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Análise: Persona 5 Royal (PC) é estiloso, rico em conteúdo e a melhor entrada para a série

O título traz também um grande avanço em level design em relação aos seus antecessores e um importante tema para sua narrativa e simulação estudantis.


Publicado pela SEGA e desenvolvido pela Atlus, sob a direção de Daiki Ito, Persona 5 Royal é uma versão expandida de Persona 5 (PS3/PS4). A versão original foi dirigida e produzida por Katsura Hashino, que desde o terceiro Persona tem sido o principal nome por trás dessa série, bem como o responsável por dar a ela uma certa independência da série Shin Megami Tensei, da qual se originou.


De modo mais geral, a franquia Shin Megami Tensei é uma das maiores e mais tradicionais em JRPG. Em todas as suas ramificações, a série tende a ser lembrada por problemáticas sociais — como em SMT III e em SMT: Devil Survivor — e mecânicas que possibilitam interação, captura e fusão de criaturas de inspiração psicológica e mitológica.

Por sua vez, Persona possui uma gameplay de dungeon crawler simplificada em relação à da série principal SMT e traz uma temática estudantil; desde Persona 3 (PS2) marcada por uma grande dose de simulação social. Suas histórias, ambientadas no Japão moderno, invariavelmente são projetadas em torno de temas sensíveis da fase do colegial; dessa vez, em Persona 5, aborda o controle, a exploração e a pressão dos adultos sobre os jovens.

A pressão e a exploração dos adolescentes na vida adulta moderna

Projetada por Katsura Hashino, a história de Persona 5 se passa em Tokyo, no ano de 20XX (provavelmente 2016). O roteiro funciona de forma linear e principalmente a partir de uma série cronológica de flashbacks desde que o protagonista é capturado pela polícia e passa a ser interrogado por uma série de crimes gravíssimos que ele e seus amigos supostamente teriam cometido naquele ano.

O jogador acompanha um protagonista silencioso, Ren Amamiya (ou outro nome à sua escolha), que passa um ano atípico em sua vida. Na tentativa de defender uma mulher que estava sendo assaltada, ele é responsabilizado por agredir o assaltante, o que resulta em ser expulso de sua escola e em uma condenação de liberdade condicional por um ano.


O garoto é enviado para Tokyo, onde passa a morar no sótão da casa de um amigo de sua família, Sojiro Sakura, bem como frequentar uma escola local, Shujin Academy. Em sua primeira noite na cidade, ele é levado em seus sonhos a um lugar aparentado a uma prisão chamado Velvet Room (Sala de Veludo), um clássico local interdimensional dos jogos da série Persona que se encontra entre a consciência e a subconsciência do protagonista. Nessa sala, o tradicional anfitrião Igor aparece acompanhado de duas subordinadas, Caroline e Justine.

Igor afirma que Amamiya deve passar por um processo de reabilitação para evitar um destino trágico. Para lidar com esse problema, ele lhe concederá acesso ao Metaverso, um mundo que se encontra entre a realidade e os sonhos, e onde poderá influenciar indiretamente na mentalidade das pessoas da cidade. Seu acesso a esse mundo passa a ser intermediado por um estranho aplicativo que aparece subitamente em seu celular.


Em sua primeira visita ao Metaverso, o protagonista ganha o codinome “Joker”, torna-se muito mais forte e ágil, e conhece um misterioso gato falante chamado Morgana, que passará a ser o personagem-guia do jogador. Por meio do curioso felino, Amamiya descobre que naquele mundo é possível mudar o coração de pessoas más roubando-lhes seu Treasure (“Tesouro”), uma fonte emocional para seus comportamentos e desejos. Além do tesouro principal de cada pessoa, há outros que podem ser obtidos.

Esses tesouros estão escondidos em palácios imaginários pessoais, e estão muito bem guardados por Shadows (“Sombras”) que os protegem de possíveis invasores. Essas Sombras são criaturas originadas por pensamentos suprimidos de pessoas incapazes de lidar com eles, ganhando forma física no Metaverso.


Para enfrentá-las, outros estudantes aos poucos vão se juntar a você em um grupo autointitulado The Phantom Thieves (“Os Ladrões Fantasmas”). Cada um da equipe possui algum Persona com poderes elementais e psíquicos (fogo, gelo, trevas, luz, raio etc.). Tal criatura nada mais é que uma Sombra que consiste em uma projeção mental inicialmente indesejada e reprimida, mas que, diferente das outras, é compreendida e aceita pela pessoa que o idealizou, passando a poder ser invocada em combate.

