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Análise: To Have and to Hold (PC): um spin-off agradável e independente do seu jogo base

Embora referências existam aqui e ali, a mudança de cenário ajuda a visual novel a brilhar separadamente da trama original.


To Have and to Hold
é, sem tirar nem pôr, um spin-off do (também) spin-off All Idleness and Ephemera, mas sua única relação com All Ashes and Illusions é a presença dos personagens. Desta vez, a relação dos primos Yuel e Tavi se passa na Inglaterra do século XXI e, em termos de escrita, ebi-hime foi capaz de trazer um cenário que pode ser aproveitado tanto por aqueles que não conhecem quanto pelos que já acompanham as obras da produtora independente.

Um pouco de vinho e…

Yuel, agora com 28 anos, se vê em uma situação um tanto constrangedora: depois de algumas horas em uma viagem nada agradável apenas para comparecer ao casamento de sua tia, Chione, o rapaz descobre que sua reserva no hotel em que ficaria hospedado não foi feita — embora ele tenha alegado que o pagamento tenha sido confirmado.No meio do bate-boca com a recepcionista, eis que aparece Tavi, primo de Yuel e quatro anos mais velho que ele, com a solução para o problema: os dois dividirão o mesmo quarto durante o fim de semana.

Apesar da relação conturbada entre os primos, Yuel aceita a proposta de Tavi; porém, é durante a festa de Chione que as coisas desandam: cheio de problemas pessoais, o protagonista tem dificuldades para se relacionar com as pessoas, especialmente sua família, e, devido a isso, passa boa parte das festividades isolado dos demais convidados. Eis que Tavi entra novamente em cena e, com uma garrafa de vinho em mãos, induz seu primo a beber.

Conversa vai, conversa vem — e alguns problemas com o tio Rakesh à parte —, Yuel dá indícios de embriaguez e seu primo, já preocupado com o estado de saúde do jovem adulto, decide levá-lo de volta ao hotel. No entanto, graças ao efeito do álcool, o protagonista acaba se abrindo mais do que deveria a Tavi, dando início não apenas a uma sessão de terapia (como diria o mais velho), mas também a troca de carícias entre os dois primos.


Mais uma vez, o foco de ebi-hime com To Have and to Hold é explorar o universo da demografia boys love (BL) de maneira inusitada, usando a relação sexual como pontapé inicial para trabalhar as personalidades e inseguranças dos personagens principais. Entretanto, arrisco dizer que, em termos de aprofundamento interpessoal, a história está muito mais interessante e instigante, trazendo à tona as principais características de Yuel e Tavi.

De todo modo, vale o aviso: temos aqui uma visual novel focada exclusivamente na relação sexual dos envolvidos, o que faz com que a obra não seja voltada a todos os públicos; além disso, a relação incestuosa entre os primos de primeiro grau pode deixar algumas pessoas desconfortáveis.

Uma obra gratuita que não abre mão da qualidade — com direito a Easter eggs

Se, por um lado, alguns estereótipos ainda persistem, sobretudo os papéis de ativo e passivo dentro de um relacionamento gay, por outro, a condução da trama em Hold é ainda mais prazerosa que em Ephemera. Isso se dá pelo fato de ebi-hime ter conseguido explorar melhor o passado dos dois primos. Para minha grata surpresa, a autora decidiu construir Yuel como assumidamente bissexual/gay, contextualizando até mesmo um relacionamento passado do rapaz, sendo que, nos jogos passados, em Al Farar Tavi foi o único homem com quem Yuel teve relações sexuais.

Não sei se isso se dá ao fato de a história se desenrolar em tempos modernos, mas alguns assuntos foram tratados com maior naturalidade, fazendo com que todo o cenário seja bem mais verossímil que aquele trazido tanto em Illusions quanto em Ephemera. Outro ponto do qual realmente gostei foi ver os personagens ganhando um sobrenome — Malek —, algo que era desconhecido nos outros dois títulos.

Além disso, não pude deixar de notar que ebi-hime trouxe uma ambientação de fácil contextualização para pessoas que não jogaram as visual novels supracitadas da autora, mesmo mantendo vários eventos intocados — o próprio casamento de Chione, por exemplo, foi abordado brevemente em Illusions. No entanto, para quem já é fã de carteirinha da escritora, há alguns Easter eggs aqui e ali, incluindo a mais recente história de ebi-hime, With Eyes of Ice.


Trama e agradinhos à parte, para um jogo gratuito, Hold traz uma ótima qualidade dentro das suas aproximadas quatro horas de duração, tanto textual quanto audiovisual. Quero também enfatizar que, dentro do âmbito sexual, ebi-hime conseguiu trazer mais atrevimento, provando que a autora tem tentado melhorar no quesito contação de história, o que mostra uma atenção às críticas por parte da desenvolvedora independente.

Além de uma interface agradável e ferramentas que priorizam a qualidade de vida durante a leitura, como velocidade de texto e leitura automática, Hold conta com uma bonita arte que consegue captar bem os dois primos no cenário inglês da atualidade. Senti um pouco de disparidade entre o retrato dos meninos em relação ao do tio Rakesh, o único personagem que ganha algumas cenas para si, e tive a impressão de ver problemas de anatomia em certas CGs, mas, no geral, podemos considerar a parte visual um grande atrativo desta visual novel.

Infelizmente, não posso dizer o mesmo da trilha sonora, já que as faixas escolhidas não acabam trazendo nenhum valor à narrativa em si. Elas não chegam a ser irritantes ou incômodas, mas certamente não são memoráveis ao ponto de fazer alguma diferença durante a leitura.

Para concluir, a campanha, embora curta, trouxe um melhor equilíbrio entre as cenas de sexo e as demais. Na minha opinião, os acontecimentos estão mais harmônicos entre si, sem que um se sobressaia ao outro, isso sem mencionar a abordagem de outras questões que ajudam a moldar ainda mais a personalidade de Yuel.

Semelhante, mas não igual

Em To Have and to Hold, embora traga novamente Yuel e Tavi como personagens centrais, ebi-hime abriu mão de um Oriente Médio fictício e trouxe os primos para a Inglaterra do século XXI. Essa mudança de cenário permitiu, acima de tudo, explorar melhor a relação entre os dois primos, em especial vários aspectos que moldam a personalidade de Yuel.

Ainda, temos aqui uma visual novel que abraça tanto aqueles que já jogaram All Ashes and Illusions e All Idleness and Ephemera quanto os que estão conhecendo os primos pela primeira vez. Por fim, há melhor equilíbrio entre as passagens sexuais e as demais ao longo da curta duração da campanha, mesmo que, desta vez, a trilha sonora não seja um dos pontos altos.

Prós

  • A contextualização no século XXI ajuda a trabalhar melhor alguns aspectos dos personagens, em especial de Yuel;
  • Para uma obra gratuita, a qualidade textual e gráfica se destaca;
  • Mesmo com alguns estereótipos, o relacionamento gay entre Yuel e Tavi não é fetichizado;
  • Melhoria notável no desenvolvimento das passagens sexuais e na condução da trama como um todo;
  • Leitura agradável tanto para quem já acompanhou as outras obras da autora que servem como base para este spin-off quanto para recém-chegados;
  • Equilíbrio mais harmônico entre as cenas de sexo e as outras porções da trama.

Contras

  • O foco é basicamente a relação sexual entre os protagonistas;
  • O incesto é considerado um tabu na sociedade, então a trama pode não agradar a todos os públicos;
  • A trilha sonora pouco contribui para o jogo em si.
To Have and to Hold — PC — Nota: 8.5
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia gratuita adquirida pela redatora

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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