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Análise: Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition (Multi) é lindo, mas continua problemático

A remasterização do carismático multiplayer do GameCube também trouxe de volta as dificuldades para se jogar com mais pessoas.

Com o advento da tecnologia, soluções mais práticas e cômodas para se jogar com mais pessoas começaram a se tornar um padrão nos videogames. O simples fato de reunir um grupo de amigos e conectar seus controles ao console para se divertir durante uma sessão de jogo é um hábito que hoje em dia é pouco explorado em muitos títulos que dispõem de uma jogabilidade multiplayer, excluindo-se, na maioria dos casos, jogos de luta como Mortal Kombat e Street Fighter, onde o “mano a mano” é algo indispensável.



Entretanto, a tecnologia que serve como aliada também foi uma desculpa para criar soluções inovadoras, pelo menos em teoria, para jogar com mais pessoas. E isso foi o “Calcanhar de Aquiles” para Final Fantasy Crystal Chronicles em 2004, quando foi lançado para o GameCube. O jogo exigia um esquema específico para se jogar, exigindo que cada jogador dispusesse de um Game Boy Advance e um cabo especial (Nintendo GameCube Game Boy Advance Link Cable), principalmente quando a ideia era jogar com mais pessoas.

Em 2020 a Square Enix revive o título como Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition, uma versão renovada do exclusivo para o console da Nintendo, e mais uma vez insiste na ideia de inovação com uso da tecnologia para proporcionar a experiência desejada no jogo. Eis o erro se repetindo.

Uma fábula carismática

Final Fantasy Crystal Chronicles é um dungeon crawler com foco no multiplayer local. A história gira em torno de quatro tribos que vivem em um mundo coberto por uma nefasta névoa chamada de Miasma. As tribos fazem uso de cristais para se proteger e, de tempos em tempos, caravanas são organizadas para sair em busca de essências de Myrrh, uma árvore mágica, usadas para purificar seus cristais e mantê-los salvos da névoa.


No universo de FFCC somos apresentados a quatro tribos: os Clavats, os Lilties, os Yukes e os Selkies. Cada um com suas particularidades quanto à suas aparências, características e pontos de destaque em questão de jogabilidade.

Os Clavats são os mais comuns; prezam pela diplomacia entre as quatro tribos e estão sempre dispostos a ajudar quem está passando por algum apuro. Seu atributo principal é a defesa, fazendo destes o tipo mais versátil para iniciantes no jogo. As pequenas criaturinhas com carinha de anões da floresta são os Lilties; são seres de temperamento forte e bons de briga, então não se deixe enganar pelos rostinhos fofos. Recomendo não causar confusão com eles se não quiser problemas. Seu destaque, em questão de jogabilidade, é o ataque, fazendo destes os melhores para combates corpo a corpo. Em contrapartida, suas habilidades com magia são deveras ruins.

Bem diferente são os Yukes, com sua aparência exótica; seu vasto conhecimento faz deles os melhores usuários de magia do universo de FFCC e, ao contrário dos Lilties, são os menos recomendados quando se quer cair no braço com os inimigos. Por fim, temos os Selkies; o que possuem em beleza e agilidade, tem também em arrogância e egoísmo. É a tribo menos popular entre as demais por serem sempre responsáveis por aplicar golpes e roubos a andarilhos e viajantes nas estradas.

Um jogo simples, mas diferente

O jogador pode criar até oito personagens diferentes para usar durante o jogo, podendo alternar livremente entre eles durante a campanha. O objetivo é explorar diversas dungeons em busca das árvores de Myrrh para coletar gotas de essência mágica da sua planta para purificar o cristal de sua vila natal. Alguns itens são específicos para determinadas tribos e gêneros de personagem, estimulando que o jogador esteja sempre disposto a ter uma jornada variada.
Oi! Meu nome é Xelão e agora eu sou um Yuke!
Diferente dos jogos da série principal, os pontos de vida são representados como corações, semelhante ao visto na série The Legend of Zelda. As magias não possuem pontos de magia para serem consumidos, dando lugar ao uso de Magicites, pedras que conferem ao usuário a capacidade de conjurar os já conhecidos feitiços do universo de Final Fantasy. Elas podem ser fundidas para criar versões mais poderosas ou novas magias para ajudar no combate contra os inimigos.

