Lies of P tem uma história elaborada. Parte dela é contada no formato soulslike, com centenas de fragmentos em diálogos e descrições de itens, mas o principal é apresentado com clareza de forma mais convencional. Os detalhes dão muita vida e profundidade ao enredo e são tão abundantes que precisei de quatro artigos para relatar a história do jogo base. Agora, é a vez da expansão Overture ter sua história contada.
O texto de hoje foca no centro da história, narrando as revelações sobre a Espreitadora Lendária e como Arlecchino, o títere assassino, faz parte de sua história. No artigo seguinte, abordaremos a família de Geppetto, com Camille e Rosaura, e outros personagens que surgem em meio à trama de Overture, como Markiona, Véronique e Lumacchio.
Entendendo toda a história de Lies of P
Uma volta ao passado
Primeiro, relembremos que o Ergo é um minério misterioso de muitas propriedades físicas, usado como fonte de energia e até de transmissão de ondas. Os Alquimistas usaram a forma cristalizada do Ergo em muitas experiências, inclusive com o material produzido no corpo de vítimas da Doença da Petrificação, que condensa a substância. Há muito mais por trás dessa substância: na verdade, ela é uma manifestação da essência vital das pessoas (e animais), incluindo suas memórias, de uma forma que transcende o próprio tempo.
Vimos que Sophia, sendo uma Audiente (Listener), foi capaz de ouvir mentes e se comunicar telepaticamente por meio do Ergo, projetando até mesmo um corpo ilusório para aqueles com quem tem contato. Mais que isso, provavelmente seu maior poder era a capacidade de manejar o Ergo tão intimamente, que poderia manipular o tempo em si.
Manifestando seu Ergo como uma borboleta azul, Sophia foi capaz de encontrar P, o títere de Geppetto, e despertar o Órgão P que lhe serve de coração. Ela queria que P o salvasse e, cada vez que ele morreu na empreitada, fez os ponteiros do relógio retrocederem (na tela de morte isso é visto literalmente) e retornar a um momento anterior do Ergo de P.
Assim, é plausível que, em Overture, P seja invocado ao passado, participando de eventos que ocorreram alguns anos antes de seu despertar. Ele encontrou uma Crisálida Estelar e dela brotou uma borboleta branca que o guiou até um Stargazer desativado e desgastado no Caminho dos Peregrinos, ao lado de três túmulos. A borboleta infundiu Ergo ao Stargazer, renovando-o completamente, e, usando-o como catalizador, levou P de volta no tempo até um momento e um lugar específico: os arredores do zoológico de Krat.
O efeito parece o mesmo do Fragmento da Estrela usado por P usa para invocar o Espectro, que cruza dimensões para atender ao seu desejo — isto é, ajuda para derrotar um grande oponente.
A borboleta azul é Sophia, mas não é declarado quem é a branca. No entanto, há forte indício de que ela seja a Espreitadora Lendária, uma pessoa importante mencionada em poucos momentos de Lies of P. A expansão Overture vem preencher essa lacuna, solucionando quase todos os mistérios que envolvem essa figura.
A Espreitadora Lendária
O nome dela é Lea Florence Monad, filha de Isabella e Valentinus Monad, o líder dos Alquimistas de Krat, sendo, portanto, irmã de Sophia. Ela cresceu no Casarão Rosa, o nome pelo qual passou a ser conhecida a Casa de Caridade Monad, um local onde crianças recebiam educação e eram treinadas como Espreitadoras, Técnicas da Oficina ou Alquimistas.
Em algum momento, Lea rompeu com a família e seguiu o caminho dos Espreitadores, mas, mesmo assim, recebeu a aprovação do pai, ganhando de presente o Sabre da Rosa Monad. A moça ganhou o título de Espreitadora Lendária quando conseguiu derrotar um títere assassino do qual se dizia ter mente humana.
Ele era tão perigoso que, além de ter matado a família Venigni, pais de Lorenzini Venigni, também deixou em seu rastro cadáveres de Espreitadores que morreram na tentativa de detê-lo. Seu nome era Arlecchino e Lea fez tudo o que pôde para destruir seu corpo completamente, embora não tenha sido o suficiente para acabar de vez com o maldito. Voltaremos a ele adiante.
Como Espreitadora, Lea ainda trabalhava para seu pai e, por isso, às vezes retornava ao Casarão Rosa. Dois jovens alunos passaram a insistir para serem seus aprendizes, até que conseguiram convencer a guerreira: eram Romeo e Carlo, filho de Geppetto, o líder da Oficina.
Ela relutou muito em aceitá-los, mas acabou se afeiçoando aos meninos e os tratou como pupilos. Os três ficaram cada vez mais próximos e tinham momentos de tranquilidade e afeto, como quando tocavam música juntos. Mesmo assim, Lea só percebeu que eram como uma família quando se viu arrasada pela morte de Carlo, sentindo-se impotente por não ter estado lá para impedir a desgraça de seu protegido.
Ainda é obscuro como Carlo morreu. Há evidências de que foi pela Doença da Petrificação, talvez contraída quando ele foi convidado pelos Alquimistas a uma apresentação secreta no Covil do Diabo, isto é, a Relíquia de Trismegisto, na qual a Ordem demonstraria suas descobertas. Por outro lado, há referências a um acidente marítimo que matou uma das pessoas da família de Geppetto, provavelmente o próprio Carlo.
À medida que Simon conseguiu poder político dentro da Ordem, Lea entrou em conflito direto com ele e o adversário colocou uma recompensa não oficial pela cabeça dela, fazendo com que Espreitadores de ambas as facções, Varredores e Bastardos, a perseguissem.
