Chronicle

Maxis: uma desenvolvedora de histórias

Após 23 anos criando jogos que mudaram a vida de tanta gente, a Maxis foi fechada pela EA. É o fim de uma era onde lavar louça e destruir cidades parecia divertido.


Chego em casa após um dia cansativo no trabalho. Descubro que a faxineira não limpou a pia do banheiro, e mal consigo relaxar no banho, com aquele ambiente sujo e barulhento. Minha esposa chega do trabalho e começa a preparar a janta, enquanto limpo o banheiro e dou comida aos peixes. É quando um som enorme começa a ecoar, e descubro que as más habilidades culinárias dela transformaram um mero macarrão com queijo em um forno em chamas. Após muito gritar, um bombeiro aparece e apaga o incêndio, enquanto comemoro por estar vivo. Resolvo beijar minha esposa, aliviado. Para a nossa surpresa, um bebê surge: acabo de me tornar pai.




Em nenhum outro universo, tantas coisas poderiam acontecer na vida de uma pessoa ao mesmo tempo. The Sims foi um marco na minha vida, e com toda a certeza também na de tantas outras que passaram grande parte do tempo livre brincando de cuidar de uma casa e manter uma família de polígonos e com línguas esquisitas. Mas a história da Maxis começou muito antes, em 1987, em uma pequena empresa de Orinda (Estados Unidos) e rendeu muitos outros jogos que fizeram muito sucesso e até hoje inspiram dezenas de simuladores sociais. Essa e a história de uma empresa que construiu histórias.

Brincando de prefeito

Em 1989 era lançado o jogo SimCity, para os computadores da época. Com uma ideia genial de Will Wright e Jeff Braun, o jogador era colocado no controle da criação e gerenciamento de uma cidade, lidando com diversas partes de estratégia e controle financeiro. Apesar de não ser um sucesso imediato, a série teve diversas continuações e vendas muito altas com o lançamento de SimCity 2000, garantindo o seu lançamento em diversas plataformas — hoje, é possível jogar no seu tablet ou smartphone, em qualquer lugar.

Mas não foi apenas por tentar criar cidades saudáveis que a Maxis conseguiu atrair os jogadores até SimCity: o mais divertido era poder destruir tudo com monstros e fenômenos naturais. Depois, a brincadeira continuaria com a reconstrução do local, transformando o game em uma brincadeira eterna.

Mesmo ao comparar o primeiro jogo aos atuais, SimCity continua com a mesma essência.


SimCity trouxe uma nova geração de jogos, que utilizavam vários de seus elementos em sua criação. A sensação de não ter dinheiro e ver pessoas sofrendo por conta disso inspirou séries de controles de lugares específicos, como Sim Theme Park (Multi), onde era necessário gerenciar e cuidar de parques de diversão. Mas o mais importante estava ali, debaixo dos nossos narizes o tempo todo: as pessoas. Chamadas de Sims, elas teriam um jogo próprio em pouco tempo.

Brincando de Deus

The Sims surgiu em 2000, para o PC, e trazia uma fórmula extremamente inovadora e curiosamente divertida. Era possível criar diversos alter egos e controlar suas vidas em todos os momentos.
A Maxis foi adquirida pela EA em 1997. Após o lançamento de The Sims, o investimento foi ainda maior e o símbolo da produtora passou a aparecer no centro das capas, deixando a desenvolvedora em segundo plano. 
A qualidade do jogo era impecável. Além das músicas que tocavam nos menus, que trazem lágrimas aos olhos de muitos até hoje, os cenários traziam uma sensação de aconchego. Era como se a casa criada por nós fosse uma segunda casa, que nos deixava confortáveis mesmo após diversas horas olhando para um monitor de tubo de 14 polegadas. A partir do momento em que a casa e os personagens estavam prontos, o jogo mudava: era hora de contar histórias.

Um dos momentos mais comuns do jogo: um incêndio ocorrendo e toda a família ao redor, gritando. Conseguir tirá-los dali era um trabalho complicado.
Muito antes de os consoles permitirem o compartilhamento de fotos e vídeos em redes sociais, The Sims permitia capturar momentos importantes da vida dos Sims para criar álbuns de família. Era possível criar legendas e salvar no computador, e acredite: após muitas horas de jogo, a nostalgia se mostrava presente em cada um dos momentos registrados.

