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Análise: Alan Wake 2 (Multi) usa magistralmente as sete belas artes para criar uma experiência única

Uma viagem que não tem medo de ser estranha, provocativa e megalomaníaca.

Após mais de uma década de espera, os fãs da Remedy finalmente tiveram sua aguardada sequência da história de um escritor atormentado por sombras e entidades em uma cidadezinha estranha no interior dos Estados Unidos. Alan Wake 2 narra (ou escreve) os eventos 13 anos depois do jogo original e acompanha o protagonista ao lado da estreante Saga Anderson em um survival horror recheado de surpresas.

Não é um lago



A história dos dois protagonistas é dividida em capítulos: a de Alan é intitulada Initiation, e a de Saga é Return. Depois da introdução, o jogador tem a liberdade de acessar os capítulos de forma não linear, podendo jogar os capítulos de um ou de outro e até mesmo interligando as duas histórias e transitando entre as duas; esta última foi a forma que achei mais interessante.

As campanhas estão interligadas, mas mantêm um certo tom distinto; enquanto a primeira é um clássico horror psicológico com sustos na tela, a segunda é um suspense investigativo no melhor estilo da série True Detective. Saga tem seu Lugar Mental onde encaixa as evidências coletadas e faz perfil de suspeitos; por outro lado, Alan usa o Quadro de Plot para escrever novas cenas e alterar o mundo ao seu redor. 

Na trama, acompanhamos a detetive do FBI Saga Anderson e seu parceiro Alex Casey, que carrega o rosto do diretor Sam Lake e o nome de um dos personagens criados por Wake. Ambos chegam à região de Cauldron Lake para investigar uma série de assassinatos realizados por cultistas. Pelo lado do escritor transtornado, como no final do jogo original, Alan continua preso no Lugar Obscuro e procura uma forma de escrever sua saída, criando a história Initiation, mas ele não é o único naquele lugar tentando sair…

É um oceano



Alan Wake 2 se destaca como um dos projetos mais ambiciosos e megalomaníacos do ano, sendo uma obra que poderia facilmente ser confundida com algo feito por Hideo Kojima. Sam Lake e os desenvolvedores da Remedy não tiveram medo de colocar uma história complexa, não linear, indireta e com sequências completamente absurdas para o gênero, especialmente a do capítulo “Cantamos”.

Seria mais fácil fazer tal qual outros títulos de sucesso do gênero, como Resident Evil 4 Remake (Multi), que tem sua história bem explicada e narrada de forma direta sem muita firula. Entretanto, os devs seguem o caminho que aplica a teoria de McLuhan do meio como mensagem, tornado as sete artes (e mais) um meio criativo para uma mensagem incompleta. Sim, incompleta: os roteiristas entendem que seu público é capaz de juntar as peças e construir a história sem o auxílio de “rodinhas”.




Aqui, cada estilo artístico contribui com a narrativa construída: a arquitetura opressora e sombria de Nova York é o cenário do 'Lugar Obscuro'. Existem diversas esculturas macabras, algumas feitas até com seres humanos, que intensificam o tom de horror do universo. Rabiscos, desenhos e pinturas também servem para apresentar partes da lore e até mesmo são usados em quebra-cabeças. 

A música e a dança desempenham papéis importantes na sequência mais incrível da campanha, no já mencionado capítulo 'Cantamos', com canções originais da banda Poets of The Fall, que encarna a fictícia Old Gods of Asgard. Por fim, a literatura guia as páginas do manuscrito que permeia toda a história, e o cinema é a grande fonte de inspiração estética para toda a experiência, incluindo um curta-metragem de 15 minutos produzido pela Remedy dentro do jogo.

Espiral do horror



Alan Wake 2 não esconde que bebe de diversas fontes da cultura pop para apresentar sua história, mundo e personagens. Desde o primeiro título, já tínhamos figuras como Odin e Tor, os velhos rockeiros, que esbanjavam carisma sem ser apologéticos sobre a origem de seus nomes e conceito; eles são o que são.

A jornada de Saga na misteriosa cidade de Bright Falls tem o dedo de filmes como Seven, Memórias de Um Assassino e da série True Detective — Não somente na estética, na forma, mas também como um potencializador para a trama. Quando Saga encontra uma nova pista que parece resolver o caso, já é esperado como clichê do gênero alguma reviravolta; o texto do jogo entende bem essa expectativa criada e trabalha não para explicar os porquês, mas para mostrar o “como”, pois no fim, o que importa não é o que você conta, mas como conta.

A forma de apresentação do jogo enche os olhos não somente pelo gráfico estonteante da nova geração, mas pela direção geral e de arte também. Durante a gameplay, você se depara com diversos rostos de pessoas reais, sombras, ilusões e visões, que envolvem atores de verdade sendo filmados. Existem sequências inteiras de cutscenes que brincam com a metalinguagem de um filme dentro de um game dentro de um filme, transitando facilmente entre a gameplay e as cenas com atores, que, por sinal, são bem dirigidas, roteirizadas e atuadas.