Enquanto isso, Romeo desapareceu em uma missão no Zoológico de Krat e Lea ficou desesperada, partindo em seu encalço para resgatá-lo, mesmo que isso custasse sua vida. Acometida pela Doença da Petrificação, ela já não se preocupava muito com sua própria segurança. Apenas Alidoro, também com uma recompensa por sua captura vivo ou morto, permaneceu leal a ela ela e começou a buscar uma cura para a doença da amiga.
Dizem que um desejo tem o poder de superar o tempo. O desejo de Lea era claro: ela queria poder sentir um nascer do sol ao lado de seus queridos. Entrando no campo da especulação, penso que deve ter sido a força do Ergo dela que, sem que tivesse consciência disso, assumiu a forma da borboleta branca e invocou P do futuro, pois ele foi feito a partir da imagem e semelhança de Carlo. Não há pistas de que Lea tenha sido também uma Audiente, mas não podemos excluir essa possibilidade, uma vez que tanto sua irmã quanto sua mãe tinham esse poder.
Assim, P desperta no passado, diretamente nos arredores do zoológico onde Romeo desapareceu. Enquanto Lea seguiu as pistas de Romeo, P descobriu que estava ali para ajudá-la e decidiu seguir seus passos para alcançá-la e lutar ao seu lado.
No final de tudo, após uma vitória árdua, Lea segurou o corpo de Romeo, mutilado, mas ainda vivo. P se juntou a eles e o sol da manhã iluminou os três. Naquele momento, Lea entendeu quem realmente era P e, com seu desejo realizado, o visitante desapareceu em uma nuvem de Ergo, retornando para seu próprio tempo — assim como o Espectro também vai embora a cada vez que cumpre seu propósito de ajudar P a vencer o inimigo. Mas esse não foi o final.
Quando ela ficou sozinha com Romeo no jardim, Geppetto se aproximou. Sem nada dizer, ele abriu a maleta onde guarda o Títere Anônimo. Não vemos a cena, mas é provável que Lea tenha morrido ali mesmo. Já Romeo foi levado pelo pai do seu melhor amigo e teve seu Ergo transferido para um títere feito à sua semelhança, que depois ficou conhecido sob a alcunha de Rei dos Títeres. Seria um teste de Geppetto para seus planos de fazer o mesmo com Carlo? Não sabemos. Só sentimos a amargura do melancólico fim da Espreitadora Lendária e seus aprendizes em meio à neve e ao sangue.
Arlecchino, o Artista Sangrento
O títere assassino que Lea venceu no passado e lhe rendeu o título de Espreitadora Lendária era ninguém menos que Arlecchino. Na tentativa de destruí-lo por completo, ela cravou nove lâminas nele. De alguma forma, porém, o sanguinário “sobreviveu” e foi recolhido pelos Alquimistas, sempre interessados em descobrir os segredos da existência sem medir as consequências de suas ambições. Foi Simon quem deu a ordem de reconstruí-lo e estudá-lo.
Um autômato como Arlecchino, que alcançou a consciência e se considerava humano por ser capaz de odiar, matar e se glorificar na violência, parecia-lhes um objeto de estudo com muito potencial. Tomaram a escolha que lhes parecia óbvia: transferiram seu Ergo para um novo corpo.
Tamanha tolice ambiciosa maravilhou Arlecchino, que foi levado como prisioneiro na frota de navios Archon, tendo conseguido escapar durante um naufrágio e matar todos os guardas da Ordem ao seu redor. Livre pelo mundo, sua atenção se voltou para alguém especial: aquela que o havia vencido.
Para o assassino, seus feitos eram uma forma de arte. Foi isso o que ele havia feito antes com Lorenzini Venigni, por exemplo, quando deixou o menino vivo após matar os pais diante dele. Agora, Arlecchino desejava fazer de Lea sua obra-prima em uma vingança que a destruiria por dentro, a preencheria de ódio e desespero e seria concluída em uma fonte de sangue nos jardins da mansão da família Monad.
Para isso, ele seguiu Romeo até o zoológico e o raptou, mutilou, cortou seus braços e o exibiu pendurado, deixando pistas para que a Espreitadora Lendária o alcançasse e eles tivessem o duelo final. Nem mesmo aquela mente insana poderia prever que sua vingança seria invadida por um desconhecido: P e Lea conseguiram a vitória e encontraram Romeo ainda vivo.
A história do monstro não acabou por aí, uma vez que, de alguma maneira, Arlecchino conseguiu um novo corpo e continuou atacando os Alquimistas. Anos mais tarde, ele foi vencido no Santuário da Trindade da Abadia Arche. Imobilizado ali, o vilão continuou suas “obras de arte” à distância, tornando-se um enganador que se aproveitava do poder de Sophia, presa na mesma Abadia, para transmitir ondas de Ergo para os aparelhos de telefone de Krat.
Foi assim que ele convenceu a aclamada atriz Adelina Corday a se refugiar na Ópera de Krat, que estava dominada pelo Rei dos Títeres, e também foi com esse artifício que fingiu ser o Rei dos Enigmas para se comunicar e influenciar P, o qual via como um títere assassino igual a ele. Ao finalmente ficar cara a cara com o inimigo de todos, P o destruiu definitivamente, retirando o resto de Ergo que havia nele.
(Arlecchino é dublado por Joseph Balderrama, que fez Cody e Dr. Hakim em It Takes Two.)
Continua…
Este foi o eixo da linha narrativa de Lies of P: Overture. Há muito mais a contar, o que merece mais um artigo dedicado a esse trama. No próximo texto, veremos mais sobre o elenco que orbitou em torno dos protagonistas, começando por personagens secundários importantes, como Markiona, Camille e Rosaura, além de alguns coadjuvantes que merecem menção.
Revisão: Ives Boitano