Era claro que o jogo não poderia ser sério o tempo todo. Situações como bebês gerados a partir de beijos, vizinhos presos em piscinas sem escada e ladrões roubando pianos em pequenos sacos plásticos faziam parte do dia-a-dia de pessoas que não tinham expressões faciais, mas que conseguiam traduzir sentimentos em pequenos balões com símbolos e desenhos aleatórios.
Aparentemente, uma festa bem hippie está acontecendo. Resta saber se nenhum "estraga festas" vai aparecer e causar enormes discussões.

Não demorou muito para que os jogadores começassem a descobrir segredos e desenvolver diversos conteúdos próprios, compartilhando em websites de fã-clubes. Com apenas algumas palavras como “Klapaucius”, milhares de Simoleons (a moeda do jogo) eram conquistados e mansões podiam ser construídas rapidamente. E depois de muitas horas de download, videogames e chuveiros de teletransporte eram colocados na sala de estar. The Sims se tornava uma verdadeira caixa de brinquedos.
Curiosidade: Na mesma época do lançamento de The Sims, a Maxis cancelou o projeto de outro jogo. Com o nome de SimMars, ele colocaria os jogadores no controle do planeta Marte, tentando trazer vida a ele e criar civilizações que o habitassem.

A ascensão dos Sims

Após diversas expansões para The Sims, que trouxeram encontros, viagens e animais de estimação aos lares dos personagens, a continuação do jogo foi anunciada. Finalmente seria possível customizar o rosto de cada Sim, tornando-o único. Aqui, a série encontraria o seu auge.

Com a possibilidade de explorar a cidade e viver em universidades (após as expansões), The Sims 2 (PC/Mac) — lançado em 2004 — aumentava as interações e expandia o universo com maiores mansões e funções específicas. As loucuras pareciam só aumentar: além de bebês serem feitos com um ótimo “oba oba” na cama, era possível ser abduzido, beber poções, conversar com a morte. Claro, nadar em lugares sem escada ainda rendia mortes “inesperadas”.

Já com a internet, o jogo trouxe também a opção de filmar e divulgar as recordações, fazendo edições e gravando a própria voz para narrar histórias. Uma nova comunidade surgia, com diversos filmes e vídeos de paródia criados por jogadores. Muitos criavam blogs sobre seus personagens, contando suas vidas em formatos de livros. Diversas vidas foram criadas e até hoje continuam em andamento — muitos ainda consideram essa versão como a melhor já feita.
Em 2006, a franquia The Sims foi transferida para outra divisão, chamada The Sims Studio. Durante este tempo, a Maxis se envolveu em outros projetos. Houve um longo período em hiato, que só foi interrompido quando a EA renomeou sua área para EA Maxis e a colocou no comando novamente. 
Infelizmente The Sims 3 (PC/Mac) — lançado em 2009 — sofreu mudanças, o que fez com que a Maxis não participasse da sua criação, que foi feita inteiramente pela Eletronic Arts. A desenvolvedora original retornou apenas a partir do primeiro pacote de expansão, o que foi perceptível graças ao aumento das vendas e melhor recepção do público — sem ela, boa parte da essência do jogo parecia ter sido perdida. Com o tempo, o jogo voltou a ter todos os elementos tão queridos pelos jogadores, voltando a consagrar a série como uma das melhores formas de entretenimento da época.
Em The Sims Bustin' Out, para PlayStation 2, o jogador era obrigado a completar missões específicas e completar a história de seu personagem. Além dos controles difíceis, as poucas interações tornavam o jogo entediante.

Outros jogos de The Sims foram lançados para diversas plataformas, mas com a EA controlando tudo a qualidade caiu muito. A liberdade, que era ponto forte em todos os grandes jogos, era extremamente limitada, e tudo ficava em torno de personagens pré-definidos e missões estranhas, sem nenhuma identificação com o que acontecia. Até mesmo um jogo para Facebook foi criado, e mesmo prendendo a atenção de muita gente, acabou cansando por sua mecânica freemium (onde o jogo é gratuito, mas grande parte das interações é paga).