Há apenas um botão de ação, tanto para ataque quanto para uso de magias e uso de itens. O jogador deve usar os botões de ombro para selecionar qual ação deseja atribuir ao de ação, para executar as ações no jogo. A princípio pode ser meio confuso, principalmente para os novatos, mas é uma mecânica que rapidamente nos acostumamos. Ao segurar o botão, quando selecionada a ação de ataque, o herói desfere um ataque carregado na direção que o círculo de mira aponta. Quando uma magia está selecionada, o círculo é usado para mirar e conjurar o feitiço. Quando mais jogadores estão juntos, podem combinar seus círculos de magia para executar uma versão mais poderosa e até mesmo uma gigantesca explosão capaz de causar imenso dano mágico.

Para se locomover pelo mapa, a equipe de desenvolvimento criou um truque com o intuito de evitar que o grupo se espalhe descontroladamente, além de forçar a cooperação entre os jogadores. Como o mundo está coberto por Miasma, um cálice usado para recolher a essência de Myrrh cria um campo de proteção para o grupo, evitando que o os membros da caravana recebam dano. Ao jogar sozinho, um Moogle acompanha o jogador, auxiliando em pequenos puzzles que necessitam da interação de mais de um personagem e carregando o cálice de proteção. Já quando um grupo está reunido, a tarefa de carregá-lo deve ser revezada entre membros do grupo.


No fim de cada dungeon, pontos são atribuídos a cada um dos membros com base em objetivos que lhes são conferidos, como derrotar inimigos fazendo uso de magia, abrir baús, coletar itens, dentre outros. Estes pontos definem a ordem de cada um na hora de escolher um artefato que confere algum status extra ao personagem, como pontos de força, defesa ou magia, corações extras ou itens que permitem conjurar feitiços sem a necessidade de usar uma Magicite.

Por fora, uma nova maquiagem, mais bonita

Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition traz uma experiência renovada no visual, som e na jogabilidade. Os gráficos foram refeitos para tirar proveito da capacidade dos consoles da atual geração e também de smartphones de nível intermediário. Visualmente o game está lindo. Quem teve contato com a versão original de 2004 pode ficar até emocionado com a beleza renovada do título na atual geração.

No departamento de som, as músicas foram refeitas e os personagens contam com dublagem em inglês que dão mais personalidade a seus papéis, com exceção de alguns que ficaram muito estranhos, como os Moogles – nada que estrague a experiência de um modo geral, mas é inevitável ouvir a voz de um personagem e notar que ela não combina em nada com ele. A música tema e os trechos introdutórios das dungeons contam com a voz da cantora e atriz Donna Burke – se você jogou Metal Gear Solid V, ouviu muito a voz desta mulher.


Na jogabilidade, o único ponto positivo é não precisar de aparatos, como na época do GameCube para jogar, mesmo que seja sozinho. Entretanto, a jogabilidade continua truncada, principalmente para quem tem um estilo de jogo mais ofensivo. Digo isso pois ao pressionar em sequência o botão de ação, quando selecionada a função de ataque, os combos não saem direito. A cadência de pressionamento de botões tem que ser mais lenta e nos momentos de mais ação o que menos interessa pra gente é realizar comandos lentos.

Por dentro, os mesmos problemas, só que piores

A remasterização de FFCC teve como principal destaque no seu anúncio o que poderia ser a solução definitiva para um dos principais empecilhos para quem quer jogar o game como realmente deve ser jogado, com mais gente.

Quando foi anunciado que o título não contaria com multiplayer local, jogadores protestaram sobre a decisão, considerando-a algo muito equivocado. FFCC foi desenvolvido envolto deste cerne e a ausência da funcionalidade não fazia muito sentido. Foi então que Ryoma Araki, diretor do jogo, justificou a decisão alegando que, no contexto atual, faria mais sentido dinamizar essa funcionalidade, dando ao jogo suporte ao multiplayer online e com suporte a cross-play entre as quatro plataformas em que jogo foi lançado.

