Análise: Octopath Traveler 0 mescla o novo e o antigo em uma aventura de brilho contido

A mais recente entrada da série introduz mudanças interessantes, apesar de ser mais conservador do que inicialmente parece.

em 03/12/2025

Octopath Traveler 0 surge como o novo capítulo da consagrada saga de JRPGs em HD-2D, desta vez inspirado no título mobile Champions of the Continent. O jogo traz novidades notáveis, como a possibilidade de gerir uma vila e batalhar com oito heróis simultaneamente, enquanto preserva a identidade clássica da franquia. No entanto, o título mantém uma postura conservadora, aproveitando o que já funcionava sem ousar tanto na direção de algo realmente revolucionário. O resultado é uma aventura envolvente e agradável, embora permaneça em um terreno seguro demais.

Em uma jornada de reconstrução e vingança

Em vez de acompanhar oito protagonistas distintos como nos anteriores, Octopath Traveler 0 coloca o jogador no papel de um único herói criado do zero. Esse personagem tem sua vida virada do avesso quando Wishvale, sua cidade natal, é invadida e destruída por três tiranos do reino de Osterra. Anos mais tarde, ele retorna para reencontrar sobreviventes, reconstruir o que foi perdido e se vingar contra os responsáveis pela tragédia. Aos poucos, essa jornada pessoal se expande, envolvendo ameaças e personagens de todos os cantos do continente.


Um dos grandes atrativos da série sempre foi sua capacidade de transitar entre histórias pequenas e profundamente humanas, como a de uma jovem que sonha ser dançarina, e sagas épicas sobre honra, sacrifício e dever. No novo episódio, a proposta é mais grandiosa: a narrativa explora eventos de escala mundial e desenvolve melhor conceitos, divindades e estruturas que formam o cerne de Orsterra. O problema é que essa ambição não encontra suporte em personagens fortes ou reviravoltas marcantes.

Os três vilões iniciais, por exemplo, são representados de maneira excessivamente caricata, agindo com crueldade gratuita e sem motivações claras, o que diminui o impacto dramático. Também há a trama de reconstrução da vila, que deveria ser emocional e significativa, porém acaba fragmentada e pouco inspirada, apenas encadeando figuras secundárias rasas que não enriquecem o conjunto. Mesmo o arco central, que é mais amplo, complexo e com momentos realmente interessantes, demora a ganhar forma e sofre com ritmo irregular.


Ainda assim, Octopath Traveler 0 traz algumas cenas memoráveis e situações chocantes que reacendem o interesse na jornada. Mesmo tropeçando em clichês e contando com uma apresentação mais genérica que a dos seus predecessores, a aventura funciona e mantém um senso de progressão envolvente. A execução pode não ser tão inspirada quanto antes, mas há o suficiente para sustentar quem aprecia narrativas de fantasia clássicas.



Tática em dobro: oito heróis, um campo de batalha

O sistema de combate por turnos retorna fiel ao estilo da franquia, centrado no duo Boost e Break. Assim, atacar os pontos fracos dos inimigos para quebrar suas defesas continua essencial, e o gerenciamento dos pontos de Boost adiciona camadas estratégicas importantes, já que decidir quando acumular ou gastar BP pode transformar completamente o andamento de uma luta. Contudo, a constante tentativa e erro para descobrir fraquezas tira um pouco da precisão estratégica e pode tornar algumas batalhas repetitivas.

A grande novidade é a presença de oito personagens em combate. A linha de frente atua diretamente, enquanto os heróis posicionados na retaguarda recuperam vida e acumulam Boost automaticamente, criando um fluxo constante de alternância que amplia bastante o rol de possibilidades. A troca livre entre as linhas favorece uma dinâmica mais fluida e permite montar grupos muito mais diversos do que nos títulos anteriores. Isso se mostra especialmente relevante em confrontos contra chefes, agora mais agressivos e resistentes, exigindo domínio completo da mecânica para vencer.


No que diz respeito à customização, o jogo adota uma abordagem híbrida. Apenas o protagonista pode trocar de Jobs, enquanto os demais personagens possuem classes fixas, embora apresentem variações individuais dentro dessas categorias. Há ainda um sistema leve de personalização que permite equipar técnicas previamente dominadas, desde que determinados requisitos sejam atendidos. Isso reduz significativamente a profundidade vista em Octopath Traveler e Octopath Traveler II, que permitiam combinações robustas entre habilidades ativas e passivas, mas ao mesmo tempo facilita o gerenciamento de equipes amplas.

Com mais de 30 heróis recrutáveis, incluindo rostos conhecidos do primeiro jogo, há espaço para montar grupos especializados e adequados a diferentes desafios. A progressão, no entanto, exige algum nível de grind, pois certas missões exigem um nível mínimo para ser possível avançar, contudo o jogo oferece ferramentas para treinar personagens de maneira mais eficiente. No geral, é um sistema que sacrifica parte da criatividade enquanto ganha em acessibilidade e amplitude estratégica graças ao elenco numeroso.



