produção, como o salário exigido ou a participação nos lucros.
Em seguida, o jogador precisa definir como o orçamento e os esforços da equipe serão distribuídos entre os diferentes aspectos do filme: cenários, efeitos especiais, roteiro e demais elementos de pós-produção que influenciarão seu desempenho nas bilheterias, na crítica ou em determinados nichos de público. Todo o processo de escrita, filmagem e pós-produção oferece variáveis ajustáveis, o que permite calibrar a produção de acordo com o resultado desejado.
Na última etapa, é necessário determinar o método de distribuição. No início, apenas o lançamento terceirizado e local estão desbloqueados. A partir daí, o jogo inicia a busca por uma distribuidora e apresenta, quando encontra opções, diferentes propostas para o jogador avaliar — desde porcentagens de lucro até a definição da janela de lançamento.
Quando chega a data de estreia, o filme registra seu valor de bilheteria e um veredicto da crítica especializada, cuja avaliação pode influenciar o desempenho posterior, incluindo as mecânicas de distribuição em home vídeo. Dependendo do resultado, a obra também pode se tornar elegível a premiações, o que contribui para valorizar o catálogo do estúdio.
Com o tempo, opções são desbloqueadas por meio de pontos de pesquisa, trazendo recursos adicionais de pós-produção, temas inéditos e métodos de distribuição, além da capacidade de desenvolver continuações e spin-offs de uma IP, entre outras possibilidades. Gradualmente, também se torna viável contratar funcionários e produtores capazes de tocar seus próprios projetos, reduzindo a dependência do envolvimento direto do jogador e automatizando parte das tarefas.
Além disso, o jogo oferece um sistema de pesquisa e análise que aponta os motivos pelos quais um filme teve sucesso, além de indicar tendências de mercado. Relatórios com essas informações podem ser encomendados para ajudar a otimizar as variáveis durante a criação de um longa-metragem.
A partir daí, The Executive se resume essencialmente ao processo já descrito de criação e análise de desempenho, caindo de cabeça em um ciclo contínuo e repetitivo. No início, é divertido criar paródias ou tentar montar o nosso filme ideal, dentro das opções disponíveis. Porém, nas tentativas seguintes, esse entusiasmo se dissipa rapidamente e o jogador acaba executando as mesmas tarefas de forma mecânica, sem realmente se envolver com o que está produzindo.
A nível teórico, o jogo cumpre um papel didático interessante ao apresentar noções básicas de cinema, como a diferença entre gênero e tema, além de explicar de maneira clara os distintos modelos de distribuição e seu funcionamento. O problema é que a jogabilidade permanece presa a essa mesma dinâmica do início ao fim.
Pouco adianta desbloquear novos métodos de distribuição, expandir propriedades intelectuais, aumentar o tamanho do escritório ou contratar mais funcionários se o ciclo permanece centrado, essencialmente, na criação e combinação de variáveis para tentar alcançar — ou não — um sucesso.
A árvore de recursos até cresce conforme o estúdio evolui, o que permite, por exemplo, estender uma franquia à exaustão para continuar explorando antigos sucessos, mas isso pouco altera a sensação geral, já que o impacto dessas escolhas raramente se traduz em algo significativo dentro da produção. Dessa mesma forma é que a vasta oferta de gêneros, temas, diretores e atores não se sustenta quando todos esses elementos funcionam apenas como pequenas variações em uma lista enorme, enquanto as decisões realmente determinantes continuam restritas aos filtros de popularidade e rentabilidade.
Em essência, tudo retorna a esses números, às tabelas nas quais eles estão representados e ao ciclo de jogabilidade que força a barra na boa vontade antes que o jogador perceba a armadilha de gameplay à qual ele está preso. O resultado é uma atividade repetitiva dentro de um loop lento e pouco estimulante.
O processo de iniciar uma produção, que é apresentado logo no tutorial, permanece exatamente o mesmo nos estágios avançados — apenas ampliado por orçamentos maiores e algumas opções extras que, na prática, funcionam como mais uma tag inserida no meio de tantas outras. Parecem ser desconsideradas as peculiaridades individuais de cada escopo e escala de produção.