O primeiro palácio é o de Suguru Kamoshida, um treinador de vôlei da escola que tem abusado física e psicologicamente de seus estudantes. Além deste, há vários outros em uma longa história de mais de 100 horas que explora formas de opressão, exploração e pressão social que os adultos exercem sobre os jovens. A extensão e o tipo de estrutura repetitivo torna a experiência um tanto cansativa, mas os mistérios a mantém engajante. O ritmo melhora nos últimos palácios, quando as peças da trama começam a se encaixar e os Phantom Thieves começam a ficar conhecidos pela população.


As questões sociais são trabalhadas no mundo real e no Metaverso, de modo que o jogador possa vivenciá-las tanto diretamente no dia a dia e nos diálogos com outros jovens como indiretamente, de forma metafórica, durante seções de dungeon crawler. A premissa é oportuna no cenário atual do Japão, enquanto uma sociedade rígida e conservadora que deposita grande expectativa sobre seus estudantes e alto controle de suas vidas.

O paralelo entre “prisão” e “escola” também não é fortuito. Ambos são ambientes com um alto nível de controle e disciplina na rotina de quem está submetido a eles; desde Michel Foucault têm sido muito comparados nas áreas de pedagogia, sociologia e filosofia da educação. Enquanto transgressores desse sistema, também não por acaso os protagonistas possuem o papel de “ladrões” no Metaverso.


O fato desses oprimidos no jogo serem jovens também é interessante, porque o conceito de "adolescência" é algo muito recente na história humana e uma categoria particularmente frágil em questões psicológicas e sociais. Adolescentes estão em um meio-termo da vida em que não possuem mais a proteção e o mimo da infância e nem a liberdade e a responsabilidade da vida adulta.

Curiosamente, a abordagem do jogo não apenas protagoniza jovens colegiais, mas também os tem como principal público-alvo. Desse modo, embora o enredo aborde temas sociais sensíveis, a escrita é sempre fácil de acompanhar, além de trazer numerosos clichês e estereótipos colegiais de animes de demografia Shounen.

Acredito que o conceito narrativo seria mais promissor se o jogo se permitisse a ter um tom mais sério e pesado sem deixar de ser juvenil, como em Persona 3 Portable (PSP) ou mesmo Persona 2: Innocent Sin (PS/PSP). Contudo, Hashino optou por um clima mais leve, como o de Persona 4 Golden (PC/Vita), o que não chega a ser ruim, e é coerente com um audiovisual único, vívido e colorido.

Uma gameplay rica e dinâmica que evolui a proposta da série em praticamente tudo

Onde se vê maior evolução em Persona 5 em relação aos seus antecessores é no level design, cujos cenários foram cuidadosamente planejados por Shinji Yamamoto. Diferente das dungeons dos últimos dois títulos numerados da série que eram geradas proceduralmente com base em alguns pedaços de cenário preestabelecidos e tinham apenas portas, corredores e baús, os palácios de P5R são completamente únicos.

As novas dungeons não são tão labirínticas quanto as de P1 e P2, mas possuem um design mais único, cheio de puzzles, obstáculos e interações com objetos para se esconder ou fugir dos guardas do tesouro, caso queira evitar um confronto direto. As Sombras continuam com uma IA extremamente simplória, mas a cenografia compensa a favor da exploração, mesmo que não seja muito desafiadora.


O stealth é importante para o tema narrativo e também para ganhar vantagem ao pegar os inimigos desprevenidos ou se esquivar deles para não aumentar o nível de alerta na área. O alerta faz aparecer mais Sombras de reforço, e progressivamente mais poderosas.

Mas isso não significa que a escolha de level design procedural simples de P3/P4 tenha sido abandonada. Ela ainda existe, mas somente nas dungeons secundárias de uma região subterrânea chamada Mementos, onde podemos explorá-la de forma bem ágil com o Morgana transformado em um carro.


No mundo real, a riqueza de cenários também é incomparável à dos títulos anteriores; há uma grande diversidade de lugares para visitar, como lojas, museu, livrarias, bar, restaurante, farmácia, banho público e cinema. Particularmente interessantes são interações como a de um minigame no clube de beisebol, a possibilidade de ler no metrô, e a experiência de poder comprar games ou alugar filmes para jogar/assistir em casa.