Brincando de criar planetas

Enquanto muitos ainda se divertiam criando casas e Sims para habitá-las, outro jogo da Maxis deu as caras em 2008. Ou, devo dizer, deu as antenas? Spore (PC/Mac) tinha uma proposta maior, muito maior: fazer o jogador criar planetas. Isso envolveria até mesmo a interação com DNAs e criaturas minúsculas, que lutariam pela sobrevivência e trariam vida ao redor.
A vida celular de Spore era feita de cliques frenéticos para comer antes dos inimigos, tomando cuidado das criaturas maiores que se alimentam da sua criatura.

Com uma jogabilidade variada, que se alterava conforme as criaturas evoluiam, o título trazia elementos já presentes em diversos outros como Flow (Multi) — em que o jogador controla um ser microscópio que deve se alimentar dos demais para crescer — e Age of Empires (PC/Mac) — no qual é preciso criar estratégias para manter sua civilização viva enquanto ataca e protege-se dos invasores.

Por mais divertidas que fossem todas as etapas da vida de seu ser, o mais divertido era a sua criação. Usando elementos já conhecidos em The Sims, era possível gerar monstros com as mais variadas formas e cores, tanto que até mesmo alguns famosos Pokémon deram as caras por lá — a imaginação dos jogadores não tem limites. Não havia nada mais engraçado do que ver dezenas de criaturas esquisitas, com braços maiores do que o corpo, pulando e comemorando enquanto o fogo era descoberto.

Novamente, o que cativou os jogadores não foi somente a conquista de toda uma galáxia, mas o fato de poder compartilhar suas criações e vídeos pela internet. Infelizmente não havia maneiras de jogar contra outros jogadores, o que deixou muitos desejando uma continuação que nunca aconteceu.

A queda de um gigante

A Maxis não foi responsável apenas pelos títulos desta matéria. Há outros trabalhos em sua história, como SimEarth (Multi), SimFarm (PC) e tantos outros. Nenhum fez tanto sucesso como as 3 grandes franquias aqui citadas, mas contribuíram para a sua existência.
Em 2013, a Maxis lançou o último SimCity, para PC e Mac. Enquanto tudo parecia muito promissor, com gráficos atualizados e maior possibilidade de exploração nas cidades, houve grande confusão em torno da necessidade de estar sempre conectado à internet para poder jogar. Apesar de ser compreensível, já que a pirataria em torno dos seus jogos sempre foi muito forte, isso causou diversos problemas com servidores e muitos reclamaram de terem que depender de um serviço para poder jogar.
A evolução gráfica de SimCity é gigantesca. Mesmo com todos os problemas envolvendo conexões à internet, o jogo é bem divertido.

The Sims 4 (PC/Mac) foi lançado no final de 2014, entre muitas críticas por ter pouca evolução visual — há momentos em que o jogo anterior consegue ser até mesmo superior. Seu modo de criação de Sims é extraordinário, possibilitando a criação de praticamente qualquer pessoa. Mas algumas alterações não fizeram sentido: por que não colocaram piscinas no jogo? E a enorme vizinhança, que existia nos outros jogos, deixou de ser tão explorável. A sensação é a de que houve regressão, e não evolução, trazendo poucas novidades e motivos que o fizessem ser jogado.

Atualmente, soube-se que a Maxis foi fechada, e com isso muitos sentiram o fim de uma era se aproximando. A saudade pareceu tomar conta, fazendo até com que o redator que aqui escreve passasse algumas horas revivendo o seu antigo Sim, matando as saudades de um tempo que parece não ter volta. A Eletronic Arts, entretanto, garantiu que os jogos terão continuações sob responsabilidades de outros estúdios e não terão os servidores desligados.

É difícil prever o futuro dos jogos citados. Sem a Maxis, o único pensamento que temos é o de que a essência se perdeu, e como as vendas dos últimos lançamentos foi baixa, talvez sequer vejamos The Sims 5 no futuro. Seja como for, as histórias de seus jogos não terminam: todos foram feitos para que joguemos infinitas vezes — e é isso o que faremos. Se há algo que podemos dizer à Maxis por todos esses anos, é um enorme obrigado. Vocês mostraram a nós que as pequenas coisas da vida podem ser divertidas, até mesmo lavar a louça.
Revisão: José Carlos Alves
Capa: Felipe Fabrício


Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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