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Análise: Desta: The Memories Between (Multi) traz partidas táticas de queimada e reflexões em um universo onírico

Explore diferentes universos em um título que não tem medo de tentar fazer algo diferente.


Em Desta: The Memories Between, exploramos sonhos em uma trama sobre ansiedade, relações conturbadas e problemas familiares. No centro desses temas, estão confrontos estratégicos que lembram partidas de queimada, com direito a técnicas especiais e diferentes personagens. Mesmo abordando assuntos sérios, o novo jogo da ustwo games (responsável por Monument Valley e Alba: A Wildlife Adventure) é uma experiência serena, principalmente por causa de sua atmosfera em tons pastéis, trilha sonora suave e mecânicas pouco punitivas. O resultado é uma viagem singular e intimista, por mais que um pouco mais de profundidade faça falta.

Em sonhos complicados

Depois de anos longe do lar e da morte do pai, Desta decide voltar para casa. A situação é delicada, pois a casa da família será vendida, a mãe está ressentida e o relacionamento com os antigos amigos está em pedaços. A ansiedade ataca e, para evitar enfrentar esses problemas, Desta decide dormir. Mas o sono não é tranquilo: no mundo dos sonhos, as pontas soltas dos relacionamentos do passado vêm à tona. Sem outra saída, Desta decide enfrentar esses fantasmas oníricos para, talvez, ter a coragem de resolvê-los no mundo real.


As projeções mentais de Desta, em conjunto com a insegurança, tomam a forma de versões maldosas de seus amigos. Para enfrentá-los, participamos de confrontos estratégicos por turnos cujo objetivo é derrotar todos os oponentes. Para isso, lançamos bolas nos outros participantes, como em um jogo de queimada. Cada bolada tira um ponto de vida, então é necessário fazer vários lançamentos enquanto usamos elementos dos cenários para evitar ataques.

Por se passar no mundo dos sonhos, há um pouco de fantasia: os personagens têm poderes especiais, trazendo diversidade aos embates. Alguns criam barreiras defensivas, outros aumentam o próprio poder ou acertam áreas amplas — lidar com esses detalhes é essencial para conseguir vencer. Conforme avançamos, os amigos de Desta entram para o time, o que expande as possibilidades táticas, pois cada companheiro conta com técnicas e características específicas.


Podemos também customizar as habilidades de Desta, que ganha novas opções durante a jornada. Ser derrotado é pouco punitivo: recebemos a opção de recomeçar a história desde o início com um ponto de vida adicional ou então continuar do último capítulo com um novo poder aleatório. Além disso, as habilidades aprendidas permanentemente podem ser selecionadas livremente em partidas futuras.

Lançando a bola para resolver questões emocionais

Às vezes, aparece aquela vontade de experimentar algo que é o meio termo entre o relaxante e o instigante, e Desta: The Memories Between é exatamente esse tipo de jogo.

O conceito principal de tática por turnos é simples, bastando poucos cliques para andar e atacar. Um detalhe legal é o lançamento da bola: miramos manualmente e, com um pouco de perícia, é possível fazê-la rebater e acertar vários oponentes com uma única jogada. Com o tempo, fui capaz de fazer movimentos complexos, como ricochetear a esfera por paredes e obstáculos para atingir inimigos em posições complicadas.


Os poderes e aliados também oferecem opções táticas. Assim como em um jogo de queimada, podemos passar a bola para um amigo melhor posicionado. Já as habilidades oferecem todo tipo de possibilidades, como criar obstáculos, se teleportar pela arena, roubar a bola de oponentes ou até mesmo ceder pontos de ação para colegas. Particularmente, gostei de experimentar diferentes configurações de times.

É bem aparente que a intenção de Desta é ser um jogo acessível, pois as arenas são de tamanho reduzido. É possível desfazer certos movimentos e há recursos para deixar as partidas mais fáceis. Isso, em conjunto com as opções táticas, cria partidas agradáveis.  A dificuldade é na medida, no entanto, com o tempo, as limitações ficam aparentes: salvo algumas situações, não é necessário muita estratégia ou perícia para superar os desafios. Além disso, muitas das habilidades têm pouco impacto, tanto é que dei preferência para alguns poucos personagens e não tive dificuldades.


Para tentar compensar isso, o jogo tem alguns modos adicionais mais complicados. O Pesadelo é uma versão mais difícil da história com oponentes mais ferozes e menos recuperação de vida. Já o Desafio traz estágios com desafios individuais complexos e interessantes — completá-los libera novos personagens. Essas modalidades não resolvem o problema da simplicidade das mecânicas, mas ajudam a aumentar a sobrevida do título.

As belezas de um universo agridoce

O mundo onírico de Desta: The Memories Between encanta com sua paleta de cores com tons suaves de rosa, laranja, roxo e azul, que pinta representações curiosas de uma cidadezinha do interior. O traço é simples e belo, como é de praxe dos trabalhos da desenvolvedora ustwo Games, e os personagens esbanjam estilo com seus visuais marcantes.

Produzida pelo musicista britânico Mansur Brown, a trilha sonora tem uma pegada meio jazz e soul, evocando serenidade e agitação com composições repletas de acordes de violão, baixo e guitarras. O resultado é um mundo surreal e meditativo muito envolvente.


Para mim, o ponto mais notável do jogo está em seus temas. Durante os sonhos, Desta revive memórias e angústias, e é fácil se envolver com os dramas dos personagens. Além de abordar relações arruinadas, a trama questiona decisões do passado, o resultado de palavras não ditas e os problemas de guardar mágoas. Muitos dos assuntos incomodam, como ansiedade e relações familiares complicadas, mas gostei da abordagem e do tom.

Os personagens são mais profundos do que parecem, o que é evidenciado pelos diálogos bem construídos, e a ótima dublagem ajuda a dar uma carga emocional ainda maior. Um detalhe importante é que Desta é não-binário, e isso é tratado com suavidade e naturalidade. A adaptação para o português é impecável, com algumas gírias e termos bem colocados, e o texto conta com pronomes neutros para referenciar Desta.



Surreal e contemplativo

Desta: The Memories Between usa partidas táticas de queimada para abordar reflexões sobre temas complexos. Os embates são intuitivos e variados, sendo bem divertido fazer jogadas complexas com a bola rebatendo por obstáculos ou oponentes. Habilidades e diferentes aliados oferecem opções táticas, e modos adicionais nos desafiam com estágios mais complexos.

Relações problemáticas, arrependimentos e autorreflexão são alguns dos assuntos discutidos pelo jogo por meio de ótimos personagens e diálogos. Além disso, há um ar meditativo à experiência com o uso de cores suaves e uma trilha sonora leve e envolvente. Porém, como jogo, às vezes a simplicidade das mecânicas incomodam.

Reflexões interessantes e confrontos surreais esperam aqueles que decidirem mergulhar nos sonhos de Desta: The Memories Between. A combinação é longe de perfeita, mas não deixa de ser envolvente.

Prós

  • Jogabilidade simples que mistura estratégia e queimada de forma notável;
  • Boa variedade de poderes e modos para explorar as possibilidades táticas;
  • Ambientação envolvente com gráficos belos e música contagiante;
  • Trama e personagens exploram muitos temas notáveis e importantes.

Contras

  • As mecânicas de queimada se mostram pouco profundas e repetitivas com o passar do tempo;
  • Mesmo com muitas opções, os aspectos estratégicos são meio limitados e pouco explorados.
Desta: The Memories Between — PC/Switch/iOS/Android — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela ustwo games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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