Por que não transformar o ego dos artistas em uma variável real dentro do processo? Ou incluir um sistema de mensagens no qual diretores, atores e funcionários expressam descontentamentos, disputam controle criativo ou manifestam exigências problemáticas? Até simuladores de futebol, como FIFA ou eFootball (nem entro no mérito do Football Manager, porque aí seria chutar o balde ao mencionar um simulador de tabelas exemplar), implementam mecânicas assim, com atletas pedindo para ser escalados ou expressando suas insatisfações ao longo da temporada.
Os relatórios produzidos pelo departamento de inteligência acabam sendo praticamente inúteis, tanto os que avaliam o desempenho do filme quanto aqueles que analisam tendências de mercado — documentos esses que, em teoria, deveriam orientar o perfil das próximas produções em busca de prêmios e melhor bilheteria. É até possível ter uma noção do que funciona ou não, mas transformar esse processo em um simples checklist faz com que o jogador questione sua própria liberdade criativa.
No fundo, o jogo apresenta uma grande quantidade de variáveis a serem selecionadas, mas poucas delas exercem impacto real na diversidade da experiência. As escolhas, sejam deliberadas ou aleatórias, quase nunca produzem efeitos palpáveis, o que anula qualquer sensação de consequência dentro da jogabilidade.
Por exemplo, quando um filme é lançado, a opinião dos críticos deveria ser um dos critérios para definir seu sucesso, mas as notas atribuídas nem sempre combinam com os comentários que as acompanham. O mesmo acontece com as tendências apontadas pelos analistas: quando aplicadas, elas quase sempre resultam em um desempenho inferior ao de combinações escolhidas sem qualquer embasamento.
Há também um elemento de microgerenciamento dos funcionários, já que alguns possuem personalidades que teoricamente poderiam entrar em conflito com as de outros. Na prática, porém, isso mal afeta o andamento das produções. Não há tensão real. É possível treiná-los para aprimorar seus atributos, mas, mais uma vez, tudo se reduz a um exercício de planilha.
Considerando a apresentação geral do game, as janelas de opções até conseguem trazer um visual minimalista com elementos que remetem ao imaginário cinematográfico, como ingressos, claquetes, holofotes, etc. Ao fundo desses menus, há uma representação visual daquele que é o escritório que supostamente estamos chefiando.
É uma composição visual interessante, sem dúvida. Por isso mesmo fica a pergunta: por que não permitir uma personalização simples desse espaço, tornando a experiência do estúdio um pouco mais pessoal? Claro, isso exigiria trabalho adicional da equipe de desenvolvimento, com a criação e implementação de um novo sistema. Ainda assim, cabe a esse time tomar decisões criativas que pareçam justificadas a nível técnico e criativo e minimizar esse tipo de dúvida.
Similarmente, é inviável analisar um game pelo que ele não é, mas também é impossível ignorar quando ele abre brecha para questionamentos o tempo todo. Por consequência, tais considerações só existem porque é incapaz de imergir o jogador a ponto de fazê-lo acreditar que a experiência entregue vale a pena. The Executive, por sua vez, apenas prende o usuário em um ciclo repetitivo de decisões que pouco trazem desafio ou recompensa.
De um modo geral, o jogo é um amontado de mecânicas simplistas que funciona a nível técnico, embora certos bugs insistam em aparecer em momentos específicos — sobretudo em campanhas mais avançadas, quando o sistema demonstra dificuldade para processar tudo o que ocorre simultaneamente (múltiplos filmes, acordos de distribuição, royalties e outras rotinas). Como resultado, algumas telas deixam de carregar corretamente ou certos ícones simplesmente não podem ser selecionados.
Tal como na vida real — mas, em um filme, é essa realidade toda que eu quero?
Há uma perspectiva em particular quando se analisa The Executive: Movie Industry Tycoon, sobretudo ao considerar o quão burocrática pode ser a função de produtor em um longa-metragem. Apesar de serem figuras influentes e frequentemente responsáveis pelo funcionamento de toda a engrenagem, os produtores nem sempre desfrutam do mesmo glamour reservado aos atores ou aos diretores, tradicionalmente reconhecidos como os grandes artistas e nomes por trás de qualquer revolução criativa.