Seguindo a tradição moderna da série desde Persona 3, novamente temos uma jogabilidade dividida por dois tipos de rotinas igualmente importantes. Por um lado, o jogo investe em dinâmica de RPG por turnos em exploração de dungeons, por outro, em simulação social na escola e em alguns locais da cidade.

Trata-se de uma experiência alternada em mundos separados, inclusive com sistemas de atributos distintos. No mundo real, há atributos como inteligência, proficiência e gentileza; no Metaverso, atributos como força e agilidade. Entretanto, esses mundos são ligados por um sistema de Social Links, ou Confidants, como chamado em Persona 5.




O Confidant System é uma forma de aprimorar as Persona que o jogador pode criar à medida que desenvolve suas relações no mundo real com outras pessoas. As escolhas de com quem você deseja investir seu tempo para conversar, sair, estudar, e assim por diante, resultam em aperfeiçoamento de Persona de um determinado tipo. Entre esses tipos: Priestess, Lovers, Temperance, Fortune, Justice e outros; cada qual com pontos fortes e fracos na configuração de seus atributos e poderes elementais e psíquicos.

Como de costume na série SMT, há três formas de conseguir uma Sombra (ou Demon, como também é chamado em outros SMTs). A primeira delas é por captura, persuadindo ou forçando as Sombras que encontra no caminho a se juntarem ao seu time. A segunda, por fusão, utilizando as guilhotinas da Velvet Room para combinar essas criaturas e gerar outras mais fortes. Por fim, comprando-as, o que pode também ser feito na Velvet Room. No caso de P5R, inclusive, é possível adquirir Sombras de outros jogadores online.


Contando com o mesmo planejador de combate de P4, Kenichi Goto, P5 traz todas as convenções de batalha do título anterior, mas com pequenos acréscimos. A dinâmica de turnos é mais uma vez derivada do Press Turn Battle System de Shin Megami Tensei III. Trata-se de um sistema mais dinâmico e complexo, se comparado ao formato de turno tradicional de Dragon Quest ou Pokémon.

Em vez da distribuição dos turnos ser uniforme para as equipes, uma unidade pode ter um turno extra no caso de ter atingido um ponto fraco de seu oponente. Caso todos os inimigos estejam atordoados por terem sido atingidos em seus pontos fracos, é possível pressioná-los para se juntar ao seu time, pedir-lhes dinheiro ou algum item em troca de deixá-los fugir, ou simplesmente executar um poderoso ataque combinado de sua equipe. Vale salientar que também há a possibilidade de Sombras inimigas poderem capturar seus personagens como reféns, exigindo itens ou dinheiro em troca de sua soltura.

Há também outros recursos que tornam o combate de P5 o mais dinâmico da série. É possível passar o turno extra de uma unidade para um aliado, aumentando o ataque do parceiro, e ocasionalmente executar ataques especiais em dupla. Até mesmo o ataque comum é mais versátil; pode-se alternar armas de ataque corpo-a-corpo com armas de fogo (como pistola e metralhadora), as quais possuem uma munição limitada para cada luta.

Jazz fusion e fusões de cores e personalidades

Antes de comentar os aspectos visuais, adianto que nessa versão de PC a única diferença significativa está na performance, sendo possível rodar de forma estável a 4K e 120 fps. Infelizmente não há DLSS, mas o jogo não é tão pesado, portanto não faz tanta falta quanto em jogos maiores que têm recebido versão para PC, como Final Fantasy VII Remake. No mais, há adaptações para outros controles e pode ser facilmente jogado também no teclado.

Com uma excelente direção de arte de Masayoshi Suto, a cidade de Tokyo está significativamente imersiva em termos de liberdade de câmera, detalhamento urbanístico e variação climática. Apenas os NPCs são simplórios em design e animação, de forma aparentada a NEO: The World Ends with You. Mas ainda assim essa estratégia funciona para o estilo de arte desses jogos, aproximando-os da experiência de um mangá.

Onde a direção de arte e a música realmente se destacam e se combinam de forma coerente, extravagante e única é durante as dungeons principais (confira no vídeo abaixo).


Para os palácios, Suto criou um forte contraste com o realismo de Tokyo, trazendo uma arquitetura onírica, temática, estilosa, alta saturação e uma curiosa persistência de cores simples. Às vezes a cenografia chega a quase se limitar às opções do teorema das quatro cores (vermelho, amarelo, azul e verde), não por acaso apresentado em uma das aulas do jogo. Caso a caso essa tática é personalizada com elementos visuais que remetem ao respectivo adulto cujo imaginário deu vida ao palácio.

