Crônica

Castlevania: Symphony of the Night (Multi): do sofrimento à redenção

Uma experiência de desafio e glória no castelo do Conde Drácula.



Estamos no ano de 2004: Playstation 2 consolidado no mercado e a pirataria comendo solta aqui no Brasil. Tínhamos GTA: San Andreas rolando nas locadoras e Half-Life 2 nos PCs. Enquanto isso, lá estava eu, aos quinze anos, com meu PSOne tinindo, revezando com meu pai e meu irmão menor, a direção de um Mazda Demio em Gran Turismo. Assim como pra mim, a realidade da infância gamer de muitos girava nas poucas horas de locadora, na visita à casa de um primo ou amigo, em revistas e, é claro, naquele console de uma ou duas gerações atrás. Foi entre uma corrida e outra que me deparei com um título um tanto quanto intrigante.

O início curioso

Tive um contato bem superficial com a série Castlevania no Super Nintendo.  Sabia da fama, mas nunca havia encarado ela de verdade. Bom, era hora de testar o CD: uma humilde capinha escura com letras amarelas. Bastou enxergar a estética pixelada e 2D que meu irmão saltou: “Ah… jogo velho, não gostei”, e sumiu. Dessa vez, eu poderia desfrutar sozinho de um jogo, sem ter que dividir o controle. De início, eu já me empolgava com toda aquela construção musical e percebia que a tradução literal do título “Sinfonia da Noite” não era à toa. A arte também era belíssima - tudo muito sombrio e detalhado.

O prólogo era um espetáculo à  parte, Richter Belmont chegava trocando desaforos com Drácula e já tínhamos a oportunidade de descer a corrente no Conde. Então, o jogo dava um salto no tempo e começava de fato. De antemão, aviso que alguns spoilers devem surgir adiante, mas afinal de contas o jogo foi lançado em 1997. Equívocos e exageros, eventualmente, podem ocorrer, pois a memória costuma romantizar momentos de paixão.

Entrei, digo, Alucard entrou no castelo ostentando o que havia de melhor em equipamentos medievais. O design do protagonista dampiro (meio-vampiro) era muito maneiro: ele vestia uma capa e seus longos cabelos brancos se perdiam no ar enquanto corria. Podíamos trocar as vestimentas e utilizar as duas mãos para equipar espadas, escudos, dentre outras armas. Além do uso do inventário, ainda contávamos com outros elementos de RPG, como níveis de experiência.

Não havia dificuldade até ali, estava tudo sob controle. A movimentação bem fluida e aquele heavy metal orquestrado já demonstravam a intensidade do gameplay. Eis que nos deparamos com a Morte, e é aí que começava uma jornada desafiante. Ela levava todos os nossos equipamentos e nos víamos frágeis diante dos exércitos de inimigos. Cada corredor exigia cuidado, pois zumbis, machados e caveiras que atiravam lanças tentavam nos matar. E elas conseguiam - dezenas de vezes!

Problemas e mais problemas

O uso constante do direcional para pular e se esquivar fez com que aquele meu joystick de marca paralela apresentasse os primeiros sintomas de sua falência. No ato da compra do videogame, meu pai optou por dois controles simples, ao invés do original Dual Shock que acompanhava o pacote, pois assim, eu e meu irmão poderíamos jogar juntos. Na prática, um estragou rápido e o outro estava prestes a se quebrar. O direcional que parecia uma moeda de plástico com bordas dobradas foi rachando aos poucos até que rompeu e caiu.

Acabou restando apenas um pino e não havia maneira de seguir a jornada assim. Sem dinheiro para um novo controle tive de improvisar da maneira mais enfadonha: coloquei um parafuso - isso mesmo, um parafuso - embutido ali. Esta “maravilha” de direcional analógico quebrava o galho e também machucava bastante o dedão, mas era melhor do que ficar sem jogar.



E a busca de Alucard por respostas e pelo confronto com Drácula seguia. A cada chefe, uma tensão. O ritmo da música acelerava e todo cuidado era pouco, pois nem sempre o lugar de salvar o jogo estava próximo, e nem havia alimento no inventário para recuperar a saúde do personagem. Tenho a lembrança de um lugar específico, um maldito corredor vertical que subíamos e descíamos com certa frequência, pois voltar e avançar no mapa era essencial na progressão. Cada metro quadrado dessa área era tomado por cabeças de medusas que ficavam rondando e, quase sempre atingiam-nos, o que, consequentemente, petrificava Alucard. Em horas mais dramáticas, éramos golpeados em sequência por esses monstros e despencávamos até morrer.