Se a proposta do game é essa, então qual é a graça de brincar de executivo? O cinema, no imaginário popular, é uma arte de contar histórias, de transportar a audiência a novos mundos e impressioná-las através de um artesanato rebuscado de suas técnicas consolidadas. Por mais que na vida real o trabalho de um produtor se debruce, de fato, em uma lógica de planilhas e números, sua transposição para um jogo não precisava ser tão repetitiva e enfadonha.
É quase o que o Ridley Scott (de Alien e Blade Runner) diz quando questionam a veracidade de seus épicos históricos, como Gladiador, Cruzada ou Napoleão: quem liga se na verdade foi assim que aconteceu? Ele está nessa para contar uma história que seja atraente para seus públicos, princípio que não parece ter sido assimilado durante a produção de The Executive. No título, a parte criativa se esvai.
Se o título é uma crítica à própria indústria cinematográfica e às atribuições de um produtor, trata-se de uma execução pobre dessa alfinetada. Que o jogador fosse, então, elevado à um vilão, permitindo-o a práticas consideradas escusas e associadas a esse arquétipo, como a de sabotar ideias promissoras ou apenas roubá-las de quem não é amparado por um sistema judiciário que se inclina sempre para o lado que tem mais dinheiro. Algo na linha do personagem do Paul Giamatti em O Grande Mentiroso. Fica claro que faltou aos desenvolvedores um estudo mais aprofundado do que o próprio cinema já produziu sobre o tema.
The Executive parece extirpado daquilo que torna o cinema uma arte tão abrangente e popular. É uma paixão que move multidões e que, aqui, foi esterilizada a um projeto superficial de tycoon incapaz de apostar no potencial narrativo de qualquer mitologia que surge dos bastidores de produções conturbadas. Por exemplo, além de ser um filme monumental, a própria filmagem turbulenta de Apocalypse Now é uma narrativa fascinante por si só.
O simulador, entretanto, não demonstra o menor esforço para encapsular essa magia em sua jogabilidade — o que é irônico, considerando que um bom produtor sabe exatamente como transformar esse tipo de narrativa intensa em um recurso a seu favor. Alterando apenas as variáveis temáticas, o jogo poderia servir como base para a concepção de um "Music Industry Tycoon" ou "Game Industry Tycoon" sem mudar absolutamente nada de seu sistema de mecânicas e ciclo de gameplay, o que denota o quão genérico ele é na prática.
Como uma produção direto para streaming (e você já sabe qual deles)
Não adianta você tentar produzir um jogo que explora determinada temática sem, de fato, se esforçar para entender o que a torna tão especial e, por consequência, incutir isso no cerne do seu desenvolvimento. The Executive — Movie Industry Tycoon é um produto que materializa esse problema. Ele não explora a curta (se comparada às outras formas de arte), porém intensa, história do cinema. Pelo contrário, o título se apega a uma lógica estéril de números, algoritmos e volume, tal como uma insossa produção voltada diretamente para o streaming.
Prós
- Potencial didático interessante ao introduzir algumas noções básicas de cinema, bem como um contexto histórico pertinente;
- A liberdade original de criação, que permite escolher gênero, tema, diretor, ator e demais elementos da produção, apresenta um início até que promissor.
Contras
- Gameplay fortemente repetitivo, mantendo o mesmo ciclo do início ao fim, com andamento lento e pouco interessante mesmo em estágios avançados da campanha;
- Decisões se resumem a ajustar variáveis numéricas, o que reduz o envolvimento e a sensação de criatividade;
- Baixo impacto das escolhas, sendo que muitos elementos (gêneros, temas, profissionais, tendências) geram pouca diferença perceptível;
- Relatórios de desempenho e tendências pouco úteis, uma vez que as notas não condizem com comentários e as análises estatísticas não resultam em vantagem prática;
- Falta de profundidade temática ao não explorar mitologias e narrativas próprias do cinema.
The Executive: Movie Industry Tycoon — PC — Nota: 4.5
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo próprio redator


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