O desenvolvimento do multiplayer local demandaria mais tempo da equipe e atrasaria o lançamento. Ainda, segundo o diretor, a funcionalidade local favoreceria apenas uma das quatro plataformas que recebeu o jogo, no caso o PS4, pois as demais eram plataformas mobile (Switch, Android e iOS).

Para facilitar ainda mais o uso desta nova funcionalidade, Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition possui uma versão LITE, totalmente gratuita. Sozinha, ela funciona como uma versão de demonstração, permitindo que qualquer pessoa jogue as primeiras dungeons do game e conheça o título. O trunfo é que esta mesma versão pode ser usada para jogar as demais dungeons com alguém que tenha o jogo completo, com exceção da final. A ideia é simples. Basta instalar no seu dispositivo ou console e pronto.
A equipe desenvolveu o multiplayer desta forma para deixar o jogo mais acessível.
Na teoria isso realmente é ótimo. Na prática é que encontramos problemas ao fazer uso dessa nova dinâmica. Encontramos partidas com outros jogadores com bastante facilidade, quando não ocorrem os clássicos problemas de matchmaking. A qualidade da conexão não é das melhoras na maioria dos casos, mas nada que torne-o injogável. Mas quando o progresso na campanha depende da participação de outros jogadores, por conta da elevada dificuldade apresentada nas dungeons mais avançadas, aí sim temos um desbalanceamento um tanto injusto.
Escolha como prefere reunir seus aliados, criando sua sessão ou entrando em uma já em andamento.
Sempre há sessões disponíveis, mas ao entrar recebi muitas mensagens de erro e não consegui me conectar.
Apenas o host da partida tem seu progresso registrado, limitando os demais participantes a se favorecerem apenas dos itens e dinheiro coletados. Essa situação até seria fácil de ser driblada se eu conseguisse jogadores para me ajudar, mas raramente tive companhia nas vezes em que criei sessões para jogar. Se eu conseguia entrar com facilidade em partidas de terceiros, o que impedia de outros entrarem na minha? A resposta pode ser a tal trava de região que foi noticiada na semana de lançamento do game. Esse sistema se mostrou bastante injusto e desbalanceado.

Jogar com desconhecidos é simples. E com os “brothers”? Para ser capaz de adicionar um amigo, um sistema semelhante a troca de códigos usada nas plataformas da Nintendo foi criada para que você se conecte com jogadores específicos. Os jogadores trocam códigos entre si para se conectar no servidor do jogo, facilitando o encontro com eles. Para conversar durante as partidas os jogadores podem usar o sistema de frases pré-determinadas ou usar um meio externo, como aplicativos ou servidores de mensagens. Não há suporte para chat de voz in-game.
Um dos raros registros de quando consegui jogar com outras pessoas.
Como se a experiência medíocre do multiplayer não fosse suficiente, algo difícil de engolir foi o excesso de telas de carregamento durante o jogo. Em outras análises de remasterizações já apresentadas no GameBlast tivemos relatos semelhantes sobre esse incômodo e recorrente fato. Eu, pessoalmente, acredito que a remasterização de um título tenha como principal finalidade a de aprimorar a experiência de um game lançado a muitos anos atrás, tirando proveito das tecnologias atuais e evitando justamente esse tipo de situação. Imagine jogar um título de SEGA CD ou Neo Geo CD, famosos por suas longas telas de carregamento, remasterizado, mas que ainda possuísse esse tipo de problema e você entenderá melhor minha crítica a isso.

E quem vier me dizer que isso é uma forma de reproduzir a experiência original, que na época isso era comum, minha resposta educada pra esse argumento é: se fosse pra reproduzir a experiência da época, eu teria ficado com o original, ou que lançassem um port. Pra mim, uma remasterização tem como principal objetivo melhorar essa experiência, adicionando ou adaptando o game com técnicas atuais. Em FFCC Remastered Edition isso foi mais um ponto que aumentou minha decepção.