A inspiração em mangás também é sentida no design de interface, liderado por Daiki Ito. Seu trabalho é talvez o ponto mais alto desse game. Os ícones, caixas de diálogo e letreiros são todos estilizados como um mangá, além de dinâmicos, com elegantes e fluidas transições em batalha e nos menus. Seu design sempre enfatiza as quatro cores do teorema. Especialmente destacado é o uso do vermelho, que é a cor-tema de Persona 5.






character design mais uma vez ficou por conta de Shigenori Soejima. O design dos adultos me agradou particularmente, com uma aparência mais marcante do que de costume, mesmo que pouco presentes nas animações. As cutscenes foram projetadas sobretudo para explicitar a personalidade dos jovens protagonistas, tornando-os mais expressivos e próximos do jogador.

O jogo também conta com um bom elenco de dubladores em inglês e japonês, e está quase completamente com voice acting para a trama principal. Por alguma razão, alguns personagens possuem uma grande variação de estilo de atuação nesses idiomas, como é o caso da voz do personagem Yusuke Kitagawa, mas ambos funcionam, cada qual à sua maneira. A experiência em japonês é mais imersiva nas seções na cidade, mas o inglês é mais cômodo para a compreensão contextual em alguns casos.

Sob os cuidados de Mumon Usuda, o design de eventos cinemáticos é outro dos pontos mais altos, e está muito mais presente em P5R do que nos títulos anteriores da série; pode-se dizer que é uma parte orgânica da narrativa, graças não só à frequência de cutscenes, mas também suas transições. É quase como se a jogatina fosse uma experiência contínua em relação ao ato de assistir um anime.


Por fim, Persona 5 Royal possui uma OST rica e variada com dezenas de faixas em que predomina o jazz fusion. O que mais se ouve é jazz fundido com pop, mas também há outras variações, como jazz com rock e até jazz com samba (Bossa Nova), que pode ser ouvido em um pequeno clube na cidade.

Compostas por Shoji Meguro, as músicas de fundo tendem a ter um andamento de velocidade moderado ou rápido, quase sempre com uma harmonia animada, dinâmica, forte, dançante e repleta de ornamentos em vários instrumentos. Os timbres principais são de bateria, baixo, guitarra, violino e teclado. Destacam-se algumas ótimas canções na voz de Lyn Inaizumi; certamente as peças mais memoráveis da trilha.

O maior salto criativo da série desde Persona 3

Apesar de ser um porte bastante básico, e de eu ter algumas ressalvas quanto à narrativa não aproveitar tão bem a profundidade de sua proposta e a gameplay de stealth ser subdesenvolvida, ainda assim estamos diante de um dos melhores JRPGs da última década. Persona 5 Royal é o maior salto criativo da série desde pelo menos Persona 3, principalmente em gameplay. Além disso, tem uma trama ao mesmo tempo leve e interessante, conteúdo de sobra, um design de interface exemplar e um audiovisual coerente e com forte personalidade. O título é recomendado a qualquer um que goste simultaneamente de JRPG e de simulação social e que tenha mais de 100 horas para dedicar a ele.

Prós

  • Conteúdo de sobra tanto principal quanto opcional;
  • Narrativa bem construída em torno de problemas sociais pertinentes na vida estudantil e coerente com o público-alvo e o conceito ficcional;
  • Gameplay acessível, dinâmico e relativamente complexo, com camadas que o tornam versátil ao mesmo tempo que estabelecem pontes entre o mundo real e o Metaverso;
  • Level design das dungeons é sempre único, divertido e uma clara evolução em vários aspectos, se comparado aos Persona anteriores;
  • Audiovisual e design de interface muito bem-feitos, inspirados, cheios de personalidade e adequados ao ambiente urbano e à estética de mangás e animes.

Contras

  • Embora a história seja envolvente e as seções nas dungeons sejam satisfatórias, o ciclo de gameplay é um tanto previsível, cansativo e pouco desafiador;
  • Apesar de terem questões pesadas e interessantes na narrativa, o enredo poderia dar mais profundidade e seriedade a eles em alguns momentos;
  • O stealth é uma parte importante da identidade do jogo, mas acaba sendo pouco desenvolvido em termos de recursos furtivos, level design e IA dos inimigos;
  • Embora a simulação social esteja expandida e mais imersiva, há pouca inovação nessa parte.
Persona 5 Royal — PS4/PS5/XBS/Switch/PC — Nota: 9.0
Plataforma utilizada para a análise: PC
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela SEGA

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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