Até a clássica fotografia do cinema aqui aparece como item que compõe o cenário. Um pôr do sol que pode ser algo lindo, no fim de tarde de Cauldron Lake, pinta as árvores de vermelho, dando um tom violento à cena. A noite cheia de sinais de neon das placas que transmitem o estilo noir do Lugar Obscuro se torna um vulto sem vida quando as luzes se apagam. Cada cenário, iluminação e objeto em cena foi pensado para agregar à experiência.

Na parte da gameplay, o combate ganha focos diferentes entre as histórias: de um lado, mais ação, com inimigos reais; do outro, o oculto toma conta com sombras que podem (ou não) ser inimigos escondidos prontos para atacar da escuridão. As armas e itens são simples, mas ajudam a compor um arsenal modesto que evita com que o gênero saia do horror e caia na ação.

O elefante na sala



Esse é o momento de falar de coisas chatas, como performance, bugs, etc. Inicialmente, os requisitos lançados pela Remedy causaram alvoroço na comunidade por ser absurdos, com uma RTX 3060 com indicada para rodar o jogo no médio e a falta de suporte completo para as placas GTX da série 10 e AMDs da série 5000. Com o lançamento, caíram por terra alguns dos medos. As placas mais antigas ainda servem, mas o desempenho é decepcionante.

Inicialmente eu joguei com uma RX5700, o que me deu gloriosos 28fps na floresta inicial. Fiz o upgrade e continuei a jogar com uma RX7600, ainda com meu Ryzen de quatro núcleos, conseguindo manter os 60fps estáveis em 1440p com o FSR no modo qualidade. Sobre a performance no geral, não acho que seja justo falar que o jogo é “uma bagunça mal-otimizada”. Jedi: Survivor (Multi) e The Last of Us: Part I (Multi) são exemplos mais claros de títulos mal-otimizados, com quedas bruscas de fps e crashs constantes.


Alan Wake 2 tem todos os benefícios e problemas das tecnologias da nova geração. É demandante, e não é de graça, é facilmente um dos jogos mais bonitos da geração, com utilização de traçado de raio até se o ray tracing estiver desligado, como testado pela equipe da Digital Foundry. Quem tem uma boa máquina não terá grandes dores de cabeça com a experiência.

Um dos principais problemas que encontrei na minha jogatina foi a deterioração de desempenho, que ocorre depois de algumas horas de gameplay, que faz o fps cair, te forçando a reiniciar o game, algo que é facilmente corrigido, mas ainda incomoda. A legenda perdendo sincronia com a cena também incomoda, além de alguns bugs ocasionais, mas nada que quebrasse minha experiência; o mais leve deles foi quando Saga atravessou um pedaço de madeira no cenário como se ele não existisse, e o pior foi quando ela simplesmente caiu pra dentro do chão e ficou flutuando no nada, forçando o reload.

Não é um ciclo, é uma espiral



Alan Wake 2 é de longe a experiência mais original que joguei neste ano, me deixando dividido entre ele e Baldur’s Gate 3 (Multi) como o melhor jogo do ano. A forma como a Remedy construiu seu mundo, personagens e história, sem se importar com padrões da indústria ou convenções narrativas do gênero, é de fato louvável. O projeto encontra força em ser uma história dupla de horror e investigação, colocando o jogador para pensar junto com seus protagonistas em uma forma de usar a arte e reescrever um futuro que parece imutável. 

Este é um produto que entende sua condição como objeto artístico, sem a necessidade de se provar para ninguém, respeitando os estilos que forjaram o caminho para os videogames estarem onde estão e empurrando as barreiras contra aqueles que ainda ousam menosprezar essa forma de arte tão abrangente. 

Prós

  • Duas campanhas com narrativas interligadas, contendo tons diferentes que formam uma história poderosa sobre luto, destino e o eterno retorno;
  • Uma ótima mistura de artes e formatos, transitando entre a fotografia, música, cinema, entre outras, para criar uma experiência única;
  • Os visuais de cenários, rostos e iluminação tornam a experiência ainda mais imersiva, possibilitando que as filmagens live action dentro do jogo sejam ainda mais naturais;
  • O gênero do survival horror ganha força com cenários e situações aterrorizantes, tanto na parte visual quanto mecanicamente.

Contras

  • A deterioração de performance é um problema que ainda não foi corrigido;
  • Alguns bugs de física e colisão ainda estão presentes mesmo depois de múltiplos patches;
  • A legenda perde sincronia com a fala diversas vezes durante as cenas.
Alan Wake 2 — PS5/XSX/PC — Nota: 10
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Epic Games

Redator publicitário em tempo integral e amante de games nas horas vagas. Provavelmente aprendi a segurar um controle mais rápido do que uma mamadeira. Cresci com os maiores clássicos da Big N como Zelda, Mario e Pokémon. Hoje aproveito os pequenos momentos de descanso da vida corrida para me perder em Hyrule, em uma Tóquio pós-apocalíptica ou em um mundo de encanadores e cogumelos.
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