No fim, algo realmente foi adicionado no fim das contas. A dungeon final e o conteúdo pós-jogo, com 13 áreas extras e DLCs cosméticos de outros personagens da série. Infelizmente, até a data de publicação desta análise, a grande dificuldade encontrada para conseguir aliados para avançar até o fim do jogo não me permitiu ver esse conteúdo que a Square Enix anunciou. Com tantos problemas que o jogo apresentou até aqui, duvido que isso apagaria a péssima impressão que o título já deixou.

Um cristal feito de vidro barato

Desapontado. Esse sentimento resume bem o que senti com um jogo que poderia finalmente apresentar uma experiência melhor adaptada para os sistemas atuais. Quem teve a oportunidade de jogar o original no GameCube e aguardou ansiosamente por Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition, para ter uma experiência melhorada, sendo bem sincero, não vai ver o que realmente queria no game, que continua sendo um título carismático, bonitinho, mas com coisas que mais atrapalham do que ajudam o título a ser o que realmente quer, um dungeon crawler para se jogar com os amigos.
Na maior parte do tempo, minhas aventuras foram solitárias.
Depois de algumas poucas horas o jogo se torna monótono ao jogar sozinho. Jogar com outros jogadores deixa-o bem melhor, pois foi feito para ser jogado desta forma. Mas que motivação o título me dá se o progresso na campanha só favorece um dos membros do grupo? As vezes, acho que por esportividade mesmo, eu entrei em outras partidas para ajudar outros jogadores. Mas poucas das vezes que criava uma sessão para ter ajuda pra passar por uma dungeon difícil fui atendido, até a conexão ficar ruim e encerrar a sessão.

É bem chato ver um trabalho mal feito da Square Enix, que no mesmo ano nos trouxe Final Fantasy VII Remake (PS4) e Trials of Mana (Multi), dois títulos apresentados de forma excelente e muito bem recebidos, inclusive por nossa equipe. Eu acho que uma remasterização é menos complicada de se fazer do que refazer um jogo do zero, então fica mais esse questionamento sobre o zelo que não foi dado na produção do remaster de Crystal Chronicles. Trazer de volta um título e, no mínimo, não sanar suas principais adversidades da versão original, me parece uma bela perda de tempo. As horas que investi jogando para elaborar essa análise foram, sem dúvidas, as mais lentas e irritantes que já passei desde que comecei com este ofício no GameBlast.

A ausência da versão mobile, pelo menos no Brasil, deixa a acessibilidade do título bem mais complicada por aqui, limitando as opções apenas ao PS4 e o Switch. Se estivesse disponível ela se mostraria bem mais convidativa na hora de jogar com mais alguém. Não tenho nada contra a jogabilidade online. Ela é muito bem-vinda, ainda mais com as vantagens do cross-play, mas com tantas complicações em cima disso, conclui-se que nada substitui a simplicidade de apenas conectar mais um controle.
Nem a nostalgia foi suficiente desta vez.

Prós

  • Visuais e músicas refeitos, realçando a personalidade do título;
  • Conteúdo adicional do pós-jogo promete uma vida mais longa ao game;
  • Multiplayer com suporte a cross-play e mais acessível com uso da versão LITE.

Contras

  • Dublagens em inglês deixaram alguns personagens com apresentação ruim;
  • Excessivas telas de carregamento;
  • Jogabilidade truncada e sem opção de customização;
  • Desempenho do ambiente online longe do ideal;
  • Apenas o host da partida é favorecido ao jogar online durante a campanha;
  • Ausência de multiplayer local, principal característica do jogo original;
  • Versão mobile oficialmente indisponível no Brasil.
Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition – PS4/Switch/Android/iOS – Nota: 4.0
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: José Carlos Alves
Análise feita com cópia digital cedida pela Square Enix

Fã de Castlevania, Tetris e jogos de tabuleiro. Entusiasta da era 16-bit e joga PlayStation 2 até hoje. Jogador casual de muitos e hardcore em poucos. Nas redes sociais é conhecido como @XelaoHerege
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