Entrevista

Conversamos com Ricardo Farah, jornalista especializado no mercado de games

Entrevistamos Ricardo Farah, proprietário da SKY 7 e ex-editor executivo das revistas EGM Brasil, EGM PC, Nintendo World e SuperDicas PlayStation


Que fã de videogames nunca sonhou em trabalhar com algo relacionado a este fantástico universo? Esse é um desejo quase unânime. Produzir seu próprio jogo, criar personagens, dar vida a mundos, contar histórias e até escrever sobre videogames (desejo de criança deste que vos escreve) enche de sonhos e dúvidas a cabeça de muito jogador desde seu tempo de criança.

Conforme crescemos, os videogames evoluem, e aquele sonho de ganhar a vida fazendo o que mais amamos, às vezes, some. Mas, em alguns casos, ganha ainda mais força. Foi assim que aconteceu com Ricardo Farah, um dos maiores jornalistas especializados em videogames do Brasil.

Ricardo Farah.
Apaixonado por jogos eletrônicos desde criança, Farah cresceu rodeado por consoles e, principalmente, revistas de videogames. Colecionando todas as que tinha acesso, não demorou para que o sonho de escrever sobre games tomasse forma. E foi acreditando e lutando por esse sonho que Ricardo Farah se tornou um dos maiores jornalistas especializados em videogames do nosso país.


Redator, editor, palestrante e, hoje, dono do próprio negócio, Farah é uma das maiores referências para quem busca entrar no mercado de jogos e entretenimento no Brasil. Pensando nisso, conversamos com ele sobre carreira, o mercado de jogos no Brasil, planos e, claro, ainda pedimos umas dicas para conseguir chegar aonde ele chegou. Confira.

Ítalo Chianca: Já sabemos que sua paixão por games e o sonho de escrever sobre eles vem desde sua infância, certo? Mas, como foi que você decidiu que seguiria esse sonho e quais os seus primeiros passos para realizá-lo? Enfrentou algum tipo de preconceito nessa decisão?

Ricardo Farah: Eu realmente tive a sorte de ter tido uma infância regada com muitos jogos e tecnologia. Muito graças ao meu pai, que também adorava videogame e computadores. Quando eu ainda era bem novo (por volta dos nove anos), eu sabia que queria trabalhar com jogos, mas não tinha a clara certeza se era fazendo jogos ou simplesmente testando os jogos. Como eu lia todas as revistas de games na época (Videogame, Ação Games etc) acabei vendo ali a oportunidade de trabalhar com o que gostava estando no Brasil. Foi assim que, aos dez anos, eu já rabiscava as primeiras páginas de uma revista minha de jogos.

Preconceito? Nem um pouco. O apoio da minha família sempre foi alto; e, como eu sempre tive amigos que dividiam os mesmos gostos, até mesmo na escolar havia um certo apoio.

Não deve ter sido nada fácil chegar aonde você chegou. Com certeza suou a camisa pra se destacar entre os grandes redatores e se tornar uma das figuras mais importantes do jornalismo especializado em games no Brasil. Conte um pouco sobre sua trajetória como redator e editor para os nossos leitores. Como obteve sucesso nesse mercado tão competitivo?

Rapaz, não foi mesmo. Eu comecei a trabalhar efetivamente aos 12 anos, montando sites para conhecidos e clientes do meu pai (que, além de trabalhar no Metrô em SP, complementava a renda da casa arrumando computadores). Quando eu estava com 15 anos, resolvi criar meu primeiro site de jogos. Eu não tinha muita afinidade por escrita, mas sempre fiz questão de saber escrever sem erros de ortografia. Criei um site só sobre o PlayStation 2 durante minhas férias de final de ano e, exatamente no dia 1º de janeiro de 2001 o site foi pro ar, todo em html e recheado de notícias e previews de jogos do PS2. Para divulgá-lo, eu entrava nos fóruns e chats de portais, mas cheguei até mesmo a fazer panfleto para divulgar na vizinhança de onde morava.

Sou de uma geração que cresceu lendo essas revistas. E você?
Com dois meses, o site já tinha uma média de 30 mil visitantes/mês. Foi o que me motivou a ir, de porta em porta, vender publicidade para o meu site. Como eu era muito novo, não me apresentava como o dono do site, mas apenas como um funcionário que estava lá, em uma loja de videogame, tentando vender espaço de publicidade para o site que “eu fazia parte”. E deu certo. Por quase quatro anos o site foi meu principal ganha-pão. Eu escrevia sobre tudo que era possível no meu tempo livre. Criei pseudônimos falsos para mostrar para todos que havia uma equipe, de fato, trabalhando (e acabei desenvolvendo vários estilos de texto diferente para que ficasse mais convincente).
Trabalhar em uma revista sobre era o sonho de muitos garotos nas décadas de 1990 e 2000.
Mas eu não ainda não havia realizado meu sonho (trabalhar com uma revista de games). Foi aí que, em janeiro de 2004, eu resolvi entrar em contato com as principais editoras do Brasil… mas nenhuma me retornou. Não me dei por vencido e fui, com a cara e a coragem, pessoalmente pedir uma oportunidade de trabalho, usando obviamente o meu site como portfólio.