A cena da morte do personagem contorcendo-se no ar enquanto espirrava sangue era dolorosa. E a tela de game over já estava virando rotina. Às vezes, eu desligava o videogame com raiva e só ligava no outro dia. Aos poucos, eu ia pegando o jeito e jogando melhor. Mas de repente uma coisa bastante desagradável ocorreu. O áudio da nossa televisão de tubo de 16 anos estragou. Não era sequer concebível a hipótese de jogar Castlevania sem som, pois as músicas eram a alma do jogo. Não tinha como. Acabei ficando algumas semanas sem ligar o PlayStation, e a ansiedade para retomar a jogatina aumentava mais a cada dia.

O começo do fim

Pois bem, o televisor voltou do conserto e lá estávamos nós de novo, completando quase todo o mapa do castelo. Passei por severos percalços na área do jogo habitada por seres aquáticos, que rodopiavam no ar, golpeando e atacando em grupos. Mas venci, avancei, e enfim, quando achei que tinha detonado o game, algo nada convencional aconteceu. O castelo foi virado de cabeça para baixo e tínhamos ali um mapa novinho em folha com novos inimigos e desafios. Não era fácil derrotar esse vampiro, não.



Cansado de ter a mão moída pelo parafuso do controle eu descolei alguns trocados e fui até o centro da cidade comprar um novo. É claro que eu não tinha condições de arcar com algo original, então, voltei pra casa com mais um joystick de marca paralela, porém, um bom clone do Dual Shock. Agora ele vibrava e havia possibilidade de alternar entre o direcional tradicional e a alavanca analógica.

Controle novo, mas as dificuldades continuavam. Agora eu tinha de dividir o tempo de jogo com meu irmão que, cansado de ficar só olhando, resolveu jogar também. Pra ele, com nove anos na época, não era moleza sobreviver, então, o nanico era obrigado a passar a vez frequentemente. Com o avançar da história, conseguimos itens que nos transformavam em lobos, morcegos e até mesmo numa névoa.

Um salto para a redenção

Naquele tempo, arranhava pouco no inglês e a internet ainda era bem restrita pra mim, então não entendia muito bem a história do jogo. Tinha uma vaga noção de quem era filho de quem e do porquê de tudo aquilo. O game se vendia pela jogabilidade. Gostava de trocar bastante os equipamento para testar e ver qual era melhor. Foi num desses testes que, subitamente, me deparei com um cajado diferente, que, a primeira vista, mal soube do que era capaz.


Sem querer, apertei uma combinação de botões e disparei um especial na tela. “Opa! Como assim?” Tinha causado um dano moderado nos monstros. Pois bem, experimentei outros escudos, que equipados com o cajado, causavam danos diversos. Fui testando até que encontrei a combinação perfeita. Estava feito! Ríamos alegremente, pois os chefões - não importava o tamanho - tinham virado uma grande piada para nosso bravo dampiro. Bastava apertar uma dúzia de botões e eles pereciam diante do poder letal do Shield Rod.

Derrotamos Drácula com dignidade. Várias vezes, pra mostrar quem mandava naquela fortaleza. Até hoje, não compreendi muito bem qual foi a proposta original do desenvolvedor com aquela robusta arma. Só sei que a experiência toda foi uma das mais incríveis e gratificantes que um jogo já me trouxe. Koji Igarashi, o diretor desta obra prima, é reconhecido até hoje pela sua criação. O ápice de sua carreira ocorreu ali, e aguardamos atentamente por Bloodstained: Ritual of the Night, torcendo para que o nome não seja apenas uma referência barata ao antigo título.

Tive a oportunidade de experimentar outros episódios de Castlevania. Alguns bem interessantes, como o trio de jogos lançados para Nintendo DS. Apesar da semelhança com seu antecessor, para mim não foram tão impactantes. SotN foi uma aventura pra lá de marcante, que nem mesmo um vilão da série Metal Gear me deixou esquecer. No encontro bem estranho com o boss Psycho Mantis, que lê nossa mente (mais tarde descobri que ele “espiava” o memory card), fui surpreendido pela intimação: “Você gosta de Castlevania, não é?”. Devo admitir que sim.



Revisor: João Paulo Benevides


Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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