Desbravando um mundo vasto e tradicional

A exploração em Octopath Traveler 0 adota uma estrutura mais linear que nos jogos anteriores. Há missões principais e secundárias distribuídas pelo mundo, porém muitas delas só podem ser encaradas quando o grupo atinge níveis específicos, o que naturalmente estabelece uma ordem recomendada. Ainda assim, existe certa liberdade na escolha de rotas e atividades, criando um bom equilíbrio entre orientação e autonomia. A jornada avança em ritmo direto, reforçando o foco do jogo em narrativa e combate.

Os mapas seguem a linha tradicional da série: campos e calabouços curtos e lineares, sem puzzles ou mecânicas ambientais elaboradas. De novidade, há caminhos secundários que escondem baús ou chefes opcionais, incentivando um pouco a exploração opcional. A progressão é simples e objetiva, e após determinado ponto da aventura, ganhamos acesso a um barco que amplia significativamente as possibilidades de locomoção. Mesmo assim, o design geral permanece contido e funcional, sem grandes surpresas.


As Path Actions, habilidades de interação com NPCs, foram simplificadas e centralizadas no protagonista, que agora pode realizar todas as ações antes divididas entre diferentes heróis. Isso torna o sistema mais direto, mas também elimina sua relevância estratégica. A obtenção de itens, informações ou aliados depende apenas dos níveis de riqueza, poder e fama, atributos que aumentam automaticamente ao completar missões. Com isso, o recurso se torna quase trivial, servindo como mecanismo utilitário em vez de uma ferramenta de criatividade ou variação na jogabilidade.


A reconstrução de Wishvale é o elemento inédito mais marcante, ainda que sua execução seja irregular. A mecânica envolve recrutar pessoas pelo mundo, construir edifícios e decorar espaços usando materiais coletados. As edificações desbloqueiam funções diversas, como cultivo de itens, culinária, lojas especiais ou acessos a recursos únicos que influenciam a aventura. 

No início, porém, o desenvolvimento é muito lento e depende de uma linha específica de missões, fazendo com que seu impacto real só apareça após muitas horas de jogo — e, ainda assim, de maneira modesta. O sistema é simples, pouco profundo e tende a funcionar mais como um complemento do que como uma mecânica central envolvente.



Na beleza retrô dos pixels

Visualmente, Octopath Traveler 0 mantém o estilo HD-2D que mistura cenários tridimensionais com sprites em pixel art, mas aqui a base técnica claramente deriva de Champions of the Continent. Isso resulta em texturas mais simples e menor nível de detalhamento quando comparado aos dois jogos principais da série. Ainda assim, o charme permanece: a estética de miniatura, os efeitos de luz elegantes e a composição de cena evocam o clima nostálgico característico da franquia, mesmo que o resultado geral pareça menos refinado em comparação com os outros dois episódios principais.


A trilha sonora continua sendo um dos maiores destaques. O jogo combina músicas do primeiro Octopath Traveler, temas reutilizados do episódio mobile e faixas inéditas que reforçam o senso de grandiosidade da narrativa. A mistura de piano, cordas, guitarras e percussão cria uma identidade sonora rica, que alterna entre tons de aventura, tensão e perigo com maestria. A dublagem em inglês e japonês é competente, contribuindo para a imersão e reforçando os momentos mais dramáticos da história, ainda que o áudio pareça um pouco abafado em algumas cenas.



Entre o familiar e o novo

Octopath Traveler 0 é uma experiência sólida, que combina sistemas novos a pilares já estabelecidos da série. O combate expandido, o elenco amplo e a reconstrução da vila adicionam variedade, enquanto a narrativa, apesar de tropeçar em clichês e apresentar antagonistas rasos, ainda consegue oferecer momentos interessantes. A direção artística permanece charmosa, e a trilha sonora continua excelente, embora a parte técnica e o escopo visual sejam mais modestos do que os fãs poderiam esperar.

No fim, a sensação predominante é de um título que traz algumas novidades, contudo, permanece preso ao conforto de sua própria fórmula. Isso não é necessariamente ruim: quem aprecia JRPGs clássicos encontrará aqui uma aventura competente, envolvente e agradável, ainda que pouco ousada. Octopath Traveler 0 talvez não leve a franquia a novos patamares, mas preserva o que fãs já gostam — e às vezes, isso basta para garantir uma boa jornada.

Prós

  • Sistema de combate com oito heróis que amplia significativamente as possibilidades estratégicas;
  • Trama envolvente e com algumas cenas marcantes;
  • Mundo vasto e repleto de atividades para explorar;
  • Ambientação bem-construída com ótimo visual HD-2D e trilha sonora de qualidade.

Contras

  • Mapas simples e com exploração direta demais;
  • A reconstrução da vila é lenta e de impacto limitado;
  • O sistema de Path Actions foi simplificado a ponto de perder profundidade estratégica;
  • O visual e a parte técnica são menos refinados do que nos títulos principais da franquia.
Octopath Traveler 0 — PC/PS4/PS5/XSX/Switch/Switch 2 — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Thomaz Farias
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix
OpenCritic
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Farley Santos
é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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