Deu certo. Consegui trabalho como freelancer inicialmente na editora Digerati, escrevendo para a revista PSWorld (e, posteriormente, para as outras 15 publicações da casa). Fiquei lá oito meses como freelancer, até ter sido contratado oficialmente como redator (cargo que assumi por pouco mais de 1 ano). Em 2005, fui convidado para fazer parte da editora Conrad, inicialmente como redator das revistas EGM, EGM PC, SuperDicas PlayStation e Nintendo World. Fiquei na equipe pouco mais de quatro anos, encerrando a minha participação com as revistas como Editor Executivo.

Eu realmente não penso muito em “sucesso” na área. Acho que foi um conjunto de oportunidades com muito esforço. Nunca estive contente em ser apenas “mais um na equipe”. Sempre sugeri ideias de pautas, coberturas, oportunidades de entrevistas. Criei manuais de redação, específicos para freelancers, de detonados e reviews, em prol de melhorarmos a qualidade do material que recebíamos e tenho orgulho de ter sido responsável por colocar as revistas brasileiras em contato com empresas americanas e japonesas que nem faziam ideia da nossa existência. Ou seja, o segredo é você sempre buscar fazer algo a mais, sem ter medo de arriscar e sempre respeitando as hierarquias e o espaço dos outros na equipe.

Ter trabalhado em tantas revistas e portais deve ter sido uma experiência maravilhosa e cheia de grandes histórias. Quais foram os melhores e piores momentos que você viveu como redator e editor dessas mídias?

Sem dúvida alguma tem sido fantástico fazer parte de tudo isso. Os melhores momentos são muitos. Cito, inicialmente, os encontros com leitores que me procuram para agradecer e elogiar o trabalho; Acho fantástico quando uma matéria consegue causar um impacto positivo na vida das pessoas (e tive a honra de ter experimentado isso muitas vezes); Mas, de longe, os melhores momentos são quando eu vejo aonde chegaram algumas das pessoas as quais eu pude dar uma oportunidade profissional. É gratificante e de causar orgulho ver que, de alguma forma ou de outra, eu pude ajudar cada um a trilhar o seu caminho profissional.

Os piores momentos, de longe, são aqueles nos quais precisamos abrir mão de algum projeto ou matéria em prol de uma série de outras. Nas revistas, por exemplo, sempre tivemos o desafio de decidir a melhor matéria de capa (e muito material de qualidade acabou sendo derrubado, acredite). Na internet vai mais além. Eu cansei de ver excelentes sites sendo cancelados de forma prematura - muito pela falta de estratégia comercial, mas, em grande parte, pela transformação que a comunicação tem passado nos últimos anos.

Todos temos grandes heróis. Nós nos inspiramos neles e aprendemos com suas qualidades e defeitos. Quais são os seus heróis da vida real, dos videogames e da profissão? O que aprendeu com cada um deles?

Na vida real, meu maior herói é meu pai. Ele foi um exemplo de trabalhador incansável, que fez o que esteve ao alcance para cuidar da nossa família sempre, com honra e honestidade inabaláveis. Perdê-lo em 2013 foi, de longe, como perder meu maior amigo de jogos e mentor profissional.
Shigeru Miyamoto e Hideo Kojima.
Nos games, meus heróis “reais” são caras que estão há anos tentando fazer a diferença na indústria de jogos. Produtores como Shigeru Miyamoto e Hideo Kojima são personalidades óbvias na lista, mas eu gosto de lembrar sempre do Will Wright e até mesmo de Peter Molyneux, que, exaustivamente, buscam formas de contar a história da vida e dos seres vivos através dos jogos.
Heróis da ficção.
Dos heróis da ficção, eu sempre lembro de três: Link, de The Legend of Zelda, pela sua inabalável luta contra o mal; Goku, de Dragon Ball, por jamais colocar seus interesses na frente de qualquer desafio que enfrenta; e TinTim, das Graphic Novels de Hergé, por possuir um espírito desbravador e, ao mesmo tempo, honesto em suas aventuras pelo mundo. Os três também carregam um toque de inocência e bondade, qualidades que eu sempre busquei pessoalmente.


Além de jornalista, você é um grande empreendedor no mercado de entretenimento digital no Brasil. Como analisa o cenário nacional de jogos em comparação como o mercado internacional? E o que pensa sobre a saída da Nintendo no nosso país?


O Brasil realmente está crescendo cada vez mais rápido neste mercado. O consumo e a aceitação de novos produtos por aqui têm sido cada vez maiores. Mas tudo isso não seria suficiente do ponto de vista global se o mercado de desenvolvimento de jogos por aqui também não estivesse crescendo. E ele está! A passos lentos, mas necessários. O Brasil não representa ainda nem 2% da produção global, mas o mercado local está cada vez mais profissional. A tendência é crescer pra valer nos próximos anos. É nisso que eu torço (e é este o meu foco atualmente).
Game Over? Será mesmo?
Sobre a Nintendo, de fato, a saída da empresa no país resultará em uma maior dificuldade de crescimento da empresa no mercado. Mas é justamente agora que devemos unir forças para ajudar uma empresa como essa a voltar com um investimento e estratégia muito mais voltado para o nosso mercado. Como fazer isso? Simplesmente continuando o excelente trabalho jornalístico de cobrir o melhor da empresa, sempre pensando em atender ao público final da melhor forma possível.

Como você enxerga o jornalismo de games hoje e as diferenças comparando-a com antigamente. O que melhorou e piorou? E o que pensa sobre o futuro jornalístico no Brasil, com a entrada da IGN e a possível adesão aos vídeos e programas de TV (MOK, G4Brasil)?

O jornalismo de games no Brasil sempre foi o mais profissional possível. Eu diria que, antes, as dificuldades eram ainda maiores, uma vez que, praticamente, a totalidade do mercado de jogos não possuía representantes e suporte no país. Hoje, os desafios continuam, mas a grande maioria está direcionada em conseguir entregar um material cada vez mais completo e direcionado ao que o público busca.

Eu, realmente, acho que não só o jornalismo de games, mas a comunicação geral, tem mudado dia após dia de um jeito que muita gente ainda não sabe qual será o resultado.

Jornalistas de renome, como Pablo Miyazawa, fazem parte do IGN Brasil.
A vinda de empresas como o IGN só fortalece o compromisso editorial de veículos internacionais em acreditar no potencial do nosso país. Mas o desafio agora será transformar estes mega-editoriais em negócios de sucesso financeiramente falando. E é aí que reside o desafio em nosso país. Temos um mar de veículos de qualidade, mas que, infelizmente, carregam a dificuldade de monetizar em suas plataformas a ponto de valer todo o investimento.


O que Ricardo Farah tem feito atualmente? Quais seus projetos e planos?

Abrir a SKY7 em 2009 foi de longe a melhor decisão que eu tive profissionalmente falando. Nestes quase seis anos, pude aplicar tudo o que aprendi no jornalismo e comunicação para oferecer aos nossos clientes e parceiros um trabalho de qualidade no que diz respeito ao entretenimento digital. Fazer tudo isso ao mesmo tempo que cuido da gestão da empresa é um desafio praticamente sem fim, mas que todos os dias me traz um sabor diferente.


Hoje, a SKY7 está focada em gerar conteúdo jornalístico para sites e portais, além de oferecer um serviço de consultoria para empresas que buscam seu lugar ao sol no mercado brasileiro. Além disso, estamos finalmente no que eu chamo de a “fase 2.0” da empresa, preparando o lançamento de dois verticais editoriais nossos que eu tenho certeza que muita gente vai gostar.

Gostaríamos de agradecer pela sua atenção e por tudo que fez e faz pelos gamers brasileiros. Aposto que muitos leitores da nossa revista são grandes fãs do seu trabalho. Parabéns pelas conquistas e obrigado pela gentileza com que recebeu a equipe GameBlast. Por fim, gostaria que deixasse uma mensagem para todos que sonham em seguir seus passos e conseguir uma carreira no mercado de jogos.

Eu que agradeço ao convite da entrevista. Acompanho o trabalho da equipe GameBlast há um bom tempo e tenho muito orgulho de ter “apadrinhado” alguns dos talentos que nasceram nos sites e revistas do grupo.

A principal mensagem que eu deixo para todos que sonham e buscam entrar neste mercado é um dos meus mantras para tudo, que aprendi com o mestre Walt Disney: “se podemos sonhar, também podemos tornar nossos sonhos realidade”. Por isso, acreditem (e lutem) pelos seus sonhos.

Gostaram da entrevista? Conheciam o Ricardo Farah do tempo das revistas? Também sonham em trabalhar com games? Não deixe de comentar e compartilhar um pouco dos sonhos de vocês.

Revisão: Jaime Ninice
Capa: Diego Migueis


Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google